Alcance do PCC prova fracasso do Brasil no combate ao crime
O Globo
Expansão da facção revelada pelo GLOBO mostra
que passou da hora de o governo federal cumprir seu papel
Em 31 de agosto de 1993, surgia na Casa de
Custódia de Taubaté, em São Paulo, a
facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), criada sob o pretexto de
combater a opressão no sistema penitenciário e de evitar massacres como o do
Carandiru, que deixara 111 mortos um ano antes. Três décadas depois, o PCC
tornou-se uma potência do crime. Domina rotas internacionais do comércio de
drogas, controla presídios, influi nos índices de violência e
desafia governos, como mostrou
a série especial do GLOBO “Multinacional do tráfico”.
O foco no faturamento, especialmente a partir da ascensão do chefão Marcos Willians Herbas Camacho, ou Marcola, rapidamente expôs a realidade da organização criminosa. Nas últimas décadas, o PCC não só consolidou sua hegemonia nos presídios paulistas, como expandiu seus domínios para outros estados e países, despertando a atenção de autoridades internacionais. Em 2021, foi incluído numa lista de bloqueios do Departamento de Tesouro dos Estados Unidos.
O poderio criminoso do PCC deveria preocupar
a todos. Com faturamento estimado em pelo menos US$ 1 bilhão por ano (80%
provenientes do tráfico internacional), a facção atua em 24 países, reúne mais
de 40 mil integrantes e envia droga aos cinco continentes. Está presente em
praticamente todo o Brasil, em vários países da América Latina, nos Estados
Unidos e em parte da Europa e do Oriente Médio, segundo o grupo de Atuação
Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco), do Ministério Público de São
Paulo. Na expansão, estreitou laços com organizações criminosas de todo o
mundo.
Sob a vista das autoridades, o PCC se
profissionalizou em exportar drogas pelo Porto de Santos, o maior do país. O
esquema que embutia pequenas quantidades nas bagagens de marinheiros foi
substituído por carregamentos em contêineres ou por métodos mais sofisticados,
como esconder a carga no casco de navios com auxílio de mergulhadores.
Para consolidar seu poder e dar legitimidade
às ações criminosas, o PCC tem se infiltrado em atividades legais, repetindo
comportamento de milícias e máfias internacionais. Em abril, o
Ministério Público de São Paulo expôs os elos nefastos da facção com duas das
maiores empresas de ônibus da capital paulista, que prestavam
serviço a milhares de passageiros e recebiam recursos públicos. Segundo
investigações, empresas estabelecidas servem para lavar o dinheiro ilegal
obtido com o tráfico. Na semana passada, dezenas de
hotéis no centro da capital paulista foram fechados, sob a acusação de também
lavar dinheiro para a facção criminosa.
As disputas do PCC pelo controle das rotas do
tráfico com outras facções (como Comando Vermelho, do Rio, ou organizações
criminosas do Norte e Nordeste) exercem impacto direto na violência. Os índices
de criminalidade costumam flutuar ao sabor dos períodos de guerra e armistício
entre as quadrilhas. Rebeliões e massacres em presídios também refletem essas
tensões. Estudiosos de segurança afirmam que, não por acaso, em 2017 o Brasil
atingiu o maior número de mortes violentas já registrado num período de acirramento
dessas disputas.
Por mais que a União queira alegar que o
combate à violência é tarefa constitucional dos estados, está claro que as
unidades da Federação sozinhas não têm como enfrentar organizações criminosas
que se transformaram em multinacionais do crime, com faturamento que lhes
permite comprar armamento tão ou mais potente que o usado pelos agentes da lei.
A droga que vem de países produtores da América do Sul entra facilmente pelas
fronteiras, circula por rodovias movimentadas e sai sem problemas por portos e
aeroportos com destino a Estados Unidos e Europa. Tal controle evidentemente
compete à União.
Não surpreende que os índices de violência no
Brasil permaneçam altos, com pequenas oscilações nos últimos anos, a despeito
das políticas públicas. Pesquisas de opinião têm mostrado que a segurança é
hoje uma das principais preocupações dos brasileiros. O governo do presidente
Luiz Inácio Lula da
Silva, que enfrenta queda de popularidade, continua titubeante diante da
questão.
