quarta-feira, 5 de junho de 2024

Fernando Exman - Lira dá as cartas e prepara novos passos

Valor Econômico

O café de Arthur Lira segue quente. Nos últimos dias, ele lembrou a todos que contam os dias para vê-lo longe da presidência da Câmara como é poderosa a sua cadeira, ainda que a campanha para a sua sucessão já esteja na rua.

A despeito das reservas que seu nome enfrenta no Palácio do Planalto, enviou alertas aos seus interlocutores de que eram inevitáveis as derrotas do governo nas sessões em que o Congresso apreciou vetos presidenciais. Tinha o termômetro do plenário, e avisou que de nada valeria adiar as votações. Em outra frente, decidiu avocar a solução de questões polêmicas envolvendo setores econômicos que vinham sendo adiadas pelo Executivo, mas receberam acolhimento no caleidoscópio de interesses que refletem a atuação do Legislativo.

O ano começou com mais um estranhamento entre o deputado do PP de Alagoas e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Lideranças do governo na Câmara insistiam em levá-lo ao encontro de Lula, em meio à insistente desarticulação política do governo no Congresso. Mas a agenda foi sendo adiada. E quando ocorreu, foi de maneira incógnita, envergonhada.

Lula foi instado a falar do assunto em um café com jornalistas. Perguntado, disse, constrangido, que não havia ocorrido uma reunião, mas uma conversa. Evitou entrar em detalhes sobre o assunto tratado.

Cerca de um mês depois, o cenário mudou. Lula sinalizou que vetaria a taxação de compras internacionais de até US$ 50, dispositivo incluído no projeto de lei que cria o programa Mobilidade Verde e Inovação (Mover) sob a articulação do presidente da Câmara. Mas demonstrou disposição de negociar.

Na verdade, não tinha opção. E neste caso logo recebeu Lira em seu gabinete. Não se sabe se Lula considerou a agenda uma conversa ou reunião, mas o fato é que o governo precisou fechar um acordo para taxar em 20% essas compras, atendendo antiga demanda do varejo e da indústria.

A atuação de Lira também foi decisiva nessa terça-feira (4), depois que o relator da proposta no Senado, Rodrigo Cunha (Pode-AL), informou que tiraria a previsão de taxação de seu parecer. A votação do relatório foi adiada.

Na semana passada, outro setor foi chamado à Câmara. Diante da falta de uma atuação mais assertiva dos ministérios da Saúde e da Justiça, Lira convocou operadoras e negociou a suspensão do cancelamento dos planos de saúde rescindidos de forma unilateral, em especial de idosos e pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Acertou que mudanças nas regras do setor serão discutidas em um projeto de lei que trata da saúde suplementar, depois de as empresas apresentarem um “raio-x” do segmento. O governo ficou novamente exposto.

Os rumos da regulamentação da reforma tributária do consumo também estão nas suas mãos. Naquele mesmo café da manhã com jornalistas em abril, Lula defendeu que fosse apenas um relator e, se possível, o mesmo que ficou responsável pela proposta de emenda constitucional que estabeleceu os princípios da reforma, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).

“Quem indica o relator é o presidente da Câmara, então longe de mim querer indicar um relator para cuidar da política tributária, longe de mim”, afirmou. “Eu só gostaria que as pessoas levassem em conta isso. É que quem já foi relator do projeto principal está muito familiarizado, já fez negociação, já conversou com os outros partidos políticos, já conversou com as lideranças, poderia facilitar a tramitação da regulamentação.”

Desejo ignorado. Lira criou dois grupos de trabalho para discutir os projetos de lei complementar encaminhados pelo Executivo, distribuindo as vagas entre alguns partidos. Nas palavras de um integrante desses colegiados, o presidente da Câmara não quer um relator para esses projetos, mas um “narrador” que formate o texto de acordo com a sua vontade.

Para a composição dos grupos de trabalho, ele manteve a metodologia usada para definir a composição das comissões temáticas da Casa. Firmou compromissos, com a expectativa de que essas siglas retribuirão quando as discussões sobre a sua sucessão esquentarem.

Nessa divisão, contemplou a oposição no comando de comissões estratégicas, como a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). Quanto mais esses colegiados aprovarem propostas que se chocam com os interesses do Executivo, maior será a dependência do Planalto em relação ao presidente da Casa. Só ele pode evitar que elas sejam incluídas na pauta do plenário.

Mas o tempo é implacável e joga contra o deputado. O calendário, com festas juninas, férias de julho e campanha para as eleições municipais, é apertado.

Como mostrou o Valor, agora a intenção de Lira é antecipar para logo depois do recesso parlamentar a escolha de seu candidato para a eleição da próxima mesa diretora. A disputa só ocorrerá em fevereiro. Mas, conseguindo consenso em torno de seu nome, ele ganharia, em tese, força até para indicar um aliado para algum cargo no primeiro escalão do Executivo. Também manterá influência se pavimentar sua eleição para o comando da CCJ ou da Comissão Mista de Orçamento a partir do ano que vem, quando não puder mais chamar de “casa” a residência oficial da presidência da Câmara.

Tudo isso pode facilitar seus planos de conquistar uma cadeira no Senado no pleito de 2026. Até lá, no entanto, Lira continuará tendo em mãos um detalhado mapa de como pensa e vota cada um dos deputados.

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