O Estado de S. Paulo
Governo se autoconcede mais poder e
instrumentos contra o crime
Os governos vêm perdendo a guerra contra a violência há décadas, com as organizações criminosas, as milícias e o tráfico de drogas derrubando fronteiras e cooptando agentes do Estado, e uma das fragilidades da União é a falta de instrumentos, legais e policiais, para entrar na linha de frente. É para corrigir essa falha e atualizar o modelo de combate que o Ministério da Justiça enviou ao Congresso uma proposta de emenda à Constituição (PEC), se autoconcedendo mais poderes, ou mais instrumentos de ação.
A intenção básica é equiparar os sistemas de Segurança Pública (SUSP), criado no governo
Michel Temer, ao Sistema Único de Saúde (SUS), que, como modelo, é um dos
sucessos do Brasil. Quanto à execução? Bem, são outros quinhentos. A diferença
entre os dois sistemas é que o SUS está na Constituição e o SUSP, até agora,
não.
A ideia é padronizar procedimentos, dados e
estatísticas para possibilitar estratégias nacionais, como para os boletins de
ocorrência, mandados de prisão, antecedentes criminais, contingente do sistema
prisional, além de criar regras para separar os presos por idade e grau de
periculosidade, e definir quantos metros quadrados cada um tem de ter na cela.
Como nacionalizar tudo isso e ter algum tipo de informação e controle se são 26
estados, mais o DF, e cada um tem suas regras e modelos?
A violência explode, o crime deixou de ser
nacional para se transformar em transnacional, compra setores inteiros, opera
até, literalmente, debaixo d´água, e mata sem dó nem piedade. Os governadores
batem no Planalto e no Ministério da Justiça e... a resposta é sempre aquém da
pergunta e os recursos e soluções, aquém, muito aquém, do necessário. A União
está de mãos atadas, porque se trata de uma função atribuída pela Constituição
aos Estados. O governo não pode impor regras e diretrizes, mas fica com o ônus
político, de popularidade. Num regime presidencial forte, a culpa é sempre “do
governo”, ou seja, do presidente.
Os ministros Flávio
Dino e Ricardo Lewandowski, que inverteram posições – um saiu da
Justiça e foi para o STF e o outro, fez o sentido oposto – enfrentaram essa
situação, ou essa impotência. Além da falta de autoridade constitucional para
intervir, ou por causa dela, a União tem pouco o que fazer. Aos números: são
12.900 policiais federais e outros tantos policiais rodoviários federais,
contra 405.000 PMs e 95.000 policiais civis.
E não é só: a PF é uma instituição de
investigação e inteligência, não para subir morros e trocar tiros com bandidos
comuns, enquanto a PRF é, como o nome diz, focada nas rodovias federais. Com o
tempo, e a necessidade clamorosa, isso vem mudando e a PRF está cada vez mais
dentro das cidades e de operações comuns. Mas é preciso dar legalidade a essa
transição.
Até lá, os seguidos presidentes e ministros
da Justiça se viram no que um especialista em segurança define como “gestão de
cooptação”, ou “gestão de varejo”. Explica-se: como o governo federal não tem
como impor nada, usa os recursos como moeda de troca. “Quer recursos da União?
Ok, mas tem de cumprir nossas diretrizes”. Exemplo: o Estado recebe lotes de
câmeras de uniformes policiais, desde que siga o que Brasília definiu para o
uso. É hora de unificar o sistema e enfrentar essa guerra com governo federal,
Estados e municípios, com cobertura legal, constitucional e de legitimidade.
Os três principais problemas do Brasil, segundo as pesquisas e, portanto, o governo, são (falta de) segurança pública, saúde e educação, e isso não é apenas causa, mas principalmente resultado da perversa distribuição de renda, com os pretos e pobres no fundo do poço e os brancos e ricos ou de classe média nadando de braçada – e sempre reclamando. Mas essa é outra história. Na emergência, o fundamental é atualizar e dar funcionalidade e eficácia aos sistemas, com o governo federal assumindo, não só o papel de coordenação, mas também de responsabilidade. E, como sempre, as entidades da sociedade civil e a sociedade não podem lavar as mãos: “não é comigo!”. É, você é tanto vítima como parte do problema.
Muito bom o artigo.
ResponderExcluir