Não dá para ignorar que as cidades
brasileiras vivem uma rotina de insegurança e medo. Áreas dominadas pelo crime
onde o poder público não entra, populações achacadas por milicianos e
traficantes, presídios dominados, assaltos, estupros e assassinatos à luz do
dia transmitem sensação de anomia. Quem está no controle? É preciso reconhecer
que, apesar de vitórias pontuais, o Brasil tem fracassado no enfrentamento ao
crime organizado. Passou da hora de o governo federal assumir o papel que lhe
cabe na segurança pública.
Ele deve aos brasileiros um plano robusto
para enfrentar as organizações criminosas que amedrontam o país. É preciso
haver ação articulada com os estados, sob coordenação da União, integrando
todas as forças da lei. É fundamental também buscar cooperação internacional e
mirar o braço financeiro das quadrilhas, de modo a enfraquecê-las. As facções
se expandiram e se profissionalizaram, enquanto o Estado continua agindo com
amadorismo. Quanto mais tempo o governo levar para combatê-las, mais difícil
será o combate.
Política e burocracia erráticas atrasam o
país
Folha de S. Paulo
Competição justa, segurança jurídica,
equilíbrio fiscal e eficiência nos gastos deveriam ser consenso pluripartidário
As nações democráticas que atingiram estágios
avançados de desenvolvimento conciliaram, ao longo desse percurso, oposições
políticas ferozes com grandes consensos sobre o que não está em disputa.
O embate partidário jamais deveria ameaçar as
garantias individuais, o acesso ao governo e demais cargos representativos
por eleições limpas
e os controles institucionais que evitam o abuso do poder.
Acordos tácitos, mas não menos respeitados
por todos os contendores, também se decantaram no terreno econômico e no
social.
A disputa nos mercados deve ser tão limpa e
justa quanto na política, ao Estado cabendo perseguir a equidade de instrução
e saúde dos
cidadãos. Seguros solidários, como a Previdência e os programas assistenciais,
sustentam níveis mínimos de consumo de todos.
A solvência das contas públicas, a
estabilidade de preços, a eficiência e a probidade no emprego do dinheiro dos
impostos, bem como a previsibilidade das regras do jogo, são valores que
tampouco costumam ser desafiados nas experiências bem-sucedidas de desenvolvimento
democrático.
Dentro do campo delimitado por esses marcos,
há margem para divergências acentuadas. Há visões antagônicas e legítimas sobre
o nível da tributação, as prioridades do gasto público, a liberalização de
condutas, de costumes ou de armas de fogo, entre tantos outros temas divisivos.
Comparado a esse modelo que preserva grandes
consensos da disputa política, o Brasil revela o seu índice de
subdesenvolvimento.
Aqui o presidente da República se sente
autorizado a manipular preços de energia e a partidarizar
a gestão de uma empresa de vocação monopolista como a Petrobras.
Executivo e Legislativo não têm pruridos de
comprometer pontos percentuais do PIB com despesas a descoberto, que vão pesar
nos ombros das gerações futuras.
O Poder
Judiciário e o fisco promovem alterações constantes, inadvertidas e
custosas nas regras civis, penais e tributárias. Nessas convulsões normativas,
nem sequer o passado é previsível, conforme o chiste didático.
Um sem-número de exceções, privilégios e
vantagens obtidas pela proximidade com o poder distorce a competição econômica.
Os programas de educação e saúde
distanciam-se das boas práticas locais e internacionais e são facilmente
capturados seja por ideologias obscurantistas, seja por lobbies
corporativistas.
Políticos e burocratas no Brasil ignoram que
nem tudo deveria estar em jogo numa democracia que aspira ao desenvolvimento.
Enquanto não se emanciparem dessa mentalidade primitiva, o país não terá
chances de superar o atraso.
Juscelino e as emendas
Folha de S. Paulo
Indiciamento de ministro escancara mau uso de
montante escandaloso de verbas
O
indiciamento pela Polícia Federal do ministro Juscelino Filho (União Brasil-MA),
das Comunicações, é apenas um exemplo dos danos potenciais da multiplicação
desarvorada, nos últimos anos, de despesas de execução obrigatória incluídas
por deputados e senadores no Orçamento federal.
Mesmo que não venha a ser comprovado dolo, o
caso é vexatório.
Quando era deputado, Juscelino patrocinou
recursos de emendas para obras na cidade de Vitorino Freire (MA) —governada por
Luanna Rezende, sua irmã. Segundo a Controladoria-Geral da União, parte da
verba beneficiou propriedades da família do ministro.
