Valor Econômico
Fim das eleições municipais é janela para proposta de revisão das regras de aumento das despesas com saúde, educação e benefícios atrelados ao salário mínimo
Os técnicos mais otimistas da área econômica
enxergam uma estreita janela de oportunidade para o avanço, no Congresso
Nacional, de uma proposta de revisão das regras de aumento das despesas com
saúde, educação e benefícios atrelados ao salário mínimo. São os 55 dias que
separam o fim das eleições municipais e o início do recesso parlamentar.
A aposta se concentra no fim de 2024 porque os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG) estarão no fim de seus períodos à frente das casas legislativas. É uma situação menos ruim para debater temas impopulares - como é o caso - do que o início dos mandatos das novas mesas diretoras.
É também um período em que serão negociadas
as condições para que os dois poderosos comandantes do Legislativo façam uma
transição confortável para a “planície”. Com doses cavalares de engenho e arte,
pode surgir daí um pacote que atenda aos dois lados.
É ano eleitoral, a sociedade está polarizada
e a avaliação do governo patina. Não é hora de falar em desacelerar despesas
com saúde, educação, aposentadorias e assistência. Ainda assim, o debate se
impõe.
A encrenca está posta porque o arcabouço
fiscal tem um teto móvel, que sobe ao ritmo de 70% do crescimento das receitas.
Porém, despesas com saúde e educação avançam a 100% do aumento da arrecadação.
E os programas atrelados ao salário mínimo são corrigidos pela inflação,
acrescida do crescimento do PIB - o que também tem sido mais veloz do que o
teto móvel.
É uma situação insustentável, que coloca o
seguinte dilema: abandonar o arcabouço fiscal ou mudar a dinâmica de
crescimento dos gastos obrigatórios.
Diga-se que o governo de Luiz Inácio Lula da
Silva se jogou de cabeça nessa situação. Até o fim de 2022, as despesas com
saúde e educação eram corrigidas apenas pela inflação.
As regras antigas para as duas áreas foram
retomadas na lei complementar do arcabouço. Para o salário mínimo, a Fazenda
até propôs uma regra mais moderada de crescimento, mas foi derrotada.
Sugestões para mudar a dinâmica de
crescimento dessas despesas deverão ser apresentadas a Lula durante a discussão
da proposta de Orçamento para 2025, disse ontem o ministro da Fazenda, Fernando
Haddad. Quer dizer: dos próximos dias até 31 de agosto.
Essa era uma pedra cantadíssima nos escalões
técnicos. Já se sabe desde sempre que a elaboração do próximo Orçamento será um
mar de decepções para os integrantes da Esplanada dos Ministérios. O avanço das
despesas obrigatórias deixará as pastas com pouco fôlego para empreender um
projeto de reeleição de Lula.
Num horizonte mais curto, ganha força a ideia
de se fazer, já no próximo boletim bimestral de receitas e despesas, em 22 de
julho, um contingenciamento dos gastos programados para este ano. Esse
mecanismo é acionado quando as projeções para o final do ano apontam para o
descumprimento da meta fiscal.
Dados preliminares indicam que as receitas de
maio vieram bem, graças ao recolhimento de impostos sobre aplicações offshore e
à autorregularização, por algumas empresas, dos impostos que deixaram de ser
pagos em função de subvenções estaduais a custeio. No entanto, ficaram abaixo
do esperado pelo governo, o que reforça a tendência.
Na mesma direção, a tragédia das enchentes no
Rio Grande do Sul trará perdas na arrecadação.
Assim, para cumprir a meta de déficit zero,
deve ser necessário segurar os gastos.
A tesourada pode atingir investimentos,
inclusive os do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Isso tem colocado
nervos à flor da pele no Palácio do Planalto.
Por outro lado, esse seria um sinal
importante para o mercado financeiro, que anda nervoso pelo motivo oposto.
Nos dois boletins de receitas e despesas
divulgados neste ano, a área econômica projetou um resultado primário
ligeiramente negativo, mas dentro da margem de tolerância da meta de déficit
zero.
Essa estratégia de mirar a parte de baixo da
banda, porém, passou a ser vista com mais cautela no meio técnico. Avalia-se
que é preciso criar alguma “gordura” para não correr o risco de descumprimento.
A falha em atingir a meta de 2024 será punida
com crescimento menor do limite de gastos em 2026, ano de campanha eleitoral.
Em vez de o limite de despesas avançar a 70% do aumento das receitas, aumentará
a 50%.
Para evitar esse cenário, existe a opção de
se fazer um gol de mão no fim do ano. Se a tendência for o descumprimento da
meta, essa pode ser mudada. A manobra, porém, teria um custo muito elevado em
termos de expectativas do mercado. Além disso, o preço da aprovação dessa
mudança pelo Congresso seria bastante salgado.
A esse debate de fundo, somaram-se novas
dificuldades. A Medida Provisória (MP) do PIS/Cofins levantou resistências no
empresariado e no Legislativo, e acabou devolvida ao Executivo. A decisão do
Comitê de Política Monetária (Copom) na próxima semana não será recebida
pacificamente, qualquer que seja ela.
A política econômica passa por momentos
decisivos.
Uma barafunda sem fim.
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