O Globo
A economista Maria da Conceição nunca
diferenciou a economia da luta política por um Brasil pelo qual ela sempre
sonhou, mais desenvolvido, democrático e mais justo. Por isso, em plenos anos
de chumbo, ela acabou presa, num daqueles episódios de puro horror,
praticamente sequestrada por agentes das Forças Armadas. Ela mesma conta que o
então ministro Mario Henrique Simonsen atuou para libertá-la. E dizia não ter
entendido sua prisão por não ser “subversiva”. Na verdade, sua coragem pessoal
de dizer sempre o que pensava era mais desestabilizador para um regime
ditatorial do que se ela fosse de alguma organização.
A marca maior de Maria da Conceição como economista é a sua convicção de que o Brasil precisa de um plano de desenvolvimento, industrializante, conduzido em grande parte pelo Estado, mas num contexto democrático e com ênfase na busca da justiça social. O governo militar, que ela sempre criticou com sua voz veemente e destemida, tinha planos de desenvolvimento mas era centralizador, autoritário, e concentrador de renda. Sua visão estava mais de acordo com o Plano de Metas, do governo JK, do qual participou da formulação, num governo aberto e democrático.
Conceição conhecia como poucas pessoas a
dinâmica da estrutura industrial que prevaleceu no século XX. Fundadora crítica
da teoria do desenvolvimento da América Latina. Professora dedicada e
apaixonada, formou muita gente na economia e fora dela, inclusive os que não
eram de esquerda. Escreveu um clássico: “Da substituição de importações ao
capitalismo financeiro”. Outro dos seus ensaios famosos é o “Além da
estagnação”, que escreveu com José Serra, no qual criticava o modelo de
desenvolvimento concentrador de renda do governo militar. Como economista do
desenvolvimento, era próxima de Celso Furtado, de quem era grande amiga.
É difícil definir Maria da Conceição Tavares
porque ela era um monumento. Suas ideias, certas ou erradas, eram defendidas
com veemência. No Plano Cruzado, se emocionou às lágrimas porque achou que
estava diante de um plano que derrubava a inflação, distribuindo renda. Mas foi
exatamente o excesso que acabou com o plano, ao estimular o consumo além da
capacidade de produção brasileira, num país muito fechado. Foi crítica inicial
do Plano Real, da mesma forma que criticou o Bolsa Família. Ela preferia que
houvesse políticas sociais mais generalistas e não focadas.
Numa homenagem a ela, no IPEA, em 2010, o
economista Ricardo Bielschowsky, definiu assim a professora. “Conceição é uma
guerreira no front intelectual da luta política, por uma sociedade mais
democrática, melhor e mais justa.” Era isso, qualquer texto sobre ela, tende a
chamá-la de guerreira. Porque era assim que ela se dispunha para a vida. Talvez
por isso tenha tido agora, em pleno tempo das mídias sociais, virado um sucesso
com suas frases curtas, cortantes, em aulas ou entrevistas, viralizando.
Foi professora de muitos e gostava de dizer
isso até quando discordava do ex-aluno instalado momentaneamente em algum
cargo. Na mesma homenagem do Ipea, ela foi definida assim “mexe com a cabeça
dos alunos e dos colegas economistas, obriga todo mundo a “pensar grande”.
O presidente do BNDES, Aloizio Mercadante,
amigo pessoal de Maria da Conceição a definiu como “debatedora perspicaz,
contundente, defendeu em sua vasta obra que a economia é um instrumento para
melhorar socialmente e politicamente a nação. Na Cepal, desenvolveu
contribuições originais para a análise das características e singularidades da
economia brasileira e latino-americana”.
Maria da Conceição nasceu em Portugal e, por
sorte nossa, adotou o Brasil, tornou-se brasileira, influenciou toda a formação
intelectual, desde meados do século passado no Brasil. Sua paixão pelo Brasil,
pelo sonho de que o país se transformasse numa grande nação desenvolvida,
contaminou os jovens de diversas gerações com os quais ela conviveu. Mesmo os
que se distanciaram dos métodos analíticos que ela adotava não deixaram de ser
impactados pela sua força e carisma. Fez sua carreira de sucesso num universo
totalmente masculino, como o dos anos 50 e 60. E por temperamento impunha-se,
não pedia licença. Uma pessoa que veio para deixar um legado. E deixou. Nessa
hora da despedida é difícil inclusive delimitar a dimensão e fronteira desse
legado que o tempo ajudará a definir com mais precisão.
Muito bom! A colunista foi perfeita numa frase: "É difícil definir Maria da Conceição Tavares porque ela era um monumento."
ResponderExcluirMuito bom!
ResponderExcluir