Trata-se, no mínimo, de uso opaco do dinheiro
do contribuinte, sem avaliação
de mérito e prioridade, muito menos atenção a critérios de
impessoalidade.
As suspeitas surgiram de uma investigação da
Polícia Federal sobre indícios de irregularidades em investimentos da
estatal Codevasf,
particularmente os realizados em parceria com a empresa privada maranhense
Construservice.
A estatal é um dos principais destinos dos
gastos determinados por parlamentares em favor de seus redutos políticos
—correspondem a cerca de metade dos mais de R$ 2 bilhões a serem desembolsados
pela Codevasf neste ano.
O montante representa fração pequena, no
entanto, dos R$ 33,6 bilhões em emendas individuais e coletivas de execução
obrigatória em 2024. São recursos, de um Orçamento já deficitário, pulverizados
em iniciativas no mais das vezes paroquiais e eleitoreiras, para nem mencionar
os riscos de ilícitos.
A exorbitância da cifra reflete alterações
recentes no mecanismo de governança conhecido como presidencialismo de
coalizão, com fortalecimento
do Congresso Nacional ao longo do último decênio, acompanhado pela
redução do poder do Palácio do Planalto.
É sintomático que Luiz Inácio Lula da
Silva (PT) não tenha afastado seu ministro indiciado por corrupção passiva,
organização criminosa, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e fraude em
licitação.
Sem normas mínimas de transparência para controle e gestão desses gastos, novos
escândalos virão.
A ética elástica do Judiciário
O Estado de S. Paulo
Quando chefe do STF não vê problema se juízes
se relacionam com empresários, negociam indicações e julgam casos de
escritórios de advocacia de parentes, a sociedade tem um problema
Em entrevista ao programa Roda Viva, o
presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luís Roberto Barroso, manifestou
incômodo com a “implicância” – palavra dele – de quem questiona a convivência
de ministros e magistrados com políticos e empresários em eventos corporativos
ou festivos. “Há incompreensão, percepção equivocada de que ministros do
Supremo sejam disponíveis a qualquer influência”, disse. “É um equívoco achar
que as pessoas chegam a essa altura da vida disponíveis a qualquer tipo de
sedução, como uma passagem para ir à Europa ou um hotel de qualidade. A maior
parte das pessoas que está lá tem toda a condição de ir sem ser convidada.” Ou
seja, como os juízes podem bancar seus luxos, não há problema quando terceiros
os bancam. Ao comentar casos julgados por ministros que têm parentes nas bancas
advocatícias que defendem uma das partes, contemporizou: “Tudo o que um
ministro do Supremo faz está sujeito a um escrutínio público, (...) se houver
alguma coisa errada, (a imprensa) vai contar a todo mundo”.
Tudo se passa como se não houvesse conflitos
de interesse objetivos e comportamentos inadequados a priori. A isenção
dos juízes só pode ser questionada a posteriori, depois de decisões
parciais. A sociedade que se satisfaça com a convicção do magistrado sobre seu
próprio caráter – “Depois que eu penso qual é a solução correta, não tem
pedido, não tem favor, não tem pressão econômica, eu faço o que tenho que
fazer”.
Não é esse o entendimento do Código de Ética
da Magistratura, que exige que o juiz evite “todo o tipo de comportamento que
possa refletir favoritismo, predisposição ou preconceito”. Não se trata só de
não favorecer, mas de evitar a impressão de favorecimento. Não basta ser
imparcial, é preciso parecer.
Mas essas aparências estão se perdendo num
melê ético. A liturgia do cargo é cada vez mais irrelevante. Ministros promovem
“fóruns” na Europa bancados com patrocínios de empresas com processos no STF,
onde prestigiam corruptos confessos e condenados. E daí? Se houver favor
judicial, a imprensa que o denuncie. Se não, “não há como você regular a vida
privada de uma autoridade pública”, reclamou Barroso. De novo, não é o que
entende a Lei da Magistratura, que exige que os juízes não só ajam com
“independência”, mas tenham “conduta irrepreensível na vida pública e
particular”.
