domingo, 2 de junho de 2024

Míriam Leitão - A rendição ao extremismo

O Globo

Nos EUA, Trump segue no jogo político. No Brasil, a direita permanece prisioneira de pautas extremistas e não se afasta de Bolsonaro

Derrotados, os ex-presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro pairam sobre os dois países como sombra, pela incapacidade do sistema político de se afastar dos extremistas. Trump, condenado em 34 acusações, ainda pode ser candidato a presidente. Bolsonaro, mesmo inelegível, é o ponto em torno do qual orbitam os políticos da direita. Nem o Partido Republicano, nem a direita brasileira conseguiram criar alternativas que os afastem do extremismo. Não existem trumpismo nem bolsonarismo moderados.

Os dois conspiraram contra a democracia e disso há abundantes provas. Trump comandou com ordem verbal o ataque ao Capitólio. Bolsonaro minou a confiança no sistema eleitoral durante seu governo e, apesar de fugir para os Estados Unidos nos últimos momentos do seu mandato, construiu o caminho até o ataque às sedes dos Três Poderes.

Como Al Capone apanhado pelo crime fiscal, Trump foi considerado culpado por fraude contábil. No caso do mafioso foi a forma encontrada para pegá-lo pelos seus maiores crimes. No caso de Trump é mais grave. O ex-presidente no exercício de seu mandato deu ordem para que a multidão invadisse o Congresso. O grito: “To the Capitol” ainda está nos nossos ouvidos. Mesmo assim nem a Justiça americana, nem o sistema político foram capazes de puni-lo até o momento. O sistema americano que, muito acertadamente, tirou da presidência Richard Nixon por espionar o partido rival, usando para isso a máquina pública, nada fez ainda contra o presidente que, no cargo, mandou invadir um dos Poderes. Nixon foi para o ostracismo, Trump segue no jogo político.

O que se dizia do sistema politico americano era que ele tinha defeitos, como o da eleição indireta, mas que teria a vantagem de ser à prova de outsiders que colocassem em risco a democracia. Isso não é mais verdade. Trump governou, atentou contra o processo eleitoral americano denunciando fraudes inexistentes, pressionando autoridades para mudar o resultado eleitoral e, por fim, estimulando a turba que ameaçou fisicamente parlamentares e o vice-presidente. Quatro anos depois, concorre à presidência com chances de retorno. Ele chegou como outsider, mas capturou um dos dois partidos que se alternam na presidência. Pulou de paraquedas no Partido Republicano e hoje o domina completamente como se viu nas primárias. Todas as lideranças que tentaram contestá-lo foram humilhadas.

Aqui no Brasil, a Justiça tem sido mais célere. Bolsonaro é inelegível por decisão da Justiça Eleitoral e está sendo investigado por tentativa de golpe de Estado.

Era de se esperar que a direita democrática reencontrasse seu rumo depois da tentativa de golpe de 8 de janeiro. Mas não. A direita permanece prisioneira de pautas extremistas e não se afasta de Bolsonaro.

O governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas, teve uma vida pública antes de Bolsonaro, chegando até a diretor do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes no governo Dilma Rousseff. Apesar disso não perde a oportunidade de mostrar sua identificação com o ex-presidente, em políticas adotadas, em palanques, ou na declaração sobre as críticas à letalidade da sua polícia. “Aí o pessoal pode ir na ONU, pode ir na Liga da Justiça, no raio que o parta, que eu não tô nem aí”, disse o governador. Quem quiser comprá-lo como moderado pode, mas está se enganando porque quer.

O governador Ronaldo Caiado, como médico, confrontou a atuação de Bolsonaro na pandemia, mas agora defende o ex-presidente. O senador Sergio Moro saiu do governo Bolsonaro depois de denunciar tentativa de intervenção na Polícia Federal, hoje diz que a relação com o ex-presidente está pacificada. Falta explicar se ele está pacificado com o que viu e foi pressionado a fazer durante seu período no Ministério da Justiça.

Na semana passada 317 parlamentares votaram pela manutenção do veto do ex-presidente Bolsonaro à tipificação do crime de disseminação em massa de desinformação. Votaram a favor das fake news, todos os congressistas do Republicanos, e todos — menos um de cada partido — os parlamentares do PL, União Brasil, PP, PSDB, Podemos e Solidariedade. Só três do PSD votaram pela derrubada do veto. Dizem que foi uma derrota do governo. Não. Foi do país e da democracia.

Nos Estados Unidos e no Brasil há o mesmo fenômeno. Políticos se deixam confinar por Trump e Bolsonaro, lideranças radicais e antidemocráticas, mesmo quando elas são derrotadas.

 

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