quarta-feira, 26 de junho de 2024

Fernando Exman - Cenários para a articulação política e um ajuste fiscal

Valor Econômico

Mapeamento do sentimento do Congresso pode aferir que existem aliados interessados em promover um ajuste

Em uma de suas célebres frases, o ex-senador Antonio Carlos Magalhães dava a receita para um político se relacionar com jornalistas. “Há três tipos de repórteres: o que quer dinheiro, o que quer notícia e o que quer emprego. O correto é não dar dinheiro a quem quer notícia, notícia a quem quer emprego e emprego a quem quer dinheiro”, dizia o baiano do extinto PFL, morto em julho de 2007. Transpondo para a política, esse é o desafio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva na articulação com o Congresso.

Existe uma fórmula para os articuladores de qualquer governo. É um tripé composto pela liberação de emendas parlamentares ao Orçamento, acesso a aliados às estruturas de poder e coparticipação na formulação de políticas públicas.

Nunca foi suficiente, por exemplo, somente liberar emendas para o senador que tem como prioridade indicar afilhados políticos para cargos. Ou, então, apenas consultar determinado deputado sobre uma medida em gestação sem que ele possa ter instrumentos para influenciar os rumos da política em seu berço eleitoral. Quase todos querem a atenção do presidente.

Um dos desafetos de ACM durante o governo Fernando Henrique Cardoso, o ex-ministro Eliseu Padilha ficou famoso por saber o “mix” que atenderia cada senador ou deputado. Com suas planilhas, mapeava os votos do Congresso como poucos. Ex-ministro dos governos FHC, Dilma Rousseff e Michel Temer, falecido há pouco mais de um ano, tem sido lembrado por aqueles que tentam analisar as atuais turbulências políticas.

Conta-se que começou anotando em cadernos os pedidos que deputados faziam a Temer, quando este ainda era líder do MDB na Câmara, após perceber que o atendimento das demandas se refletia no painel de votações. Após ser indicado para o Ministério dos Transportes, pasta com robusta capacidade de realizar entregas, passou a entender melhor como a troca de favores poderia facilitar a articulação política. Após deixar o governo, percorreu o país para ajudar a consolidar o comando de Temer no partido, momento em que compreendeu como as bases eleitorais podem influenciar os votos no Congresso.

Sempre trabalhou com uma margem de 10% de traição. Outra regra de ouro era conhecer, individualmente, cada deputado e senador. Mas também saber quais lideranças tinham que ser procuradas para mobilizar grupos suprapartidários de parlamentares.

Em outra frente, monitorava a força de grandes empresas entre os congressistas e o apelo de setores econômicos no Legislativo. Essa dinâmica ainda existe, como é possível perceber em meio à tramitação da reforma tributária e aos obstáculos enfrentados por alguns projetos da agenda econômica.

A palavra só era empenhada após um acordo prévio com o presidente da República e os ministros da área econômica. Às vezes, um telefonema do chefe ou um cafezinho no gabinete presidencial mudavam o rumo de uma sessão: prestigiar determinados interlocutores sempre foi fundamental. No entanto, nunca o presidente entrava em campo sem ter todas as informações necessárias em mãos. O sucesso era compartilhado com líderes e ministros políticos, que se credenciavam cada vez mais junto às bancadas.

Errar na aplicação dessa fórmula pode resultar em profundas crises políticas. O mensalão é um exemplo. Pivô do escândalo, o ex-deputado Roberto Jefferson (PTB-RJ) abordou o assunto durante entrevista ao programa “Roda Viva”, da TV Cultura, em junho de 2005: “É mais fácil você pagar aluguel a um deputado do que discutir um projeto político com ele, do que partilhar poder com um partido que o apoia”.

É preciso reconhecer que o atual articulador político hoje precisa lidar com fatores que inexistiam nos primeiros mandatos de Lula. As redes sociais mudaram o comportamento dos parlamentares durante as votações, fenômeno já percebido por Eliseu Padilha durante o processo de impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff e que só se intensificou desde então. Há menos previsibilidade, diante das cobranças em tempo real do mundo virtual.

Há ainda a crescente impositividade das emendas parlamentares. O Palácio do Planalto até consegue influenciar o ritmo de liberação dos recursos, mas a relação entre os Poderes mudou. Uma das bases do tripé da articulação política está prejudicada.

Restam as outras. Porém, sem assegurar que os parlamentares se sintam parte do processo de formulação de políticas públicas, aumenta o risco de paralisa da agenda legislativa do governo ou de Lula assistir ao Congresso aprovar temas que se chocam com a sua plataforma de governo, como o projeto antiaborto e a taxação de compras internacionais acima de US$ 50. O diálogo com o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), sobre as dívidas dos Estados pode ser lido neste contexto.

Um mapeamento do sentimento do Congresso sobre a situação fiscal pode aferir que existem aliados interessados em promover um ajuste. Porém, estes querem ouvir do próprio presidente se há real disposição do Planalto em empreender um esforço nesse sentido. Não irão assumir inteiramente a responsabilidade e o ônus político, sobretudo quando o PT é o primeiro a contestar qualquer proposta colocada sobre a mesa.

 

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