Com exegeses tão elásticas das regras da
magistratura e do princípio constitucional da impessoalidade, não surpreende
que ministros articulem a indicação de candidatos de sua predileção às cortes
ou ao Ministério Público, nem que o presidente da República tenha se sentido
tão confortável para indicar à Corte seu amigo e advogado, Cristiano Zanin.
Em 2023, uma proposta de resolução no
Conselho Nacional de Justiça que daria mais transparência e controle à
participação de juízes em eventos patrocinados foi derrubada no plenário. O
povo, por meio de seus representantes eleitos no Congresso, estabeleceu em 2014
uma regra prevendo o impedimento do juiz nos processos em que a parte for
cliente do escritório de advocacia de algum parente seu. Mas em 2023, numa ação
da Associação dos Magistrados, o STF decidiu que este era um preconceito
intolerável pela Constituição. Cinco dos sete ministros que votaram pela
inconstitucionalidade têm parentes na advocacia.
Se alguém, por exemplo, questiona a
idoneidade do ministro Dias Toffoli por suspender multas de uma empresa como a
J&F, que tem entre seus defensores ex-juízes (como foi, por um tempo, o
ex-ministro Ricardo Lewandowski) e parentes dos juízes, como a esposa do
próprio Toffoli ou a de Zanin, há de ser por mera “implicância”. A
promiscuidade, pelo jeito, está nos olhos de quem vê. Basta que a sociedade
acredite que juízes como Toffoli pensam na solução correta e fazem o que tem de
fazer.
Barroso, de sua parte, diz não ver
necessidade de um código de ética para regular condutas dos ministros, donde se
supõe que não veja condutas antiéticas a serem reguladas. Se é isso o que o
chefe do Judiciário entende por Justiça “cega”, então a sociedade tem um
problema.
O oportunismo a serviço da impunidade
O Estado de S. Paulo
Impedir que preso assine delação premiada
será o fim do instituto na prática. A Lava Jato pode estar enterrada, mas o
medo da Justiça ainda move políticos de todas as colorações partidárias
A Câmara caminha a passos largos para, na
prática, acabar com o instituto da chamada delação premiada. No dia 12 passado,
os deputados aprovaram em votação simbólica – ou seja, esquivando-se do ônus
político de suas escolhas – um requerimento de urgência para a tramitação de um
projeto de lei que impede a homologação judicial de acordos de colaboração
firmados por quem está preso. Esse projeto, como se sabe, foi convenientemente
desengavetado pelo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL), como parte de um conjunto
de medidas que têm sido urdidas em Brasília para, no limite, reabilitar
política e juridicamente Jair Bolsonaro com vistas à eleição de 2026, sem
prejuízo de outros interesses inconfessáveis.
Consta que entre os objetivos imediatos dos
interessados no avanço da matéria está a nulidade do acordo de colaboração
firmado pelo ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, o tenente-coronel Mauro Cid,
com a Polícia Federal (PF). O oportunismo do sr. Lira, que dorme e acorda
pensando em manobras para influenciar na escolha de seu sucessor na presidência
da Câmara, foi posto a serviço da impunidade. Com uma bancada de 95 deputados,
o PL, partido de Bolsonaro, é fundamental para o plano de Lira de viabilizar um
aliado no comando da Casa a partir de fevereiro de 2025.
É pouco crível, porém, que acordos já
celebrados sejam atingidos pela nova legislação, haja vista que, por óbvio, são
atos jurídicos perfeitos à luz da lei em vigor no momento em que foram
firmados. Mas essa não parece ser uma preocupação no momento em Brasília.
Caso o projeto de lei ora reapresentado por
um dos prepostos de Lira seja aprovado, não haverá mais incentivos para que
potenciais colaboradores em liberdade auxiliem as autoridades na obtenção de
provas contra criminosos mais graduados – o cerne dos acordos de colaboração.
Afinal, um dos benefícios penais mais atraentes nesse tipo de barganha é
justamente a liberdade de que o eventual colaborador já desfruta. Está-se
diante, portanto, de uma operação sub-reptícia para dar fim à delação premiada
sem que se diga à sociedade que, ao fim e ao cabo, é isso o que vai ocorrer.
Ademais, é comum associar a colaboração
premiada aos chamados crimes de colarinho-branco. Mas o combate ao crime
organizado que emprega meios violentos para executar suas atividades delitivas
também poderá ser severamente comprometido. Não raro quem ousa denunciar
membros graduados de violentas facções criminosas tem na prisão uma garantia de
sua integridade física pelo Estado.
