domingo, 16 de junho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Alcance do PCC prova fracasso do Brasil no combate ao crime

O Globo

Expansão da facção revelada pelo GLOBO mostra que passou da hora de o governo federal cumprir seu papel

Em 31 de agosto de 1993, surgia na Casa de Custódia de Taubaté, em São Paulo, a facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), criada sob o pretexto de combater a opressão no sistema penitenciário e de evitar massacres como o do Carandiru, que deixara 111 mortos um ano antes. Três décadas depois, o PCC tornou-se uma potência do crime. Domina rotas internacionais do comércio de drogas, controla presídios, influi nos índices de violência e desafia governos, como mostrou a série especial do GLOBO “Multinacional do tráfico”.

O foco no faturamento, especialmente a partir da ascensão do chefão Marcos Willians Herbas Camacho, ou Marcola, rapidamente expôs a realidade da organização criminosa. Nas últimas décadas, o PCC não só consolidou sua hegemonia nos presídios paulistas, como expandiu seus domínios para outros estados e países, despertando a atenção de autoridades internacionais. Em 2021, foi incluído numa lista de bloqueios do Departamento de Tesouro dos Estados Unidos.

O poderio criminoso do PCC deveria preocupar a todos. Com faturamento estimado em pelo menos US$ 1 bilhão por ano (80% provenientes do tráfico internacional), a facção atua em 24 países, reúne mais de 40 mil integrantes e envia droga aos cinco continentes. Está presente em praticamente todo o Brasil, em vários países da América Latina, nos Estados Unidos e em parte da Europa e do Oriente Médio, segundo o grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São Paulo. Na expansão, estreitou laços com organizações criminosas de todo o mundo.

Sob a vista das autoridades, o PCC se profissionalizou em exportar drogas pelo Porto de Santos, o maior do país. O esquema que embutia pequenas quantidades nas bagagens de marinheiros foi substituído por carregamentos em contêineres ou por métodos mais sofisticados, como esconder a carga no casco de navios com auxílio de mergulhadores.

Para consolidar seu poder e dar legitimidade às ações criminosas, o PCC tem se infiltrado em atividades legais, repetindo comportamento de milícias e máfias internacionais. Em abril, o Ministério Público de São Paulo expôs os elos nefastos da facção com duas das maiores empresas de ônibus da capital paulista, que prestavam serviço a milhares de passageiros e recebiam recursos públicos. Segundo investigações, empresas estabelecidas servem para lavar o dinheiro ilegal obtido com o tráfico. Na semana passada, dezenas de hotéis no centro da capital paulista foram fechados, sob a acusação de também lavar dinheiro para a facção criminosa.

As disputas do PCC pelo controle das rotas do tráfico com outras facções (como Comando Vermelho, do Rio, ou organizações criminosas do Norte e Nordeste) exercem impacto direto na violência. Os índices de criminalidade costumam flutuar ao sabor dos períodos de guerra e armistício entre as quadrilhas. Rebeliões e massacres em presídios também refletem essas tensões. Estudiosos de segurança afirmam que, não por acaso, em 2017 o Brasil atingiu o maior número de mortes violentas já registrado num período de acirramento dessas disputas.

Por mais que a União queira alegar que o combate à violência é tarefa constitucional dos estados, está claro que as unidades da Federação sozinhas não têm como enfrentar organizações criminosas que se transformaram em multinacionais do crime, com faturamento que lhes permite comprar armamento tão ou mais potente que o usado pelos agentes da lei. A droga que vem de países produtores da América do Sul entra facilmente pelas fronteiras, circula por rodovias movimentadas e sai sem problemas por portos e aeroportos com destino a Estados Unidos e Europa. Tal controle evidentemente compete à União.

Não surpreende que os índices de violência no Brasil permaneçam altos, com pequenas oscilações nos últimos anos, a despeito das políticas públicas. Pesquisas de opinião têm mostrado que a segurança é hoje uma das principais preocupações dos brasileiros. O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que enfrenta queda de popularidade, continua titubeante diante da questão.

