Por Fernanda Perrin / Folha de S. Paulo
Em entrevista à Folha, senador e ícone progressista americano afirma que Biden precisa ser mais forte na disputa com Trump para deixar claro que defende trabalhadores
NOVA YORK - Bernie Sanders, 82,
nem pensa em deixar a política. "O mundo hoje enfrenta mais crises do que
em qualquer momento da minha vida", diz. Senador desde 2007, o americano
anunciou que vai concorrer a um novo mandato na eleição deste ano —o que motivou
imediatamente comparações com o presidente Joe Biden,
81, no noticiário do país.
"Se alguém é meio velho e fraco e não
pode fazer o trabalho, acho que é um fator. Mas, cá entre nós, eu não acho que
estou tão fraco assim ainda", diz Bernie à Folha ao ser questionado
sobre o
porquê de a idade ter se tornado um tema tão central nos EUA neste ano.
Principal voz da ala progressista da política
americana, ele é uma das esperanças da campanha de Biden para recuperar
o apoio do eleitorado jovem, insatisfeito com a economia e
com o
apoio do presidente a Israel na guerra em Gaza. Judeu, Sanders aceitou
o papel, mas não esconde as críticas à aliança com Tel Aviv. Para ele, a Casa
Branca não deveria mais enviar dinheiro ao governo de Binyamin Netanyahu.
"Acho que o presidente terá que ser mais
forte do que é para deixar claro que defende os trabalhadores", afirma
Sanders, sobre o desafio na disputa contra Donald Trump em
novembro. Em sua visão, o maior problema de Biden é de comunicação.
Recentemente, Sanders se encontrou com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e com uma delegação de congressistas brasileiros envolvidos na CPI do 8 de Janeiro. O americano elogia a proposta de taxação dos super-ricos defendida pelo país à frente do G20 e, embora afirme que não tem acompanhado o terceiro mandato de Lula, cita o petista como exemplo de líder de esquerda.
O sr. anunciou que vai concorrer a um novo mandato. A imprensa americana ressaltou a sua idade, fazendo paralelo com Biden. Por que isso se tornou um tema central nesta eleição?
É uma boa pergunta. Não sei bem a resposta. Na minha opinião, a idade é um
fator, mas é um entre muitos. Se você está pensando em votar em um candidato, a
primeira pergunta que você faz é no que esse candidato acredita, certo? Ele ou
ela realmente pode fazer o trabalho? Que histórico eles têm? Então, se alguém é
meio velho e fraco e não pode fazer o trabalho, acho que seja um fator. Mas, cá
entre nós, não acho que estou tão fraco assim ainda. Tenho um pouco de energia
sobrando, e vamos deixar o povo de Vermont [estado de Sanders] decidir essa
questão.
O que impulsiona o sr. hoje, comparado com seu começo na política?
O mundo hoje enfrenta mais crises do que em qualquer momento da minha vida. Uma
das questões com a qual sei que as pessoas no Brasil se preocupam é o enorme
nível de desigualdade de renda e riqueza, e o movimento deste mundo em
direção a uma oligarquia.
Por muito tempo, homens e mulheres têm lutado
para criar uma sociedade em que todas as pessoas possam ter um padrão de vida
decente, que não haja apenas alguns no topo com uma riqueza inacreditável e
crianças passando fome ao mesmo tempo. Ainda não alcançamos esse objetivo.
Agora, nos EUA pelo menos, e acho que no Brasil também, estamos lidando com
mais desigualdade do que nunca. Três pessoas no topo possuem mais riqueza do
que a metade de baixo da sociedade americana. Globalmente, você está vendo o 1%
superior possuir mais riqueza do que os 95% inferiores, e essa disparidade está
se ampliando cada vez mais. Não é apenas injusto; as pessoas no topo com toda
essa riqueza têm um enorme poder político.
Se você acredita em uma sociedade democrática
na qual todos devem ter voz no futuro, estamos indo na direção errada.
Globalmente, quem o sr. vê como líderes da esquerda hoje em dia?
Não estou interessado em líderes. Certamente o presidente Lula é alguém que
conheço há alguns anos, e acho que esteja fazendo um excelente trabalho. Temos
pessoas na Espanha que estão fazendo um ótimo trabalho, e em todo o mundo
existem líderes políticos progressistas fortes.
Mas obviamente estamos enfrentando uma ameaça
crescente da direita. Você está familiarizada com isso no Brasil, nós estamos
familiarizados com isso nos EUA, é uma ameaça crescente na Europa. Esta ameaça
não é apenas um desacordo sobre ideias, é uma questão de manter a democracia.
Há um medo real aqui nos EUA de que Donald
Trump e seus amigos estejam tentando minar os alicerces da democracia.
Como o sr. avalia o terceiro mandato de Lula?
Honestamente não tenho acompanhado o mandato de Lula. Tenho coisas suficientes
para me ocupar aqui nos EUA [risos]. Mas fiquei muito feliz em vê-lo vencer a
eleição. Como você sabe, estávamos ativos antes da eleição para garantir que
Bolsonaro não desse um golpe. Sou grato que o
Brasil esteja liderando agora o mundo, de certa forma, na luta por um imposto
sobre os muito, muito ricos e sobre grandes corporações. Acho que seja
exatamente o que deve ser feito.
O sr. acredita que Biden vá apoiar essa proposta no G20?
