quarta-feira, 19 de junho de 2024

Fábio Alves - O bode na sala do Copom

O Estado de S. Paulo

O mercado espera que o Copom mantenha a Selic e também revise para cima as projeções de inflação

Depois do grande estresse no mercado com o placar dividido na última decisão do Copom, em maio, analistas e investidores têm uma única certeza para o desfecho da reunião de hoje: o ciclo de corte de juros será interrompido e a taxa Selic será mantida em 10,50%, numa votação unânime pelos diretores do Banco Central.

Em razão da polêmica na última reunião, as expectativas inflacionárias de 2024 e de 2025 não pararam de subir e se distanciaram cada vez mais da meta de 3% perseguida pelo BC. Além disso, a piora na percepção do risco fiscal e os ruídos políticos – envolvendo até um aparente enfraquecimento do ministro da Fazenda, Fernando Haddad – empurraram o dólar de uma cotação de R$ 5,09, no dia do anúncio da última reunião do Copom, para quase R$ 5,43 no auge do nervosismo na semana passada. Uma desvalorização cambial dessa magnitude, se prolongada, acaba sendo repassada para os preços na economia.

A melhor forma com que o Copom poderia ajudar para acalmar os nervos dos investidores em relação à turbulência atual dos ativos brasileiros será com uma decisão unânime, eliminando a polarização observada na última reunião, quando os quatro diretores indicados pelo presidente Lula votaram contra a desaceleração do ritmo de corte de juros endossada pela maioria. O placar dividido reacendeu temores do mercado de uma política monetária menos austera e mais tolerante à inflação a partir de 2025, quando o comando do BC passará para um substituto de Roberto Campos Neto a ser nomeado por Lula.

Além disso, se espera que o comunicado do Copom não somente sinalize que manterá a Selic em nível restritivo o suficiente para atingir a meta de inflação e que os próximos passos da política monetária serão dependentes dos índices de preços e dos dados de atividade econômica, mas também que o BC revise para cima as projeções de inflação de 2024 e de 2025, afetando 2026, mesmo com os juros parando acima do que se esperava inicialmente.

Mas será tudo isso suficiente para recuperar a confiança na política monetária? A dúvida é se o Copom irá endereçar o bode na sala: uma parcela do mercado passou a apostar que o BC terá de voltar a elevar os juros ainda em 2024, diante da deterioração das expectativas inflacionárias, da piora do risco fiscal e de um mercado de trabalho muito aquecido, o que pode levar a um repique da inflação. A curva de juros está precificando mais de duas altas da Selic até o fim do ano. Se o governo não recuperar a credibilidade do arcabouço fiscal, o mercado pode exigir juros mais altos do que 10,50%.

 

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