Não dá para ignorar que as cidades brasileiras vivem uma rotina de insegurança e medo. Áreas dominadas pelo crime onde o poder público não entra, populações achacadas por milicianos e traficantes, presídios dominados, assaltos, estupros e assassinatos à luz do dia transmitem sensação de anomia. Quem está no controle? É preciso reconhecer que, apesar de vitórias pontuais, o Brasil tem fracassado no enfrentamento ao crime organizado. Passou da hora de o governo federal assumir o papel que lhe cabe na segurança pública.

Ele deve aos brasileiros um plano robusto para enfrentar as organizações criminosas que amedrontam o país. É preciso haver ação articulada com os estados, sob coordenação da União, integrando todas as forças da lei. É fundamental também buscar cooperação internacional e mirar o braço financeiro das quadrilhas, de modo a enfraquecê-las. As facções se expandiram e se profissionalizaram, enquanto o Estado continua agindo com amadorismo. Quanto mais tempo o governo levar para combatê-las, mais difícil será o combate.

Política e burocracia erráticas atrasam o país

Folha de S. Paulo

Competição justa, segurança jurídica, equilíbrio fiscal e eficiência nos gastos deveriam ser consenso pluripartidário

As nações democráticas que atingiram estágios avançados de desenvolvimento conciliaram, ao longo desse percurso, oposições políticas ferozes com grandes consensos sobre o que não está em disputa.

O embate partidário jamais deveria ameaçar as garantias individuais, o acesso ao governo e demais cargos representativos por eleições limpas e os controles institucionais que evitam o abuso do poder.

Acordos tácitos, mas não menos respeitados por todos os contendores, também se decantaram no terreno econômico e no social.

A disputa nos mercados deve ser tão limpa e justa quanto na política, ao Estado cabendo perseguir a equidade de instrução e saúde dos cidadãos. Seguros solidários, como a Previdência e os programas assistenciais, sustentam níveis mínimos de consumo de todos.

A solvência das contas públicas, a estabilidade de preços, a eficiência e a probidade no emprego do dinheiro dos impostos, bem como a previsibilidade das regras do jogo, são valores que tampouco costumam ser desafiados nas experiências bem-sucedidas de desenvolvimento democrático.

Dentro do campo delimitado por esses marcos, há margem para divergências acentuadas. Há visões antagônicas e legítimas sobre o nível da tributação, as prioridades do gasto público, a liberalização de condutas, de costumes ou de armas de fogo, entre tantos outros temas divisivos.

Comparado a esse modelo que preserva grandes consensos da disputa política, o Brasil revela o seu índice de subdesenvolvimento.

Aqui o presidente da República se sente autorizado a manipular preços de energia e a partidarizar a gestão de uma empresa de vocação monopolista como a Petrobras.

Executivo e Legislativo não têm pruridos de comprometer pontos percentuais do PIB com despesas a descoberto, que vão pesar nos ombros das gerações futuras.

O Poder Judiciário e o fisco promovem alterações constantes, inadvertidas e custosas nas regras civis, penais e tributárias. Nessas convulsões normativas, nem sequer o passado é previsível, conforme o chiste didático.

Um sem-número de exceções, privilégios e vantagens obtidas pela proximidade com o poder distorce a competição econômica.

Os programas de educação e saúde distanciam-se das boas práticas locais e internacionais e são facilmente capturados seja por ideologias obscurantistas, seja por lobbies corporativistas.

Políticos e burocratas no Brasil ignoram que nem tudo deveria estar em jogo numa democracia que aspira ao desenvolvimento. Enquanto não se emanciparem dessa mentalidade primitiva, o país não terá chances de superar o atraso.

Juscelino e as emendas

Folha de S. Paulo

Indiciamento de ministro escancara mau uso de montante escandaloso de verbas

O indiciamento pela Polícia Federal do ministro Juscelino Filho (União Brasil-MA), das Comunicações, é apenas um exemplo dos danos potenciais da multiplicação desarvorada, nos últimos anos, de despesas de execução obrigatória incluídas por deputados e senadores no Orçamento federal.

Mesmo que não venha a ser comprovado dolo, o caso é vexatório.

