O Globo
Contam-se às centenas os casos em que
magistrados deferem pedidos de busca e apreensão solicitados pelas corporações
Em outubro do ano passado o advogado Antônio
Cláudio Mariz de Oliveira, representando a Associação de Delegados do Estado de
São Paulo, pediu ao corregedor nacional de Justiça que recomende aos
magistrados o respeito ao dispositivo constitucional que delimitou as
jurisdições das polícias Civis e Militares.
O artigo 144 da Constituição é claro:
“Às polícias Civis, dirigidas por delegados
de polícia de carreira, incumbem, ressalvada a competência da União, as funções
de Polícia Judiciária e a apuração de infrações penais, exceto a militares.”
“Às polícias Militares cabem a polícia ostensiva e a preservação da ordem pública; aos Corpos de Bombeiros militares, além das atribuições definidas em lei, incumbe a execução de atividades de defesa civil”.
Contam-se às centenas os casos em que
magistrados deferem pedidos de busca e apreensão solicitados pelas polícias
Militares. Mariz de Oliveira é um respeitado criminalista e já foi secretário
de Segurança de São Paulo (1990-1991). Conhece de cor e salteado os dois lados
do balcão. O que ele pede é que o Conselho Nacional de Justiça recomende aos
magistrados que não defiram pedidos encaminhados pelas PMs invadindo a
competência das polícias Civis.
A questão foi remetida ao Tribunal de Justiça
de São Paulo e em maio passado seu corregedor respondeu que, “em situações de
urgência específicas”, os magistrados podem deferir pedidos de buscas e
apreensões solicitados pela Polícia Militar, sempre apoiados pelos
representantes do Ministério Público. É o jogo jogado, desde que se defina o
que vem a ser uma “situação de urgência específica”. As estatísticas indicam
que as palavras “urgência” e “específica” são sinônimos de negro e pobre.
Indo ao coração do problema, o juiz Luís
Geraldo Sant’Ana Lanfredi, auxiliar da presidência do Conselho Nacional de
Justiça, informou, em um parecer em que repisou a clareza da Constituição:
“Pesquisa recente realizada pelo Grupo de
Estudos dos Novos Ilegalismos da Universidade Federal Fluminense (Geni-UFF), a
partir da análise de dados da Região Metropolitana do Rio de Janeiro, informa
que é no cumprimento de mandados de busca e apreensão, ao lado da repressão ao
tráfico de drogas e armas, retaliações por mortes ou ataque a unidade policial,
recuperação de bens roubados, entre outras, que pavimentam as operações
policiais que resultam em chacinas.
Ou seja, mandados de busca mal realizados e
executados tornam-se instrumento e tipo de circunstância que necessariamente
antecede ou desencadeia massacres, violações, abusos de todas as ordens e têm
levado o país, inclusive, a condenações em Cortes Internacionais.”
Lanfredi concluiu propondo que o
corregedor Luis Felipe
Salomão recomende aos magistrados “que se abstenham de proferir
decisões de deferimento de pedidos de busca e apreensão domiciliar ou de outros
atos privativos de Polícia Judiciária e investigativa requeridos diretamente
pela Polícia Militar.”
Uma decisão final ainda deverá esperar novos
pareceres e será votada pelo plenário do Conselho Nacional de Justiça antes que
o pedido de Mariz complete um ano.
Intenção e resultado
De boas intenções, o reino de Asmodeu está
cheio. Com a melhor das intenções, o governo de Dilma Rousseff criou a Comissão
Nacional da Verdade. Ela resultou num relatório repetitivo, capenga e
superficial. Listou o brigadeiro Eduardo Gomes, ministro da Aeronáutica de 1965
e 1967 entre os militares responsabilizados pela prática de torturas,
colocando-o na companhia de assassinos que executaram prisioneiros que
atenderam a convites oficiais da tropa. Onde? Nas matas do Araguaia entre
outubro de1973 e outubro de 1974. Essa e outras insensibilidades jogaram uma
parte da oficialidade no colo do ex-capitão Jair Bolsonaro.
Agora Lula 3.0 caminha para uma revisão na
previdência dos militares. Trata-se de um vespeiro. Os inativos custam R$ 31,2
bilhões e os militares na ativa custam R$ 32,4 bilhões. Nele há penduricalhos e
abusos, mas tudo gira em torno de uma realidade: os militares brasileiros
ganham pouco. Faz tempo, quando um general da intimidade do presidente Ernesto
Geisel reclamou, comparando seu salário com o de um paisano, ouviu: “Você é
realmente muito burro, entrou para o Exército para ganhar bem?” Um general brasileiro
vai para a reserva depois de pelo menos 35 anos de serviços bem avaliados, com
R$ 37 mil de salário. É pouco e essa anomalia estimula governantes a criar as
tenebrosas boquinhas para oficiais amigos. Num caso, um general, na reserva,
recebia menos de R$ 20 mil líquidos, e reclamava, mas não mencionava a boquinha
pela qual passara, rendendo mais de R$ 50 mil mensais.
Pode-se mexer nesse vespeiro desde que fique
claro que as mudanças tornarão o sistema mais transparente e justo. Parece
impossível, mas o marechal Castello Branco fez uma reforma profunda no sistema
de aposentadoria dos militares, modernizou as forças e acabou com aquilo que
ele chamava de os generais chineses. Seu amigo Oswaldo Cordeiro de Farias ficou
23 anos no generalato.
Era possível que um general de quatro
estrelas ficasse mais de dez anos na patente. Castello criou uma escadinha de
cotas compulsórias, pelo qual os quadros de generais de brigada, divisão ou
exército, são obrigadas a uma renovação de 25% a cada ano. A mesma escadinha
funciona para a Marinha e Aeronáutica. Disso resultou que ninguém fica mais de
quatro anos numa patente, nem mais de 12 no generalato.
Os generais chineses viraram fumaça, ninguém
reclamou e as três Forças modernizaram-se, menos do que precisavam, mas como
era necessário.
A Temer o que é de Temer
A boa notícia é que o PT e o senador Sergio
Moro estão falando em “pacificação”. A eles soma-se o ex-governador de São
Paulo, João Doria, que passou pela política sem nunca ter esticado a corda.
É justo reconhecer que essa atitude foi a
marca registrada de Michel Temer, antes, durante e depois de sua passagem pela
Presidência da República.
Mágica besta
Se Lula tivesse dispensado o público de sua
última catilinária contra Roberto Campos Neto, é provável que a última reunião
do Copom tivesse mantido a taxa de juros em 10,5% ao ano, sem a goleada de 9x0.
Lula gosta de atribuir os humores do mercado
à ação de especuladores. Alguém precisa avisá-lo de que falas contra o Banco
Central fazem a alegria de quem fatura com a alta do dólar.
Ronaldo Caiado na pista
O governador de Goiás, Ronaldo Caiado, está
na pista para a sucessão presidencial de 2026. Num só dia ele é capaz de descer
no Ceará e em Santa Catarina.
Caiado carrega consigo um patrimônio
eleitoral do agronegócio e, pela sua agenda de hoje, quer ser um candidato com
foco na segurança pública.
Etiqueta e compostura
Lula deveria criar uma força-tarefa de
diplomatas para ensinar aos hierarcas de seu governo que, dependendo da lista
de convidados, eles não podem ir embora de eventos onde participam como
anfitriões.
Em todos os casos, é falta de educação. Em alguns, chega a ser insultuoso.
Sei.
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