O Globo
Se Lula propuser o fim da autonomia do BC
terá duas derrotas: no Congresso e com aumento de preços da economia real
Banco Central autônomo não é de esquerda, nem de direita. O Partido Trabalhista aprovou a independência do Banco da Inglaterra, no governo Tony Blair, em 1997, e agora os conservadores é que falam em rever a lei. Donald Trump brigou ferozmente com o presidente do FED, Jerome Powell, e chegou a postar nas redes: “minha única dúvida é: quem é o maior inimigo, Powell ou o presidente Xi”. Já o presidente Joe Biden manteve o indicado por Trump. Não é exclusividade do presidente Lula escolher como alvo o Banco Central. Mas o PT tem uma curiosa história com o BC.
Lula resistiu a muita pressão para demitir
Henrique Meirelles, um estrangeiro naquele grupo político. Tinha sido eleito
pelo PSDB, sua nomeação foi uma surpresa e o BC, sob seu comando, começou
subindo a taxa de juros para estratosféricos 26,5%. O PT pedia a cabeça de
Meirelles um dia sim e no outro também. E Lula o manteve por oito anos. Houve
momentos muito difíceis, mas ele permaneceu no cargo e os juros foram sendo
reduzidos até 8,75% em 2009. As taxas voltaram a subir no ano eleitoral, mas o
país estava com forte crescimento.
No governo Dilma, a interferência no Banco
Central foi tolerada, os juros foram sendo reduzidos até chegarem a 7,25%, mas
isso acabou alimentando a inflação, principalmente pela percepção de Selic
decidida por razões políticas. As taxas tiveram que voltar a subir. Em 2015, já
estavam em 14,25% e com o país em recessão. No governo Michel Temer,
o presidente Ilan Goldfajn teve a autonomia de fato, ainda que não na lei, e
conseguiu reduzir a Selic para 6,5%. O que toda essa história mostra é que a
interferência política acaba se voltando contra o governo que praticou a
intervenção.
O presidente Lula passou a última semana
criticando o Banco Central. Primeiro atacou o presidente Roberto
Campos Neto pela festa em homenagem a ele feita pelo governador
de São Paulo. Roberto Campos Neto é amigo de Tarcísio de
Freitas. Mas, em um ambiente de polarização política, ele errou ao
não perceber o limite institucional que deveria respeitar. E acabou pondo em
risco exatamente o que tinha como meta para o seu mandato: uma sucessão
tranquila. Depois, Lula criticou a autonomia em si. Ele perguntou por que não
podia demitir o presidente do BC. Na sexta-feira, disse que está chegando o
momento de trocá-lo.
Só de falar isso já houve reação no mercado
de câmbio. Se ele for das palavras aos fatos e propuser mesmo o fim da
autonomia terá duas derrotas. Primeiro, a incerteza decorrente de um projeto
assim alimentaria a especulação e acabaria atingindo os preços da economia
real. A segunda derrota, ele teria no Congresso que provavelmente não aprovaria
o projeto. O presidente da Câmara, Arthur Lira,
aproveitou a fala do presidente para defender a autonomia do BC e sair dos
holofotes negativos em que estava.
Se houver confiança de que o Banco Central
perseguirá o seu mandato que é a meta de inflação, sem pressões ou
conveniências políticas, o objetivo é alcançado mais rapidamente, o que é bom
para o governo. A desconfiança em relação à capacidade de o BC executar a
política monetária alimenta a inflação, o que sempre afetará a popularidade dos
governantes.
O Brasil está com inflação dentro do
intervalo de flutuação da meta, mas com as projeções subindo. Além das
incertezas em relação ao cenário externo e interno, há duas pressões
inflacionárias. Uma delas é a tragédia do Rio Grande do Sul que já elevou os preços
no estado e está afetando alguns preços nacionalmente. O segundo é o dólar cuja
volatilidade é estimulada por essa briga pública entre o governo e o Banco
Central.
O dólar em uma semana subiu 1,10%, mas é a
quinta semana seguida de alta frente ao real e a moeda brasileira é uma das que
mais perderam valor frente à americana. Desde o início do ano, o dólar
valorizou cerca de 12%. O dólar é o canal de propagação de pressão
inflacionária. Portanto cria-se um círculo vicioso, em que conflitos políticos
alimentam a especulação, que eleva o dólar, que afeta a inflação. E isso leva à
queda da popularidade.
O país está crescendo um pouco acima do
previsto, o mercado de trabalho está aquecido, e a inflação está dentro do
intervalo da meta. Mas há piora das expectativas. O melhor a fazer é não
fabricar crises que sejam bumerangue e prejudiquem o próprio governo. A
situação desconfortável criada para os diretores indicados pelo atual governo
foi resolvida na unanimidade do Copom. Mas se os ruídos continuarem a economia
real será atingida.
Míriam Leitão deve ser a única colunista que escreve sobre economia de maneira clara.
ResponderExcluir