Quando era deputado, Juscelino patrocinou recursos de emendas para obras na cidade de Vitorino Freire (MA) —governada por Luanna Rezende, sua irmã. Segundo a Controladoria-Geral da União, parte da verba beneficiou propriedades da família do ministro.

Trata-se, no mínimo, de uso opaco do dinheiro do contribuinte, sem avaliação de mérito e prioridade, muito menos atenção a critérios de impessoalidade.

As suspeitas surgiram de uma investigação da Polícia Federal sobre indícios de irregularidades em investimentos da estatal Codevasf, particularmente os realizados em parceria com a empresa privada maranhense Construservice.

A estatal é um dos principais destinos dos gastos determinados por parlamentares em favor de seus redutos políticos —correspondem a cerca de metade dos mais de R$ 2 bilhões a serem desembolsados pela Codevasf neste ano.

O montante representa fração pequena, no entanto, dos R$ 33,6 bilhões em emendas individuais e coletivas de execução obrigatória em 2024. São recursos, de um Orçamento já deficitário, pulverizados em iniciativas no mais das vezes paroquiais e eleitoreiras, para nem mencionar os riscos de ilícitos.

A exorbitância da cifra reflete alterações recentes no mecanismo de governança conhecido como presidencialismo de coalizão, com fortalecimento do Congresso Nacional ao longo do último decênio, acompanhado pela redução do poder do Palácio do Planalto.

É sintomático que Luiz Inácio Lula da Silva (PT) não tenha afastado seu ministro indiciado por corrupção passiva, organização criminosa, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e fraude em licitação.
Sem normas mínimas de transparência para controle e gestão desses gastos, novos escândalos virão.

A ética elástica do Judiciário

O Estado de S. Paulo

Quando chefe do STF não vê problema se juízes se relacionam com empresários, negociam indicações e julgam casos de escritórios de advocacia de parentes, a sociedade tem um problema

Em entrevista ao programa Roda Viva, o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, manifestou incômodo com a “implicância” – palavra dele – de quem questiona a convivência de ministros e magistrados com políticos e empresários em eventos corporativos ou festivos. “Há incompreensão, percepção equivocada de que ministros do Supremo sejam disponíveis a qualquer influência”, disse. “É um equívoco achar que as pessoas chegam a essa altura da vida disponíveis a qualquer tipo de sedução, como uma passagem para ir à Europa ou um hotel de qualidade. A maior parte das pessoas que está lá tem toda a condição de ir sem ser convidada.” Ou seja, como os juízes podem bancar seus luxos, não há problema quando terceiros os bancam. Ao comentar casos julgados por ministros que têm parentes nas bancas advocatícias que defendem uma das partes, contemporizou: “Tudo o que um ministro do Supremo faz está sujeito a um escrutínio público, (...) se houver alguma coisa errada, (a imprensa) vai contar a todo mundo”.

Tudo se passa como se não houvesse conflitos de interesse objetivos e comportamentos inadequados a priori. A isenção dos juízes só pode ser questionada a posteriori, depois de decisões parciais. A sociedade que se satisfaça com a convicção do magistrado sobre seu próprio caráter – “Depois que eu penso qual é a solução correta, não tem pedido, não tem favor, não tem pressão econômica, eu faço o que tenho que fazer”.

Não é esse o entendimento do Código de Ética da Magistratura, que exige que o juiz evite “todo o tipo de comportamento que possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito”. Não se trata só de não favorecer, mas de evitar a impressão de favorecimento. Não basta ser imparcial, é preciso parecer.

Mas essas aparências estão se perdendo num melê ético. A liturgia do cargo é cada vez mais irrelevante. Ministros promovem “fóruns” na Europa bancados com patrocínios de empresas com processos no STF, onde prestigiam corruptos confessos e condenados. E daí? Se houver favor judicial, a imprensa que o denuncie. Se não, “não há como você regular a vida privada de uma autoridade pública”, reclamou Barroso. De novo, não é o que entende a Lei da Magistratura, que exige que os juízes não só ajam com “independência”, mas tenham “conduta irrepreensível na vida pública e particular”.

