sábado, 1 de junho de 2024

Carlos Alberto Sardenberg - A destruição das federais

O Globo

Professores e funcionários, no geral, não topam conversa sobre ganhos de produtividade, avaliação de desempenho

A greve dos docentes das universidades federais chega a 60 dias, aproximando-se do movimento de 2015, que deixou as faculdades paradas por mais de cem dias. Há muitas semelhanças: o governo é do PT, e os professores são representados por dois sindicatos que não se entendem, um petista (Proifes), outro mais à esquerda (Andes).

O Ministério da Gestão, petista, acertou um acordo com o Proifes (reajuste salarial e fim da greve), mas o Andes foi à Justiça e derrubou o acerto. Estaca zero.

Reparem: 60 dias de greve em escolas públicas, que vivem do dinheiro do contribuinte, era para ser um desastre nacional. Milhares de alunos sem aulas e tudo bem? Dinheiro público pode ser assim tratado?

Grevistas costumam culpar a imprensa por deixar de lado o noticiário a respeito. Engano. O assunto desaparece também das esferas políticas. O PT fica numa saia justa. As oposições

Quando o governo é do centro à direita, professores, alunos e servidores, à esquerda, denunciam arrochos, mas não conseguem fazer grandes manifestações por temor de represálias. Também porque um governo à direita pode simplesmente esquecer a greve e deixar que o pessoal das federais sofra o desgaste social. Quantos milhares de alunos perdem as formaturas e, pois, empregos?

Quando o governo é do PT, certamente não há repressão. Além disso, os docentes encontram no governo os companheiros, que compartilham suas reivindicações. Aí a saia justa: a administração tem de controlar as contas, acertar com o Haddad e, como se sabe, o dinheiro é curto. Logo, como fez o Ministério da Gestão, tenta controlar a situação na conversa. “Greve contra a gente?” Ou o governo tortura as contas para arranjar algum trocado, de preferência para o ano seguinte.

O orçamento das federais deste ano é de R$ 6,2 bilhões. Os grevistas querem pelo menos mais R$ 2,5 bilhões. Não faz o menor sentido. Querem mais salário e mais dinheiro do governo, quando há grave dificuldade nas finanças públicas, com déficits e aumento de dívida pública já contratados. O momento é de reduzir gastos e ganhar eficiência.

Ninguém quer saber disso nas federais. Professores e funcionários, no geral, não topam conversa sobre ganhos de produtividade, avaliação de desempenho e mérito para subir na carreira. Muitos servidores compreendem que as federais precisam de uma profunda reforma administrativa e pedagógica — mas, sabem como é, os militantes dominam a cena, impõem a agenda. Os outros vão na onda, alguns tentam manter seus cursos funcionando, os demais simplesmente deixam pra lá. Não vale a pena brigar ou não há condições para isso, dizem-me muitos professores.

Nesse ambiente, ninguém ousa dizer que o ensino superior federal precisa obter fontes de renda, em alta escala, no setor privado. Por exemplo: vender serviços, como pesquisas ou desenvolvimento de projetos para empresas; cobrar taxas de alunos que podem pagar; ou fazer coisas mais prosaicas, como cobrar pelas vagas nos imensos estacionamentos. Quem tem carro pode pagar pela vaga, não é mesmo? Ainda mais estudando de graça.

Segue em curso um cuidadoso trabalho de destruição das universidades federais. Perdem qualidade progressivamente, desperdiçam o suado dinheiro do contribuinte e não cumprem sua função de instituições públicas. Não deveria haver um mínimo de patriotismo, de noção de serviço público? Um mal-estar com dois meses sem trabalhar? Afinal, os salários não são miseráveis, e todos são pagos em dia, mesmo durante as longas greves.

Isso deveria gerar mais responsabilidade, não é mesmo? Mas tem gerado apenas militância “contra o arrocho” ou um difuso sentimento de “é assim mesmo”. É mesmo, com os programas de reposição de aulas, tipo três meses em um. Ou os alunos perdem formaturas ou recebem ensino precarizado.

Assim gastam R$ 6,2 bilhões dos impostos tomados dos contribuintes. Há nove anos, escrevi aqui mesmo uma coluna com este mesmo teor. Repito agora porque, desgraçadamente, nada mudou. Piorou.

 

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