O Globo
A necessidade de autocontenção do plenário do
STF nunca havia sido tão debatida abertamente
O que era falado nos bastidores, e não por
todos os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), veio à tona na discussão
sobre descriminalização do uso pessoal da maconha. O que era uma decisão de
suma importância passou a ser, para alguns ministros, uma intromissão indevida
do Supremo em decisões que deveriam ser tomadas pelo Congresso, com a ajuda de
órgãos oficiais como a Anvisa, a agência de vigilância sanitária que decide
questões ligadas à saúde da população.
Vários dos 11 ministros, em maior ou menor grau, pronunciaram-se afirmando que deveria caber ao Legislativo distinguir entre usuários e traficantes. O ministro Luiz Fux foi mais enfático, exortando seus colegas à autocontenção, afirmando que um “protagonismo deletério” corrói a credibilidade dos tribunais. Ele salientou que cabe aos Poderes eleitos pelo povo — Executivo e Legislativo — decidir questões “permeadas por desacordos morais que deveriam ser decididas na arena política”.
O excesso de ações constitucionais, advertiu
Fux, tem feito com que o Supremo “passe a não gozar da confiança legítima da
sociedade”. Outro que entendeu ser de competência do Congresso definir
“quantidades mínimas que sirvam de parâmetros para diferenciar usuário e
traficantes” foi o ministro Edson Fachin, embora todos eles, com exceção do
ministro André Mendonça, tenham votado pela descriminalização do porte de
maconha para consumo.
O ministro Mendonça considerou que é
competência do Poder Legislativo definir a quantidade que diferencia consumidor
de traficante, dando 18 meses para uma decisão do Congresso, no que foi
acompanhado pelo ministro Dias Toffoli. A ministra Cármen Lúcia também votou a
favor da definição de 60 gramas de maconha para distinguir entre usuário e
traficante, mas aderiu aos que deram um prazo para o Congresso se definir sobre
o assunto.
A necessidade de autocontenção do plenário do
Supremo nunca havia sido tão debatida abertamente no próprio plenário. Pode ser
o indício de que esteja havendo uma busca de caminhos menos polêmicos para a
atuação da última instância do Judiciário. O próprio presidente Lula, em
entrevista ontem antes da decisão final do STF, sugeriu que ele recuse temas
que deveriam, ou poderiam, ser resolvidos pelo Legislativo.
Muitos alegam que o Supremo é procurado
quando o Legislativo não decide, mas é preciso também entender que muitas vezes
é uma decisão política não entrar em determinados assuntos. Nesses casos, ou o
Supremo considera importante definir uma situação ambígua, como na
diferenciação entre usuário e traficante, ou deveria se eximir de entrar na
discussão. Concordo com a tese de que essas questões devem ser decididas pelos
legisladores, baseados em laudos técnicos de especialistas.
Claro que o Supremo tem assessores de alto
nível e acesso a todos os especialistas para embasar os votos de seus
ministros, mas casos como definir quantos gramas de maconha um indivíduo pode
portar sem ser tachado de traficante não deveriam ser de sua alçada.
Embora, pela tendência da maioria, a decisão
do Congresso vá na direção de criminalizar o uso de qualquer quantidade de
todas as drogas hoje consideradas ilícitas, contra o que penso (mais parecido
com a maioria do STF), continuo considerando que o Congresso deve decidir. O
problema é que o STF não age por conta própria, é sempre provocado por alguém,
ou alguma instituição, e desta vez trabalha com uma reclamação sobre um artigo
específico da Lei de Drogas que seria inconstitucional. Qualquer coisa que o Legislativo
aprove diferente do que o STF já decidiu ficará inconstitucional. Não tem como
votar uma PEC definindo a criminalização geral das drogas, quando o STF já
decidiu que não é crime o uso pessoal de maconha.
Simples assim.
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