Com exegeses tão elásticas das regras da magistratura e do princípio constitucional da impessoalidade, não surpreende que ministros articulem a indicação de candidatos de sua predileção às cortes ou ao Ministério Público, nem que o presidente da República tenha se sentido tão confortável para indicar à Corte seu amigo e advogado, Cristiano Zanin.

Em 2023, uma proposta de resolução no Conselho Nacional de Justiça que daria mais transparência e controle à participação de juízes em eventos patrocinados foi derrubada no plenário. O povo, por meio de seus representantes eleitos no Congresso, estabeleceu em 2014 uma regra prevendo o impedimento do juiz nos processos em que a parte for cliente do escritório de advocacia de algum parente seu. Mas em 2023, numa ação da Associação dos Magistrados, o STF decidiu que este era um preconceito intolerável pela Constituição. Cinco dos sete ministros que votaram pela inconstitucionalidade têm parentes na advocacia.

Se alguém, por exemplo, questiona a idoneidade do ministro Dias Toffoli por suspender multas de uma empresa como a J&F, que tem entre seus defensores ex-juízes (como foi, por um tempo, o ex-ministro Ricardo Lewandowski) e parentes dos juízes, como a esposa do próprio Toffoli ou a de Zanin, há de ser por mera “implicância”. A promiscuidade, pelo jeito, está nos olhos de quem vê. Basta que a sociedade acredite que juízes como Toffoli pensam na solução correta e fazem o que tem de fazer.

Barroso, de sua parte, diz não ver necessidade de um código de ética para regular condutas dos ministros, donde se supõe que não veja condutas antiéticas a serem reguladas. Se é isso o que o chefe do Judiciário entende por Justiça “cega”, então a sociedade tem um problema.

O oportunismo a serviço da impunidade

O Estado de S. Paulo

Impedir que preso assine delação premiada será o fim do instituto na prática. A Lava Jato pode estar enterrada, mas o medo da Justiça ainda move políticos de todas as colorações partidárias

A Câmara caminha a passos largos para, na prática, acabar com o instituto da chamada delação premiada. No dia 12 passado, os deputados aprovaram em votação simbólica – ou seja, esquivando-se do ônus político de suas escolhas – um requerimento de urgência para a tramitação de um projeto de lei que impede a homologação judicial de acordos de colaboração firmados por quem está preso. Esse projeto, como se sabe, foi convenientemente desengavetado pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), como parte de um conjunto de medidas que têm sido urdidas em Brasília para, no limite, reabilitar política e juridicamente Jair Bolsonaro com vistas à eleição de 2026, sem prejuízo de outros interesses inconfessáveis.

Consta que entre os objetivos imediatos dos interessados no avanço da matéria está a nulidade do acordo de colaboração firmado pelo ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid, com a Polícia Federal (PF). O oportunismo do sr. Lira, que dorme e acorda pensando em manobras para influenciar na escolha de seu sucessor na presidência da Câmara, foi posto a serviço da impunidade. Com uma bancada de 95 deputados, o PL, partido de Bolsonaro, é fundamental para o plano de Lira de viabilizar um aliado no comando da Casa a partir de fevereiro de 2025.

É pouco crível, porém, que acordos já celebrados sejam atingidos pela nova legislação, haja vista que, por óbvio, são atos jurídicos perfeitos à luz da lei em vigor no momento em que foram firmados. Mas essa não parece ser uma preocupação no momento em Brasília.

Caso o projeto de lei ora reapresentado por um dos prepostos de Lira seja aprovado, não haverá mais incentivos para que potenciais colaboradores em liberdade auxiliem as autoridades na obtenção de provas contra criminosos mais graduados – o cerne dos acordos de colaboração. Afinal, um dos benefícios penais mais atraentes nesse tipo de barganha é justamente a liberdade de que o eventual colaborador já desfruta. Está-se diante, portanto, de uma operação sub-reptícia para dar fim à delação premiada sem que se diga à sociedade que, ao fim e ao cabo, é isso o que vai ocorrer.

Ademais, é comum associar a colaboração premiada aos chamados crimes de colarinho-branco. Mas o combate ao crime organizado que emprega meios violentos para executar suas atividades delitivas também poderá ser severamente comprometido. Não raro quem ousa denunciar membros graduados de violentas facções criminosas tem na prisão uma garantia de sua integridade física pelo Estado.