Um projeto de lei que já nasceu eivado de
má-fé há oito anos – e assim permanece redivivo – não tem como dar em bom
lugar. Proposto em 2016 pelo então deputado Wadih Damous (PT-RJ), hoje
secretário nacional do Consumidor do Ministério da Justiça e Segurança Pública,
o fim da delação premiada para indivíduos presos era a obsessão dos petistas no
auge da Operação Lava Jato. A ideia surgiu do ódio não só à Lava Jato, como,
sobretudo, às próprias delações premiadas, pois em não poucos casos foram elas
que abriram o caminho para que a PF, o Ministério Público Federal (MPF) e o
Poder Judiciário pudessem chegar às provas que levaram muitos políticos e
empresários à condenação judicial pelo assalto à Petrobras durante os governos
de Lula da Silva e Dilma Rousseff.
A bem da verdade, houve muitos abusos e
ilegalidades também. Pisoteando o princípio civilizatório do devido processo
legal, a força-tarefa da Lava Jato forçou a decretação de prisões preventivas,
sob a chancela do Poder Judiciário, sem que estivessem presentes os requisitos
legais para essa drástica medida cautelar. Tudo para pressionar suspeitos em
privação de liberdade a celebrar acordos de colaboração premiada. Como é
evidente para os cidadãos de boa-fé, o problema não é nem nunca foi a delação
por si só, mas sim a ilegalidade daquelas prisões.
Quase uma década depois, petistas e
bolsonaristas se juntam nessa nova investida contra um dos mais eficientes
meios de obtenção de prova contra membros de organizações criminosas. A página
da Lava Jato pode ter sido virada, mas o medo da persecução criminal ainda move
políticos de todas as colorações partidárias.
Não será por falta de aviso
O Estado de S. Paulo
Vasta área de São Paulo está sujeita a
desastres climáticos, alerta Cemaden. É bom ouvir o órgão
A capital paulista e a região metropolitana
de São Paulo estão entre as áreas mais críticas para desastres climáticos no
País, segundo um levantamento feito pelo Centro Nacional de Monitoramento e
Alertas de Desastres Naturais (Cemaden). Portanto, em caso de uma nova tragédia
ambiental no Estado, as autoridades não poderão alegar surpresa ou
desconhecimento do perigo.
Nesse cenário, merece atenção a faixa leste,
que inclui a região metropolitana, o ABC paulista e o litoral. Essas são áreas
densamente povoadas e mais suscetíveis a inundações e deslizamentos de
encostas. O aviso pode ajudar, sobretudo, a evitar perda de vidas, além de
prejuízos bilionários.
O registro de precipitações acima de 80
milímetros em um único dia quadruplicou ao longo dos últimos 60 anos. Esse
parâmetro acende o alerta, principalmente para as encostas. “Já estamos
verificando os efeitos das mudanças climáticas. O número de desastres nos
últimos anos realmente assusta”, disse Marcelo Seluchi, responsável pelo
levantamento e coordenador-geral de Operação e Modelagem do Cemaden.
O receio se justifica. Em 2020, um temporal
recorde levou ao transbordamento dos Rios Tietê e Pinheiros. Com 114 milímetros
de precipitação, foi o maior volume de chuva em 37 anos. Nem os efeitos do
fenômeno La Niña, que tendem a reduzir esse volume, são capazes de afastar
temporais, dada a imprevisibilidade dos extremos climáticos. Some-se a isso o
fantasma da seca, que já levou São Paulo ao limite e além de sua capacidade de
abastecimento de água.
O governo estadual afirma que estão em
construção cinco piscinões com os novos padrões de precipitação. Já a
Prefeitura da capital diz que há oito piscinões em obras e mais três em fase de
licitação. São medidas importantes, mas sempre se pode fazer mais, e há boas
iniciativas a serem seguidas, como o “IPTU verde” – um desconto no imposto de
imóveis que absorvam água da chuva em jardins –, o redimensionamento dos
piscinões já existentes e o mapeamento de áreas de risco e remoção de
moradores.
Blumenau, por exemplo, virou referência para
o Brasil. A cidade às margens do Rio Itajaí-Açu implementou o AlertaBlu, uma
ferramenta de comunicação com a população por meio de site ou aplicativo. O
sistema avisa sobre enchente e deslizamento. Não é a panaceia, mas tem se
mostrado um instrumento eficiente e com alta aprovação.
