O Globo
Em memórias, ex-ministro da Fazenda relembra
a relação com Itamar, o escândalo da parabólica e a tensão antes do lançamento
da moeda
Às vésperas do lançamento do real, o
presidente Itamar Franco mandou chamar o ministro da Fazenda, Rubens Ricupero.
Tinha uma notícia inesperada: contrariando o combinado, ia decretar um
congelamento dos preços.
Surpreso, o embaixador usou a diplomacia para
tentar desarmar a bomba. Com cuidado para não melindrar o chefe, lembrou que o
tabelamento já havia levado à derrocada de outros planos econômicos, como o
Cruzado.
“Minhas razões não bastaram. Ele não se sentia seguro”, lembra Ricupero, 30 anos depois. Ao fim da conversa, o presidente devolveu o problema: “Não estou convencido. A responsabilidade é do senhor”. O ministro manteve a palavra com sua equipe, salvando a nova moeda da morte prematura.
A primeira fase do plano já estava na rua,
com a unidade real de valor (URV), quando Fernando Henrique Cardoso deixou o
governo para disputar a eleição. Itamar ofereceu a Fazenda a Ricupero, que
comandava o Ministério do Meio Ambiente.
“Não sou dessa área. Por que o senhor não
escolhe alguém da equipe, como o Edmar Bacha ou o Pedro Malan?”, perguntou o
diplomata. “Já examinamos todas as alternativas e o senhor é a única opção”,
respondeu o presidente. O convite levaria Ricupero a assinar seu nome nas
primeiras cédulas do real, que começaram a circular em 1º de julho de 1994.
No recém-lançado “Memórias”, o ex-ministro
narra a tensão que antecedeu a vitória sobre a hiperinflação: “A rotina diária
de estendia da manhã até tarde da noite, num desfile exaustivo de governadores,
ministros, prefeitos, empresários, todos com pedidos impossíveis ou propostas
inexequíveis”.
“Tive que aprender a dizer não de infinitas
maneiras. Por sorte, quase não houve ocasiões em que tentaram me envolver em
esquemas ilegais ou suspeitos”, anota. Foi o caso de um político que tentou se
apossar da aduana em Guarulhos. O livro não dá nome ao “influente deputado”,
que ficou sem o cargo. Era Valdemar Costa Neto, o eterno chefão do PL.
Ricupero narra bastidores saborosos da
convivência com Itamar, a quem atribui “incontáveis tentativas de interferência
na condução do plano econômico”. “Quase sempre inspiradas por ideias
populistas, nunca mal-intencionadas”, ressalva.
O ex-ministro faz um relato franco do
escândalo da parabólica, que levaria à sua queda. Em conversa informal com o
jornalista Carlos Monforte, antes de uma entrevista à TV Globo, ele afirmou:
“Eu não tenho escrúpulos. O que é bom a gente fatura, o que é ruim a gente
esconde”.
Sem que os dois soubessem, o diálogo era
assistido por milhares de telespectadores. “Hoje não consigo entender o que me
levou a dizer tanta coisa absurda e sem sentido”, penitencia-se Ricupero. Aos
87 anos, ele culpa o cansaço e a vaidade inflada pelo poder. “Gostaria de
apagar de minha vida aqueles 19 minutos, mas nunca atribuí a ninguém a
responsabilidade do que sucedeu, senão a mim mesmo”. Passada a crise, FH virou
presidente, e o embaixador retomou a carreira em Roma.
A autobiografia não se resume à participação no real. Logo na abertura, Ricupero reconstitui a partida do avô italiano rumo ao Brasil, em 1895. Pietro Jovine trocou família e amigos pelo sonho de prosperar em São Paulo. Deu tudo errado. Empregado como carpinteiro, ele sofreu um acidente de trabalho e ficou inválido. “Não tem final feliz”, escreve o ex-ministro. “Seu destino foi igual ao da maioria dos imigrantes: pobre chegou e pobre morreu”.
Eu prefiro a sigla FHC à FH.
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