quinta-feira, 20 de junho de 2024

Vinicius Torres Freire - BC faz feijão com arroz e ignora Lula

Folha de S. Paulo

Decisão unânime de manter a Selic pode ser o começo de uma contraofensiva contra o tumulto

A direção do Banco Central tomou a tal decisão unânime de manter a Selic em 10,5%. Se baixasse a taxa básica de juros ou votasse dividida, teria puxado o pino de uma granada amarrada na testa, que explodiria nesta quinta-feira e por semanas a seguir.

As supostas alas "campista" e "lulista" querem acalmar o tumulto. Se assim não for, o próximo presidente do BC, a ser nomeado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, vai assumir o cargo com uma situação ingovernável.

Fazendo o arroz com feijão ora inevitável, BC e governo podem organizar uma contraofensiva. Se o supremo senhor do dinheiro, o BC dos EUA, também ajudar, talvez até dê para talhar a Selic neste ano.

No momento, o mais importante é induzir uma baixa de taxas de juros mais longas no mercado e tirar o dólar do patamar de combustível para a inflação.

É mais importante do que baixar logo a Selic na marra de murros em ponta de faca. Sim, deste modo também o governo vai pagar juros menores aos rentistas. Não vai ser fácil.

O BC apresenta duas estimativas de inflação no comunicado em que anuncia sua decisão sobre a Selic. Numa delas, estima que o IPCA baixará a 3,1% em 2025, na meta de 3%, na prática.

Porém, os modelos do BC cospem esse número quase na meta apenas se a Selic ficar nos atuais 10,5% a perder de vista, até fins do ano que vem, tudo mais constante.

Caso a estimativa se baseie em uma Selic em 10,5% no final deste ano e de 9,5% no final de 2025 (projeções atuais de "o mercado"), o IPCA desce a 3,4% no ano que vem.

Nas projeções da reunião do BC de janeiro, com Selic a 9% no final deste ano e 8,5% no final de 2025, a inflação baixaria a 3,2% no ano que vem, praticamente na meta.

É fácil perceber como o cenário piorou.

A leitora pode não gostar dessa conversa, mas é com tais números na cabeça que a direção do BC vai mastigar esse osso duro de roer. Qualquer direção do BC, por convicção ou mero pragmatismo, deve agir assim nos próximos meses.

Como?

Primeiro, mantendo a Selic nas alturas, sem previsão de corte.

Segundo, com melhoras a respeito de contas do governo, expectativas de inflação, dólar e juros na praça.

Para citar o comunicado do BC: "O Comitê reafirma que uma política fiscal crível e comprometida com a sustentabilidade da dívida contribui para a ancoragem das expectativas de inflação e para a redução dos prêmios de risco dos ativos financeiros, consequentemente impactando a política monetária".

É também óbvio que não pode haver piora no entorno. Isto é, deve haver perspectiva de queda das taxas de juros nos EUA; não pode haver sinal de que o ritmo da atividade econômica (PIB, emprego) no Brasil afete preços; preços de energia têm de ficar comportados.

É o de sempre. Lula 3 deve apresentar novo plano de contenção de déficit ("política fiscal crível"). O BC vai ter de fazer fama de mau por meses, infelizmente.

O dólar chegou a R$ 5,44. Ficara em torno de R$ 4,93 de novembro de 2023 a março de 2024. Subiu a R$ 5,13 em abril e maio, na média de cada mês. Na média de junho, está em R$ 5,35. Boa parte da piora é efeito de juros altos por mais tempo nos EUA. Outra parte é resultado de conversas malucas de política econômica no Brasil.

O dólar tem de sair dessas alturas, para não injetar mais inflação na veia da economia. As taxas de juros "básicas" no mercado, de prazo maior que dois anos, estão entre 1 ponto e 1,6 ponto acima do nível que estavam em agosto de 2023, quando o BC começou a talhar a Selic. É claro que não basta apenas talhar a Selic.

Dada a baderna doidivanas, a confiança no BC e, mais ainda, na política econômica baixou muito. Vamos perder tempo tomando calmantes. Mas o estresse pode passar, se também as ações de governo e a realidade forem mais palatáveis.

 

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