quinta-feira, 20 de junho de 2024

Míriam Leitão - A unanimidade no Copom diminui a crise

O Globo          

A decisão ajuda a distensionar. Mas o país precisa parar de criar problemas para si. Bastam os desafios que temos

Foi mais importante ter sido unânime a decisão de ontem do Copom do que os juros terem ficado em 10,5%. A unanimidade afastou temores de uma diretoria dividida e de que a próxima administração do Banco Central será leniente com a inflação. Quem acompanha o dia a dia da política monetária sabe que ninguém seria irresponsável com a questão inflacionária, mas em economia a percepção afeta os indicadores, mesmo que seja errada a visão dos agentes econômicos.

No seu comunicado o Banco Central repete o alerta de sempre sobre política fiscal e diz que monitora como afeta o desenvolvimento da política monetária e os ativos. Disse que o ambiente externo está incerto e acompanha o cenário doméstico em que a economia cresce, as projeções de inflação aumentam e as expectativas estão desancoradas. Não deu muito ideia do que virá pela frente, a não ser as palavras de praxe. O comunicado é encerrado com a afirmação que “eventuais ajustes futuros na taxa de juros serão ditados pelo firme compromisso de convergência da inflação à meta”.

Os juros na verdade permanecem altos demais para a conjuntura brasileira. A inflação rodando entre 3,5% e 4% e os juros ficarão mais 45 dias em 10,5%. Juros reais altos para um país que não tem expectativa de inflação acelerada saindo do espaço de flutuação. Mas é o preço a pagar quando agentes públicos agem de forma desencontrada.

Uma crise desnecessária e sem conexão com a realidade cercou essa reunião. Quem olha os indicadores da economia real, de inflação, atividade, emprego e renda vê um país sem maiores sustos, crescendo um pouco mais do que o inicialmente previsto, com inflação baixa, apesar das oscilações normais que responde a imprevistos como a enchente do Rio Grande do Sul, o mercado de trabalho com um desempenho melhor do que o esperado. Nas contas públicas não há também nenhum estouro à vista, ainda que este seja sempre um ponto sensível no Brasil, país de dívida alta, curta e cara, de despesas elevadas e Orçamento inflexível.

Ontem o dólar subiu forte, cedendo depois de notícias sopradas do Planalto. Mas a diferença de percepção da economia foi muito grande entre uma reunião e outra. O câmbio saiu de R$ 5,15 para R$ 5,44, a maior cotação desde o início do governo Lula. Subiram as projeções de inflação e o que mais subiu nos últimos dois meses foi a projeção da Selic do fim do ano. Primeiro foi abandonada a ideia de que ela terminaria em um dígito, nos últimos dias vieram as apostas de que nada mais aconteceria na Selic. Os juros futuros subiram.

O que de fato piorou no Brasil? Houve ruídos em relação às contas públicas, piorou a avaliação sobre que autonomia tem o ministro da Fazenda para conduzir a política fiscal, aumentou a preocupação em relação ao poder do veto de bloquear a agenda econômica. E nos dois dias finais as declarações do presidente Lula emitiram vários sinais negativos.

A declaração de Lula contra o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, não teve qualquer ganho para o governo. O vencedor absoluto de tudo foi a oposição. Só ela tem a ganhar. Quando o ambiente fica assim deteriorado, isso se reflete em preços de ativos, principalmente do dólar o que acaba afetando a inflação. A leitura feita sobre a fala do presidente é de que só será bom o Banco Central que seguir o que o governo achar conveniente. Isso piora a tarefa do próximo presidente do BC.

Roberto Campos Neto como principal zelador da autonomia, por ser o primeiro presidente a exercer o cargo após a aprovação do novo status da autoridade monetária, não poderia deixar pairar qualquer dúvida sobre suas decisões. Ele incomodou seriamente o governo Bolsonaro quando começou a elevar taxas de juros em período pré-eleitoral e resistiu às críticas. Quando ficou claro que a equipe econômica de Bolsonaro era parte ativa da campanha, ele permaneceu com a política monetária apertada. Portanto, ele pode se equivocar, mas não misturou suas decisões no BC com a política. Contudo, não deveria ter vestido a camisa de nenhum time político num país polarizado.

Por isso essa crise é tão gratuita. Atos errados e palavras fora do tom. A decisão de ontem, principalmente pelo fato de ser unânime ajuda a distensionar. Mas o país precisa parar de criar problemas para si. Bastam os desafios que nós já temos que enfrentar e superar.

 

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