Valor Econômico
O café de Arthur Lira segue quente. Nos
últimos dias, ele lembrou a todos que contam os dias para vê-lo longe da
presidência da Câmara como é poderosa a sua cadeira, ainda que a campanha para
a sua sucessão já esteja na rua.
A despeito das reservas que seu nome enfrenta no Palácio do Planalto, enviou alertas aos seus interlocutores de que eram inevitáveis as derrotas do governo nas sessões em que o Congresso apreciou vetos presidenciais. Tinha o termômetro do plenário, e avisou que de nada valeria adiar as votações. Em outra frente, decidiu avocar a solução de questões polêmicas envolvendo setores econômicos que vinham sendo adiadas pelo Executivo, mas receberam acolhimento no caleidoscópio de interesses que refletem a atuação do Legislativo.
O ano começou com mais um estranhamento entre
o deputado do PP de Alagoas e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Lideranças do governo na Câmara insistiam em levá-lo ao encontro de Lula, em
meio à insistente desarticulação política do governo no Congresso. Mas a agenda
foi sendo adiada. E quando ocorreu, foi de maneira incógnita, envergonhada.
Lula foi instado a falar do assunto em um
café com jornalistas. Perguntado, disse, constrangido, que não havia ocorrido
uma reunião, mas uma conversa. Evitou entrar em detalhes sobre o assunto
tratado.
Cerca de um mês depois, o cenário mudou. Lula
sinalizou que vetaria a taxação de compras internacionais de até US$ 50,
dispositivo incluído no projeto de lei que cria o programa Mobilidade Verde e
Inovação (Mover) sob a articulação do presidente da Câmara. Mas demonstrou
disposição de negociar.
Na verdade, não tinha opção. E neste caso
logo recebeu Lira em seu gabinete. Não se sabe se Lula considerou a agenda uma
conversa ou reunião, mas o fato é que o governo precisou fechar um acordo para
taxar em 20% essas compras, atendendo antiga demanda do varejo e da indústria.
A atuação de Lira também foi decisiva nessa
terça-feira (4), depois que o relator da proposta no Senado, Rodrigo Cunha
(Pode-AL), informou que tiraria a previsão de taxação de seu parecer. A votação
do relatório foi adiada.
Na semana passada, outro setor foi chamado à
Câmara. Diante da falta de uma atuação mais assertiva dos ministérios da Saúde
e da Justiça, Lira convocou operadoras e negociou a suspensão do cancelamento
dos planos de saúde rescindidos de forma unilateral, em especial de idosos e
pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). Acertou que mudanças nas
regras do setor serão discutidas em um projeto de lei que trata da saúde
suplementar, depois de as empresas apresentarem um “raio-x” do segmento. O
governo ficou novamente exposto.
Os rumos da regulamentação da reforma
tributária do consumo também estão nas suas mãos. Naquele mesmo café da manhã
com jornalistas em abril, Lula defendeu que fosse apenas um relator e, se
possível, o mesmo que ficou responsável pela proposta de emenda constitucional
que estabeleceu os princípios da reforma, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB).
“Quem indica o relator é o presidente da
Câmara, então longe de mim querer indicar um relator para cuidar da política
tributária, longe de mim”, afirmou. “Eu só gostaria que as pessoas levassem em
conta isso. É que quem já foi relator do projeto principal está muito
familiarizado, já fez negociação, já conversou com os outros partidos
políticos, já conversou com as lideranças, poderia facilitar a tramitação da
regulamentação.”
Desejo ignorado. Lira criou dois grupos de
trabalho para discutir os projetos de lei complementar encaminhados pelo
Executivo, distribuindo as vagas entre alguns partidos. Nas palavras de um
integrante desses colegiados, o presidente da Câmara não quer um relator para
esses projetos, mas um “narrador” que formate o texto de acordo com a sua
vontade.
Para a composição dos grupos de trabalho, ele
manteve a metodologia usada para definir a composição das comissões temáticas
da Casa. Firmou compromissos, com a expectativa de que essas siglas retribuirão
quando as discussões sobre a sua sucessão esquentarem.
Nessa divisão, contemplou a oposição no
comando de comissões estratégicas, como a Comissão de Constituição e Justiça
(CCJ). Quanto mais esses colegiados aprovarem propostas que se chocam com os
interesses do Executivo, maior será a dependência do Planalto em relação ao
presidente da Casa. Só ele pode evitar que elas sejam incluídas na pauta do
plenário.
Mas o tempo é implacável e joga contra o
deputado. O calendário, com festas juninas, férias de julho e campanha para as
eleições municipais, é apertado.
Como mostrou o Valor, agora a intenção
de Lira é antecipar para logo depois do recesso parlamentar a escolha de seu
candidato para a eleição da próxima mesa diretora. A disputa só ocorrerá em
fevereiro. Mas, conseguindo consenso em torno de seu nome, ele ganharia, em
tese, força até para indicar um aliado para algum cargo no primeiro escalão do
Executivo. Também manterá influência se pavimentar sua eleição para o comando
da CCJ ou da Comissão Mista de Orçamento a partir do ano que vem, quando não
puder mais chamar de “casa” a residência oficial da presidência da Câmara.
Tudo isso pode facilitar seus planos de conquistar uma cadeira no Senado no pleito de 2026. Até lá, no entanto, Lira continuará tendo em mãos um detalhado mapa de como pensa e vota cada um dos deputados.
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