Gostaria que ele apoiasse. Vamos colocar o máximo de pressão que pudermos sobre
ele. Biden, em geral, apoia a tributação progressiva. Se ele vai seguir nessa
direção, não sei, mas é absolutamente imperativo que façamos. Em todo o mundo,
os governos lutam por fundos para saúde, educação, lidar com as mudanças
climáticas, alimentar pessoas famintas. Ao mesmo tempo, você tem pessoas
multibilionárias escondendo seu dinheiro em paraísos fiscais e não pagando um
centavo em impostos para seu país. Esse é um problema que a comunidade global
precisa abordar.
O sr. se encontrou recentemente com uma delegação de congressistas do Brasil para discutir democracia. Como compara o cenário político e a força da democracia nos dois países?
Acho que a razão pela qual Lula venceu a eleição é porque ele está ciente das
lutas das pessoas pobres e trabalhadoras. Se os líderes políticos virarem as
costas para elas, essas pessoas vão desistir da democracia. Se você não tem um
governo progressista forte lutando pelas pessoas trabalhadoras, as pessoas vão
dizer, 'Por que devo votar? A democracia não funciona, estou ficando pobre'.
Então os dois andam juntos, a preservação da democracia e a luta pela justiça
econômica.
O sr. concorda com a avaliação desses congressistas brasileiros de que o Brasil teria avançado mais na defesa da democracia, uma vez que Jair Bolsonaro está impedido de concorrer novamente, enquanto Trump pode se eleger neste ano?
Nossas leis são diferentes das suas. Tudo o que posso dizer é que farei tudo o
que puder para garantir que Trump seja derrotado.
Pesquisas mostram Trump à frente de Biden nos estados-pêndulo. Neste momento, quem o sr. vê com maiores chances de vencer?
Ainda temos meses pela frente. Acho que o importante sobre essas pesquisas é
que Biden está perdendo apoio dos jovens, das pessoas não brancas e dos
trabalhadores. Ele tem que deixar claro que está preparado para apoiar a classe
trabalhadora, seja ela negra, branca ou latina, e enfrentar interesses
poderosos.
Se você pensa sobre a explosão da tecnologia
e o aumento da produtividade do trabalhador, todos esses benefícios foram para
o 1% mais rico. As pessoas estão irritadas, desgostosas e procuram liderança
para mudar isso. Biden fez muitas coisas boas em seus primeiros três anos e
meio, mas tem que deixar claro que entende a dor que muitos experimentam agora.
Temos uma grande crise habitacional. Nosso sistema de saúde é bastante
disfuncional. Os jovens não podem pagar para ir à faculdade. Esses são
problemas que ele tem de abordar. Por isso acho que o problema dele seja de
comunicação.
É a isso que o sr. atribui a impopularidade de Biden?
As pessoas não estão vendo o governo responder às suas necessidades. Se o
aluguel que você paga pelo seu apartamento aumenta em 25%, se o custo dos
alimentos aumenta, se você não pode pagar pela creche dos filhos, se está
preocupado com a mudança climática, você não está feliz. Então há muitos
fatores por aí.
Considerando todos esses problemas, o sr. acha que Biden é a melhor opção para concorrer com Trump?
Bem, Biden é o candidato. Ele estará na cédula. Ou Biden ou Trump será eleito
presidente dos EUA. Farei tudo o que puder para garantir que seja o presidente
Biden.
O que o sr. espera de um eventual novo mandato de Trump?
Seria extremamente perigoso, draconiano e provavelmente muito pior do que seu
primeiro mandato. Acho que ele seja um homem raivoso. Ele não acredita nos
fundamentos da democracia, no Estado de Direito. Estou muito preocupado com sua
reeleição e o que isso significaria para o povo americano. Ele
acha a mudança climática uma farsa. Quer dar mais isenções fiscais para
bilionários. Quer tirar o
direito das mulheres de controlar seus próprios corpos. A eleição de Trump
seria um desastre.
Apesar de seu apoio a Biden, o sr. não esconde as críticas ao apoio dado por ele a Israel. Esse foi o maior erro do presidente?
Bem, para ele, não é um erro. Ele acredita nisso muito fortemente. Tenho dito
há muitos meses que Israel tinha o direito de se defender do ataque terrorista
do Hamas, uma terrível organização que quer destruir Israel. Mas Israel não
tinha o direito de ir a uma guerra total contra o povo palestino. O que vimos
não foi apenas 36 mil pessoas mortas e 82 mil feridas, foi a destruição maciça
de habitações, de seus sistemas de água, de eletricidade. Universidades foram
bombardeadas. Um milhão e 800 mil pessoas foram expulsas de suas casas. O
sistema de saúde foi destruído. É um desastre humanitário com centenas de
milhares de pessoas enfrentando fome. Minha visão tem sido de que não devemos
dar mais dinheiro para este governo israelense extremista de direita.
*Nascido em Nova York de uma família de judeus vindos da Polônia e da Rússia, formou-se em ciência política pela Universidade de Chicago. Senador independente pelo estado de Vermont em seu terceiro mandato, é a principal figura da ala progressista da política americana. Em 2016 e 2020, disputou as primárias democratas pela vaga do partido na disputa pela Presidência, mas foi derrotado por Hillary Clinton e Joe Biden. Foi deputado de 1991 a 2007, e é o político independente com mais tempo de Congresso na história dos EUA.
Muito boa a entrevista.
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