quarta-feira, 12 de junho de 2024

Lu Aiko Otta - 55 dias para mudar as despesas obrigatórias

Valor Econômico

Fim das eleições municipais é janela para proposta de revisão das regras de aumento das despesas com saúde, educação e benefícios atrelados ao salário mínimo

Os técnicos mais otimistas da área econômica enxergam uma estreita janela de oportunidade para o avanço, no Congresso Nacional, de uma proposta de revisão das regras de aumento das despesas com saúde, educação e benefícios atrelados ao salário mínimo. São os 55 dias que separam o fim das eleições municipais e o início do recesso parlamentar.

A aposta se concentra no fim de 2024 porque os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) estarão no fim de seus períodos à frente das casas legislativas. É uma situação menos ruim para debater temas impopulares - como é o caso - do que o início dos mandatos das novas mesas diretoras.

É também um período em que serão negociadas as condições para que os dois poderosos comandantes do Legislativo façam uma transição confortável para a “planície”. Com doses cavalares de engenho e arte, pode surgir daí um pacote que atenda aos dois lados.

É ano eleitoral, a sociedade está polarizada e a avaliação do governo patina. Não é hora de falar em desacelerar despesas com saúde, educação, aposentadorias e assistência. Ainda assim, o debate se impõe.

A encrenca está posta porque o arcabouço fiscal tem um teto móvel, que sobe ao ritmo de 70% do crescimento das receitas. Porém, despesas com saúde e educação avançam a 100% do aumento da arrecadação. E os programas atrelados ao salário mínimo são corrigidos pela inflação, acrescida do crescimento do PIB - o que também tem sido mais veloz do que o teto móvel.

É uma situação insustentável, que coloca o seguinte dilema: abandonar o arcabouço fiscal ou mudar a dinâmica de crescimento dos gastos obrigatórios.

Diga-se que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva se jogou de cabeça nessa situação. Até o fim de 2022, as despesas com saúde e educação eram corrigidas apenas pela inflação.

As regras antigas para as duas áreas foram retomadas na lei complementar do arcabouço. Para o salário mínimo, a Fazenda até propôs uma regra mais moderada de crescimento, mas foi derrotada.

Sugestões para mudar a dinâmica de crescimento dessas despesas deverão ser apresentadas a Lula durante a discussão da proposta de Orçamento para 2025, disse ontem o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. Quer dizer: dos próximos dias até 31 de agosto.

Essa era uma pedra cantadíssima nos escalões técnicos. Já se sabe desde sempre que a elaboração do próximo Orçamento será um mar de decepções para os integrantes da Esplanada dos Ministérios. O avanço das despesas obrigatórias deixará as pastas com pouco fôlego para empreender um projeto de reeleição de Lula.

Num horizonte mais curto, ganha força a ideia de se fazer, já no próximo boletim bimestral de receitas e despesas, em 22 de julho, um contingenciamento dos gastos programados para este ano. Esse mecanismo é acionado quando as projeções para o final do ano apontam para o descumprimento da meta fiscal.

Dados preliminares indicam que as receitas de maio vieram bem, graças ao recolhimento de impostos sobre aplicações offshore e à autorregularização, por algumas empresas, dos impostos que deixaram de ser pagos em função de subvenções estaduais a custeio. No entanto, ficaram abaixo do esperado pelo governo, o que reforça a tendência.

Na mesma direção, a tragédia das enchentes no Rio Grande do Sul trará perdas na arrecadação.

Assim, para cumprir a meta de déficit zero, deve ser necessário segurar os gastos.

A tesourada pode atingir investimentos, inclusive os do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Isso tem colocado nervos à flor da pele no Palácio do Planalto.

Por outro lado, esse seria um sinal importante para o mercado financeiro, que anda nervoso pelo motivo oposto.

Nos dois boletins de receitas e despesas divulgados neste ano, a área econômica projetou um resultado primário ligeiramente negativo, mas dentro da margem de tolerância da meta de déficit zero.

Essa estratégia de mirar a parte de baixo da banda, porém, passou a ser vista com mais cautela no meio técnico. Avalia-se que é preciso criar alguma “gordura” para não correr o risco de descumprimento.

A falha em atingir a meta de 2024 será punida com crescimento menor do limite de gastos em 2026, ano de campanha eleitoral. Em vez de o limite de despesas avançar a 70% do aumento das receitas, aumentará a 50%.

Para evitar esse cenário, existe a opção de se fazer um gol de mão no fim do ano. Se a tendência for o descumprimento da meta, essa pode ser mudada. A manobra, porém, teria um custo muito elevado em termos de expectativas do mercado. Além disso, o preço da aprovação dessa mudança pelo Congresso seria bastante salgado.

A esse debate de fundo, somaram-se novas dificuldades. A Medida Provisória (MP) do PIS/Cofins levantou resistências no empresariado e no Legislativo, e acabou devolvida ao Executivo. A decisão do Comitê de Política Monetária (Copom) na próxima semana não será recebida pacificamente, qualquer que seja ela.

A política econômica passa por momentos decisivos.

 

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