terça-feira, 4 de junho de 2024

Maria Cristina Fernandes - Discurso cita ‘mentira’ 15 vezes e frustra aposta em brandura

Valor Econômico

Quem esperava que a ministra Carmen Lúcia assumisse o TSE com uma postura mais branda que a de Moraes foi desenganada por seu discurso de posse

Quem esperava que a ministra Carmen Lúcia assumisse o Tribunal Superior Eleitoral com uma postura mais branda do que aquela de seu antecessor, ministro Alexandre de Moraes, foi desenganada por seu discurso de posse. Cotejado com aquele de Moraes, em setembro de 2022, o de Carmen Lúcia foi ainda mais contundente. A brevidade de uma fala de apenas 12 minutos não a impediu de citar “mentira”, por 15 vezes, e, por seis, “ódio”. “A mentira espalhada pelo ecossistema digital é um desaforo tirânico contra integridade da democracia”, disse.

Sem deixar de agradecer, “como cidadã e juíza”, a contribuição de Moraes para a garantia da democracia brasileira, não teve dúvida em interromper o ministro quando ele, ainda na presidência do TSE, quis convidar o diretor-geral do tribunal a lhe dar o termo de posse antes que Carmen Lúcia cumprisse a formalidade de declarar que aceitava o cargo.

Mencionada, por Paulo Gonet, procurador-geral eleitoral, como a primeira presidente do TSE a conduzir uma eleição sob a lei da Ficha Limpa, Carmen Lúcia estava sentada ao lado do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, barrado pela mesma lei na disputa de 2018. No discurso, agradeceu a nomeação ao STF que lhe permitiu estar ali.

O ministro Raul Araújo, que a saudara, falara da expectativa de que Carmen Lúcia promovesse a pacificação da justiça eleitoral, mas não foi isso que seu discurso sugeriu. A ministra foi buscar em Rui Barbosa (“Não há salvação para juiz covarde”) e na inconfidente mineira Hipólita Jacinta (“Quem não pode com as coisas não se meta com elas”) a resposta para quem espera um TSE mais retraído.

A fala de Carmen Lúcia demonstrou uma contundência mais editada do que aquela de Moraes. Duas semanas antes da posse, o ministro que deixa o TSE e a colega que o substitui deram uma “palhinha” da mudança de tom que está por vir com a troca de comando na Corte. O evento aconteceu na Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, onde são colegas.

Estava em pauta o processo em que a deputada Carla Zambelli (PL-SP) é acusada de ter tentado inserir um suposto mandado de prisão de Alexandre de Moraes contra si próprio no sistema do Conselho Nacional de Justiça. Numa cambalhota vernacular, Carmen Lúcia definiu o intento como “desinteligência natural”. Ao que foi atalhada pelo ministro que, depois de elogiar a educação da colega, despiu-se da sua: “Foi burrice mesmo”.

A decisão de Moraes, a despeito das pressões do PT de manter o horário da votação do segundo turno no Nordeste, afetado pelo bloqueio das estradas promovido pela ala bolsonarista da Polícia Rodoviária Federal, foi sua decisão mais acertada no TSE. Tratava-se de uma armadilha para jogar o tribunal no enrosco da convocação de uma nova e imprevisível eleição.

Se Moraes marcou sua atuação por aquela decisão, Carmen Lúcia, a julgar por seu discurso, não será menos contundente nas decisões relativas à retirada de conteúdos e perfis que caracterizaram o embate do ministro com as plataformas de redes sociais.

A gestão de Moraes, que tomou posse uma semana depois do ato da Faculdade de Direito do Largo de S. Francisco, ápice da defesa do Estado democrático de direito durante a campanha de 2022, teve no ex-presidente Jair Bolsonaro a personificação do embate. A retirada do ex-presidente do jogo eleitoral permitirá que a ministra eleja o instrumento de seu campo político, a desinformação nas redes sociais, como o foco de sua atuação.

Moraes deixa o TSE depois de fazer do tribunal palco de recuos como aquele que sacramentou a absolvição do senador Sergio Moro (União-PR), decisão que, a despeito de ter sido colegiada e unânime, chegou na medida para amenizar a lida persecutória que marca a imagem do ministro.

É no Supremo Tribunal Federal, Corte em que ocupam a mesma turma, e não no TSE, que os dois ministros podem vir a se debruçar sobre a decisão de repercussões mais perenes do TSE sob a gestão Moraes, a inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Se o ex-presidente americano Donald Trump vier a disputar - e ganhar - a eleição para voltar à Casa Branca, a despeito de suas 34 condenações, aumentará muito a pressão sobre o Congresso brasileiro para a votação de uma anistia, cujos efeitos só o STF teria possibilidade de sustar.

 

 

 

 

 

 

 

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