Um projeto de lei que já nasceu eivado de má-fé há oito anos – e assim permanece redivivo – não tem como dar em bom lugar. Proposto em 2016 pelo então deputado Wadih Damous (PT-RJ), hoje secretário nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública, o fim da delação premiada para indivíduos presos era a obsessão dos petistas no auge da Operação Lava Jato. A ideia surgiu do ódio não só à Lava Jato, como, sobretudo, às próprias delações premiadas, pois em não poucos casos foram elas que abriram o caminho para que a PF, o Ministério Público Federal (MPF) e o Poder Judiciário pudessem chegar às provas que levaram muitos políticos e empresários à condenação judicial pelo assalto à Petrobras durante os governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff.

A bem da verdade, houve muitos abusos e ilegalidades também. Pisoteando o princípio civilizatório do devido processo legal, a força-tarefa da Lava Jato forçou a decretação de prisões preventivas, sob a chancela do Poder Judiciário, sem que estivessem presentes os requisitos legais para essa drástica medida cautelar. Tudo para pressionar suspeitos em privação de liberdade a celebrar acordos de colaboração premiada. Como é evidente para os cidadãos de boa-fé, o problema não é nem nunca foi a delação por si só, mas sim a ilegalidade daquelas prisões.

Quase uma década depois, petistas e bolsonaristas se juntam nessa nova investida contra um dos mais eficientes meios de obtenção de prova contra membros de organizações criminosas. A página da Lava Jato pode ter sido virada, mas o medo da persecução criminal ainda move políticos de todas as colorações partidárias.

Não será por falta de aviso

O Estado de S. Paulo

Vasta área de São Paulo está sujeita a desastres climáticos, alerta Cemaden. É bom ouvir o órgão

A capital paulista e a região metropolitana de São Paulo estão entre as áreas mais críticas para desastres climáticos no País, segundo um levantamento feito pelo Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Portanto, em caso de uma nova tragédia ambiental no Estado, as autoridades não poderão alegar surpresa ou desconhecimento do perigo.

Nesse cenário, merece atenção a faixa leste, que inclui a região metropolitana, o ABC paulista e o litoral. Essas são áreas densamente povoadas e mais suscetíveis a inundações e deslizamentos de encostas. O aviso pode ajudar, sobretudo, a evitar perda de vidas, além de prejuízos bilionários.

O registro de precipitações acima de 80 milímetros em um único dia quadruplicou ao longo dos últimos 60 anos. Esse parâmetro acende o alerta, principalmente para as encostas. “Já estamos verificando os efeitos das mudanças climáticas. O número de desastres nos últimos anos realmente assusta”, disse Marcelo Seluchi, responsável pelo levantamento e coordenador-geral de Operação e Modelagem do Cemaden.

O receio se justifica. Em 2020, um temporal recorde levou ao transbordamento dos Rios Tietê e Pinheiros. Com 114 milímetros de precipitação, foi o maior volume de chuva em 37 anos. Nem os efeitos do fenômeno La Niña, que tendem a reduzir esse volume, são capazes de afastar temporais, dada a imprevisibilidade dos extremos climáticos. Some-se a isso o fantasma da seca, que já levou São Paulo ao limite e além de sua capacidade de abastecimento de água.

O governo estadual afirma que estão em construção cinco piscinões com os novos padrões de precipitação. Já a Prefeitura da capital diz que há oito piscinões em obras e mais três em fase de licitação. São medidas importantes, mas sempre se pode fazer mais, e há boas iniciativas a serem seguidas, como o “IPTU verde” – um desconto no imposto de imóveis que absorvam água da chuva em jardins –, o redimensionamento dos piscinões já existentes e o mapeamento de áreas de risco e remoção de moradores.

Blumenau, por exemplo, virou referência para o Brasil. A cidade às margens do Rio Itajaí-Açu implementou o AlertaBlu, uma ferramenta de comunicação com a população por meio de site ou aplicativo. O sistema avisa sobre enchente e deslizamento. Não é a panaceia, mas tem se mostrado um instrumento eficiente e com alta aprovação.

