sexta-feira, 28 de junho de 2024

Flávia Oliveira - Avanço relativo

O Globo

Na origem, Gilmar Mendes defendeu a descriminalização do porte de qualquer tipo de droga para consumo próprio

Movimentos é uma organização de jovens favelados e periféricos brasileiros, que atuam, via educação, arte e comunicação, no enfrentamento à violência, ao racismo, às desigualdades. Estruturaram-se sob a batuta de Julita Lemgruber (CESeC), uma das grandes pesquisadoras do país em segurança pública. No lançamento, em 2017, com a presença da vereadora Marielle Franco, assassinada no ano seguinte, participei de uma roda de conversa com a filósofa Djamila Ribeiro e o historiador Douglas Belchior. Quando o Supremo Tribunal Federal anunciou, na última terça-feira, que definiria a tese de repercussão geral do julgamento que descriminalizou o porte de maconha para uso pessoal, a primeira postagem que me saltou aos olhos na rede social foi da dúzia de moças e rapazes hoje à frente da iniciativa.

Jéssica, Karina, Isabelly, Sabrina, Thaynara, Ari, Ricardo, Natan, Gaby, André, Luiza e Ana Paula deram o papo. Retíssimo. “É histórico, mas não é o fim”, alertaram. “Principalmente se você for um jovem negro”, completaram. Imagino que, com meio sorriso e gosto amargo, esse grupo de brasileiros recebeu o veredito que diz respeito, sobretudo, a eles próprios. No Atlas da Violência 2024, lançado na semana passada, o Ipea dedicou capítulo inteiro a um conjunto de dados sobre drogas ilícitas, prisões e violência. Os indivíduos criminalizados como traficantes são, essencialmente, homens (86%), jovens (72% têm até 30 anos), de baixa escolaridade (67% não concluíram o ciclo básico) e negros (68%). Jovens e negros somam 53,9% dos réus processados. Têm gênero, cor, classe.

O Brasil avança quando a maioria do STF entende que o porte de maconha para uso pessoal deve ser caracterizado não como crime, mas como infração administrativa, sem consequências penais. Não é trivial ficar em liberdade, sem antecedentes criminais nem risco de reincidência. Contudo impossível não enxergar retrocesso entre o voto original do relator do Recurso Especial 635659, Gilmar Mendes, em agosto de 2015, e a redação final da Corte, anteontem.

 

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