sábado, 1 de junho de 2024

Pablo Ortellado - Chico Bosco tem razão!

O Globo

As universidades são mesmo muito de esquerda. Mas esse problema não foi gerado por uma conspiração

Na semana passada, Francisco Bosco concedeu ao jornal O Estado de S.Paulo uma entrevista sobre seu novo livro, “Meia palavra basta”. A certa altura, observou que nas universidades predominam visões políticas de esquerda e reconheceu que, com respeito a esse ponto específico e sem que tenha dito da melhor maneira, Olavo de Carvalho tinha razão. A menção ao infame ideólogo do bolsonarismo acendeu a fábrica de cancelamentos, e o necessário debate sobre a pluralidade política na universidade foi trocado pela condenação moral do ensaísta.

Embora não tenhamos dados sobre a inclinação política dos professores universitários no Brasil, é razoável supor que ela não seja diferente de noutros países onde foi estudada. Desde os anos 1950 nos Estados Unidos e desde os anos 1980 na Europa, temos boas evidências empíricas de que os professores universitários são bem mais de esquerda que a população e de que essa concentração tem se acentuado nas últimas décadas. Alguns ativistas de direita atribuem isso a uma espécie de projeto político que denominam “marxismo cultural”. Não há nenhuma evidência que corrobore essa explicação conspiratória. Há, porém, boas explicações sociológicas para o que ocorre.

Não é incomum que meios profissionais sejam politicamente homogêneos. Militares e profissionais de segurança são mais conservadores, profissionais do mercado financeiro são mais liberais na economia, e artistas são mais progressistas. Herman van de Werfhorst estudou a homogeneidade de opiniões políticas em grupos profissionais na Europa em artigo de 2020 e descobriu que, embora os professores universitários sejam mais de esquerda que a média da população, não são mais homogêneos politicamente que outras categorias. Os professores são tão de esquerda quanto os militares são de direita, e isso não é explicado por uma conspiração — é um padrão social que encontramos em muitas ocupações.

Embora os professores sejam mais de esquerda, também não é necessariamente verdade que essa inclinação política se traduza em proselitismo na sala de aula e, muito menos, que esse eventual proselitismo seja eficaz. Um estudo de 2008 de Mack Mariani e Gordon Hewitt mostrou mais uma vez que os professores universitários se situam mais à esquerda no espectro político. O estudo, porém, foi além e mediu também a identidade política dos estudantes no primeiro ano e sua identidade quando se graduavam para ver se a exposição a um corpo docente predominantemente de esquerda tivera impacto significativo.

A análise mostrou que, depois da passagem pelo ensino superior, 57% dos estudantes mantiveram a orientação política inicial, 27% moveram-se para a esquerda, e 16% moveram-se para a direita. Uma regressão múltipla revelou que a orientação política dos professores na instituição não teve impacto estatisticamente significativo na mudança de orientação política dos estudantes.

É uma pena que a entrevista de Bosco tenha levado a mais uma obtusa tentativa de cancelamento, e não disparado uma reflexão mais aprofundada sobre o problema. As universidades são mesmo muito de esquerda. Mas esse problema não foi gerado por uma conspiração do marxismo cultural, nem produz uma máquina de doutrinação comunista.

Não termos professores de direita faz com que nossos estudantes não sejam expostos a uma pluralidade de pontos de vista, e isso lhes traz prejuízo epistêmico. O predomínio da esquerda também abala a confiança dos eleitores de direita na universidade, o que pode vir a comprometer o seu financiamento público — como vimos na proposta de fechar a Uerj em 2021. Finalmente, a falta de professores de direita faz com que esse campo político não disponha de quadros intelectuais mais sofisticados. Sem esses intelectuais de direita, as ideias políticas do campo são mais selvagens e radicais, e a direita tem menos presença no debate público sério e na formulação de políticas públicas. Tudo isso é muito ruim para a democracia.

 

2 comentários:

  1. A direita que emergiu no Brasil é apavorante.

    ResponderExcluir
  2. Muito bom! E, como o Ademar apontou, a direita TROGLODITA que apoia Bolsonaro e sua política criminosa é assustadora! É só olhar os ministros da Educação do GENOCIDA, canalhas SEM EDUCAÇÃO, e o ministro do Meio Ambiente, um CRIMINOSO AMBIENTAL já condenado!

    ResponderExcluir