Valor Econômico
Quem esperava que a ministra Carmen Lúcia assumisse o TSE com uma postura mais branda que a de Moraes foi desenganada por seu discurso de posse
Quem esperava que a ministra Carmen Lúcia
assumisse o Tribunal Superior Eleitoral com uma postura mais branda do que
aquela de seu antecessor, ministro Alexandre de Moraes, foi desenganada por seu
discurso de posse. Cotejado com aquele de Moraes, em setembro de 2022, o de
Carmen Lúcia foi ainda mais contundente. A brevidade de uma fala de apenas 12
minutos não a impediu de citar “mentira”, por 15 vezes, e, por seis, “ódio”. “A
mentira espalhada pelo ecossistema digital é um desaforo tirânico contra integridade
da democracia”, disse.
Sem deixar de agradecer, “como cidadã e juíza”, a contribuição de Moraes para a garantia da democracia brasileira, não teve dúvida em interromper o ministro quando ele, ainda na presidência do TSE, quis convidar o diretor-geral do tribunal a lhe dar o termo de posse antes que Carmen Lúcia cumprisse a formalidade de declarar que aceitava o cargo.
Mencionada, por Paulo Gonet, procurador-geral
eleitoral, como a primeira presidente do TSE a conduzir uma eleição sob a lei
da Ficha Limpa, Carmen Lúcia estava sentada ao lado do presidente Luiz Inácio
Lula da Silva, barrado pela mesma lei na disputa de 2018. No discurso,
agradeceu a nomeação ao STF que lhe permitiu estar ali.
O ministro Raul Araújo, que a saudara, falara
da expectativa de que Carmen Lúcia promovesse a pacificação da justiça
eleitoral, mas não foi isso que seu discurso sugeriu. A ministra foi buscar em
Rui Barbosa (“Não há salvação para juiz covarde”) e na inconfidente mineira
Hipólita Jacinta (“Quem não pode com as coisas não se meta com elas”) a
resposta para quem espera um TSE mais retraído.
A fala de Carmen Lúcia demonstrou uma
contundência mais editada do que aquela de Moraes. Duas semanas antes da posse,
o ministro que deixa o TSE e a colega que o substitui deram uma “palhinha” da
mudança de tom que está por vir com a troca de comando na Corte. O evento
aconteceu na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, onde são colegas.
Estava em pauta o processo em que a deputada
Carla Zambelli (PL-SP) é acusada de ter tentado inserir um suposto mandado de
prisão de Alexandre de Moraes contra si próprio no sistema do Conselho Nacional
de Justiça. Numa cambalhota vernacular, Carmen Lúcia definiu o intento como
“desinteligência natural”. Ao que foi atalhada pelo ministro que, depois de
elogiar a educação da colega, despiu-se da sua: “Foi burrice mesmo”.
A decisão de Moraes, a despeito das pressões
do PT de manter o horário da votação do segundo turno no Nordeste, afetado pelo
bloqueio das estradas promovido pela ala bolsonarista da Polícia Rodoviária
Federal, foi sua decisão mais acertada no TSE. Tratava-se de uma armadilha para
jogar o tribunal no enrosco da convocação de uma nova e imprevisível eleição.
Se Moraes marcou sua atuação por aquela
decisão, Carmen Lúcia, a julgar por seu discurso, não será menos contundente
nas decisões relativas à retirada de conteúdos e perfis que caracterizaram o
embate do ministro com as plataformas de redes sociais.
A gestão de Moraes, que tomou posse uma
semana depois do ato da Faculdade de Direito do Largo de S. Francisco, ápice da
defesa do Estado democrático de direito durante a campanha de 2022, teve no
ex-presidente Jair Bolsonaro a personificação do embate. A retirada do
ex-presidente do jogo eleitoral permitirá que a ministra eleja o instrumento de
seu campo político, a desinformação nas redes sociais, como o foco de sua
atuação.
Moraes deixa o TSE depois de fazer do
tribunal palco de recuos como aquele que sacramentou a absolvição do senador
Sergio Moro (União-PR), decisão que, a despeito de ter sido colegiada e
unânime, chegou na medida para amenizar a lida persecutória que marca a imagem
do ministro.
É no Supremo Tribunal Federal, Corte em que
ocupam a mesma turma, e não no TSE, que os dois ministros podem vir a se
debruçar sobre a decisão de repercussões mais perenes do TSE sob a gestão
Moraes, a inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Se o ex-presidente americano Donald Trump
vier a disputar - e ganhar - a eleição para voltar à Casa Branca, a despeito de
suas 34 condenações, aumentará muito a pressão sobre o Congresso brasileiro
para a votação de uma anistia, cujos efeitos só o STF teria possibilidade de
sustar.
Muito boa análise!
ResponderExcluirVai Cármen Lúcia.
ResponderExcluirBoa, Carmen Lúcia! Confio nas suas coragem e discernimento!
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