No ano passado, reportagem do Estadão mostrou que 132 mil imóveis na Grande São Paulo localizam-se em áreas de risco alto ou muito alto para deslizamentos e enchentes. A capital, até agora, não concluiu seu Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR), conforme previsto no Plano Diretor de 2014. A Justiça já cobra uma resposta, e a Prefeitura deve entregar o PMRR até o fim de junho, após afirmar que o crime organizado dificultou os trabalhos.

Seja qual for a causa desse atraso – ousadia dos bandidos ou ineficiência do poder público –, um plano é urgente. Aliás, eis um bom tema para debate na eleição deste ano, mais importante para a vida dos paulistanos do que as bobagens impulsionadas nas redes sociais.

País avança na saúde bucal

Correio Braziliense

Estima-se que as doenças bucais atinjam cerca de 3 bilhões de pessoas no mundo. No Brasil, levantamento Saúde Bucal Brasil 2020/2023 constatou que 53% das crianças de cinco anos estão livres de cáries

O Brasil avançou na adoção de políticas públicas em favor da saúde bucal. Na última quinta-feira, por ocasião dos 20 anos do programa Brasil Sorridente, a ministra da Saúde, Nísia Trindade, divulgou o resultado das últimas ações de enfrentamento na prevenção e tratamento de doenças da boca. Segundo o levantamento Saúde Bucal Brasil 2020/2023, 53% das crianças de cinco anos estão livres de cáries. Trata-se de um progresso em relação a 2010, quando esse índice era de 46%.

Duas décadas após o lançamento do Brasil Sorridente, o governo Lula ampliou os investimentos para ampliação da política de saúde. A ministra Nísia Trindade ressaltou a aplicação de R$ 4,3 bilhões em ações profiláticas, um aumento de 126% em relação ao ano passado. No cerne da estratégia, está evidente a prioridade ao atendimento de campo, com reforço na utilização de unidades móveis, novos centros de especialidades odontológicas e aquisição de equipamentos.

Estimam-se que as doenças bucais atinjam cerca de 3 bilhões de pessoas no mundo. Cárie, doença periodontal e câncer de boca configuram, nessa ordem, entre as ocorrências mais frequentes. É importante sublinhar que, muitas vezes, os males da boca refletem uma conjunção de questões ligadas à saúde, como hábitos alimentares com alto teor de açúcar, consumo excessivo de álcool, fumo e falta de higiene. Em relação às três incidências mais frequentes relativas à saúde bucal, ressalte-se que somente a primeira — a cárie — é mais evidente ao senso comum, com manifestação de dor. As outras duas tendem a progredir de forma silenciosa e têm potencial de alcançar um grau de difícil tratamento.

Nesse contexto, é importante ressaltar o papel da sociedade civil na conscientização sobre a saúde bucal. O engajamento começa em casa: a família tem grande responsabilidade na educação das crianças, pesadamente influenciadas pela indústria de alimentos e bebidas com quantidades exageradas de açúcar. É essencial, ainda, incutir nos pequenos o hábito de escovar os dentes, a fim de evitar o surgimento de lesões na superfície dental e/ou inflamações na gengiva. Visitas regulares ao dentista também devem entrar na rotina familiar. Iniciativas como o Brasil Sorridente vêm exatamente para atender a essa necessidade.

Na realidade brasileira, a ampliação do atendimento ortodôntico se torna um desafio considerando as dimensões continentais do país, bem como a profunda desigualdade no acesso a serviços de saúde. Constam entre os objetivos do governo federal o reforço na atenção, por exemplo, das populações ribeirinhas. Há um planejamento para se implementar a modalidade de sessão única, na qual problemas complexos — como tratamento de canal —são resolvidos em algumas horas.

Outra frente importante é a maior fluoretação da água oferecida pelos serviços públicos de abastecimento. Dados indicam que essa estratégia tem contribuído de modo relevante para a redução de doenças ortodônticas. Como se vê, é possível sorrir quando se fala de saúde pública no Brasil. Basta conjugar política pública responsável com consciência cidadã.

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