No ano passado, reportagem do Estadão mostrou
que 132 mil imóveis na Grande São Paulo localizam-se em áreas de risco alto ou
muito alto para deslizamentos e enchentes. A capital, até agora, não concluiu
seu Plano Municipal de Redução de Riscos (PMRR), conforme previsto no Plano
Diretor de 2014. A Justiça já cobra uma resposta, e a Prefeitura deve entregar
o PMRR até o fim de junho, após afirmar que o crime organizado dificultou os
trabalhos.
Seja qual for a causa desse atraso – ousadia dos bandidos ou ineficiência do poder público –, um plano é urgente. Aliás, eis um bom tema para debate na eleição deste ano, mais importante para a vida dos paulistanos do que as bobagens impulsionadas nas redes sociais.
País avança na saúde bucal
Correio Braziliense
Estima-se que as doenças bucais atinjam cerca
de 3 bilhões de pessoas no mundo. No Brasil, levantamento Saúde Bucal Brasil
2020/2023 constatou que 53% das crianças de cinco anos estão livres de cáries
O Brasil avançou na adoção de políticas
públicas em favor da saúde bucal. Na última quinta-feira, por ocasião dos 20
anos do programa Brasil Sorridente, a ministra da Saúde, Nísia Trindade,
divulgou o resultado das últimas ações de enfrentamento na prevenção e
tratamento de doenças da boca. Segundo o levantamento Saúde Bucal Brasil
2020/2023, 53% das crianças de cinco anos estão livres de cáries. Trata-se de
um progresso em relação a 2010, quando esse índice era de 46%.
Duas décadas após o lançamento do Brasil
Sorridente, o governo Lula ampliou os investimentos para ampliação da política
de saúde. A ministra Nísia Trindade ressaltou a aplicação de R$ 4,3 bilhões em
ações profiláticas, um aumento de 126% em relação ao ano passado. No cerne da
estratégia, está evidente a prioridade ao atendimento de campo, com reforço na
utilização de unidades móveis, novos centros de especialidades odontológicas e
aquisição de equipamentos.
Estimam-se que as doenças bucais atinjam
cerca de 3 bilhões de pessoas no mundo. Cárie, doença periodontal e câncer de
boca configuram, nessa ordem, entre as ocorrências mais frequentes. É
importante sublinhar que, muitas vezes, os males da boca refletem uma conjunção
de questões ligadas à saúde, como hábitos alimentares com alto teor de açúcar,
consumo excessivo de álcool, fumo e falta de higiene. Em relação às três
incidências mais frequentes relativas à saúde bucal, ressalte-se que somente a
primeira — a cárie — é mais evidente ao senso comum, com manifestação de dor.
As outras duas tendem a progredir de forma silenciosa e têm potencial de
alcançar um grau de difícil tratamento.
Nesse contexto, é importante ressaltar o
papel da sociedade civil na conscientização sobre a saúde bucal. O engajamento
começa em casa: a família tem grande responsabilidade na educação das crianças,
pesadamente influenciadas pela indústria de alimentos e bebidas com quantidades
exageradas de açúcar. É essencial, ainda, incutir nos pequenos o hábito de
escovar os dentes, a fim de evitar o surgimento de lesões na superfície dental
e/ou inflamações na gengiva. Visitas regulares ao dentista também devem entrar
na rotina familiar. Iniciativas como o Brasil Sorridente vêm exatamente para
atender a essa necessidade.
Na realidade brasileira, a ampliação do
atendimento ortodôntico se torna um desafio considerando as dimensões
continentais do país, bem como a profunda desigualdade no acesso a serviços de
saúde. Constam entre os objetivos do governo federal o reforço na atenção, por
exemplo, das populações ribeirinhas. Há um planejamento para se implementar a
modalidade de sessão única, na qual problemas complexos — como tratamento
de canal —são resolvidos em algumas horas.
Outra frente importante é a maior fluoretação da água oferecida pelos serviços públicos de abastecimento. Dados indicam que essa estratégia tem contribuído de modo relevante para a redução de doenças ortodônticas. Como se vê, é possível sorrir quando se fala de saúde pública no Brasil. Basta conjugar política pública responsável com consciência cidadã.
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