O Globo
Com as mudanças climáticas, as áreas marinhas
precisam ser ampliadas, e não entregues à especulação
Os senadores garantem que não querem
privatizar as praias. Será? A PEC que tentam votar retira da União a
propriedade exclusiva não só de praias, mas também de uma faixa de terra
chamada “terrenos de marinha”, uma área de 33 metros na margem de rios, lagos e
contorno das ilhas.
Ao mesmo tempo que nos garantem que são bonzinhos, empreendimentos como os da empresa Due, associada ao jogador Neymar, anunciam a criação de um Caribe brasileiro, um conjunto de empreendimentos imobiliários numa região de 100 quilômetros entre Pernambuco e Alagoas.
A ideia de privatizar existe noutros países.
Mas não é nossa praia. A praia é o tipo de espaço de lazer essencial para os
brasileiros, algo muito importante na definição do Rio e na integração de suas
regiões urbanas.
Outro aspecto que torna a medida temerária,
eu diria suicida, é o fato de estarmos em período de mudanças climáticas. Uma
das consequências é a elevação do nível dos mares, algo que considero
irreversível, uma vez que as geleiras já começam a derreter.
Quem tiver dúvida do poder do mar precisa
visitar a praia de Atafona, no norte do Estado do Rio. Foi destruída
completamente. O mar avança em Pernambuco (Boa Viagem, Paulista, Jaboatão) e
provoca mudanças na Ilha de Itamaracá, ao lado do forte construído pelos
holandeses. Em muitos casos, como em Santa Catarina,
não podemos falar apenas de avanço do mar, mas sim de uma resposta à própria
especulação imobiliária.
A lei que garante a propriedade da União
sobre os terrenos de marinha foi baseada na maré de 1831. Imagino que essa
referência talvez não seja mais tão segura nos tempos de aquecimento global.
Isso quer dizer que as áreas marinhas precisam ser ampliadas, e não entregues à
especulação.
Um dos argumentos do senador Flávio
Bolsonaro, relator da emenda constitucional que privatiza as praias, é que
pobres como os habitantes da comunidade da Maré, no Rio, virarão proprietários.
Mas a proposta nunca pensou nos pobres, apenas basicamente nas grandes empresas
imobiliárias.
Logo no começo da pandemia, fui a Fernando
de Noronha exatamente para colher a opinião dos moradores contra outro
projeto do próprio Flávio Bolsonaro. Ele queria abrir a ilha para os cruzeiros
internacionais, inundá-la de turistas estrangeiros, sem preocupação com a
ausência de estrutura. Cheguei a concluir o programa com muitos depoimentos
contrários à invasão dos cruzeiros, mas a pandemia acabou resolvendo o problema
à sua maneira.
Os Bolsonaros parecem ter um Caribe na
cabeça, sempre tentando materializá-lo, ora em Angra, ora em Noronha, ora no
Nordeste. Esse avanço da especulação imobiliária nos dá a possibilidade de
discutir a importância dos oceanos nas mudanças climáticas. O próprio El Niño, que
pegou pesado neste ano, é um fenômeno que se forma na costa peruana.
Recentemente houve em Barcelona um encontro
internacional para discutir a proteção aos oceanos. Numa das maiores
conferências ambientais no fim do século passado, houve concordância de que a
alteração das correntes marinhas seria o marco de que o aquecimento se tornaria
irreversível.
Com tudo o que aprendi e estamos aprendendo
em família, com uma filha dedicada aos oceanos, creio que não dramatizo ao
avisar que o Brasil precisa ter cuidado com o mar, senão produzirá desastres
que poderiam ser evitados, como tantos outros que produz em terra firme.
Em vez de privatizar praias, o país deveria
ampliar suas áreas de proteção no próprio oceano, algo que a Austrália já
começou a fazer. É preciso proteger os corais, evitar que o oceano se
transforme numa lixeira e combater a pesca predatória, sobretudo de navios
asiáticos que navegam com fábricas de enlatar peixes.
No momento em que o Rio Grande do
Sul vive uma tragédia marcada por tempestades e ciclones, é preciso
fazer ver aos congressistas que é hora de conter essa corrida por lucros
fáceis, que só nos leva à autodestruição.
Certo.
ResponderExcluirGabeira não é apenas um grande escritor, é também um SÁBIO!
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