quinta-feira, 13 de junho de 2024

Philippe Legrain* - A Europa deve enfrentar a extrema direita

Valor Econômico

Risco da complacência ou da acomodação é que a extrema direita coopte a centro-direita, em vez do contrário

Partidos de extrema direita tiveram um desempenho excepcional nas eleições para o Parlamento Europeu. Ganharam quase 25% dos assentos, pouco atrás da centro-direita.

Diante de uma Europa já cambaleante com a guerra na Ucrânia, a ameaça de um retorno de Donald Trump nos EUA, a estagnação dos padrões de vida, o sobrecarregamento dos sistemas de bem-estar social e eventos climáticos extremos, os nacionalistas representam grave ameaça. Esses partidos nutrem simpatia por Vladimir Putin e são abertamente hostis às políticas verdes, aos migrantes e às instituições da União Europeia.

Os partidos pró-europeus tradicionais têm três grandes opções de resposta: complacência, cooptação ou contra-ataque. Comecemos por manter tudo como sempre. Muitos europeus acreditam - incorretamente - que as eleições da UE são inconsequentes. A participação é muito menor do que nas eleições nacionais e muitos optam por fazer votos de protesto, em geral contra os partidos governantes.

E, mesmo assim, os partidos pró-UE ainda terão maioria. Na verdade, o Partido Popular Europeu (PPE), de centro-direita, liderado pela presidente da Comissão Europeia (CE), Ursula von der Leyen, até ganhou assentos.

Além disso, os partidos de extrema direita têm profundas divisões. Estão rachados em dois grupos parlamentares rivais, e alguns não se agregam a nenhum lado. Discordam em temas como a guerra na Ucrânia, a política econômica, os direitos LGBTQ e, o que é crucial, sobre trabalhar dentro do sistema da UE ou contra ele. Inevitavelmente, essas divisões diluem sua influência.

A complacência, porém, é perigosa. O centro só se manteve firme porque é definido de forma cada vez mais ampla. Engloba não apenas o PPE e os Socialistas e Democratas (S&D), mas também os liberais clássicos e sociais do Renovar a Europa e os Verdes. Von der Leyen parece ter votos suficientes para ser reeleita como presidente da CE, mas apenas por pouco. Isso está longe de ser sinal de um centro pró-UE forte e estável, em especial porque o PPE ganhou terreno, em parte, ao fazer campanha contra a agenda verde do bloco.

Ainda mais preocupante, as eleições reordenaram o cenário político em países fundamentais. O extremista Alternativa para a Alemanha (AfD), mesmo tendo tendências neonazistas e laços questionáveis com a Rússia e a China, ficou em segundo lugar no país, à frente dos Social-Democratas (SPD) do premiê Olaf Scholz. Na França, o Reagrupamento Nacional (RN) obteve 32% dos votos, mais que o dobro dos aliados centristas de Emmanuel Macron - uma derrota que levou o presidente a convocar uma eleição antecipada. Os dois líderes mais poderosos da Europa, portanto, estão enfraquecidos, uma situação com potencial para deixar o bloco sem rumo diante de imensos desafios econômicos, de segurança e climáticos.

A segunda opção é acomodação, quadro comum nas esferas nacionais. Muitos partidos de centro-direita adotam a linguagem e as políticas da extrema direita, em especial quanto à migração (assim como alguns de centro-esquerda). Em vários países-membros, eles até governam juntos.

Na esfera da UE, os mais pragmáticos argumentam que alguns partidos extremistas podem ser cooptados para o conservadorismo tradicional. Basta ver como Von der Leyen corteja a premiê da Itália, Giorgia Meloni, que tem se retratado como uma conservadora tradicional, apesar das raízes neofascistas de seu partido, e tem melhorado sua visibilidade ao trabalhar com, em vez de contra, as instituições da UE.

O risco é que a extrema direita coopte a centro-direita, em vez do contrário. Veja como a abordagem da UE aos solicitantes de asilo passou da política acolhedora da então premiê alemã Angela Merkel, em 2015, para a hostilidade quase universal de hoje. Além disso, a extrema direita pode ganhar força à medida que suas opiniões são normalizadas, como evidenciado pela vitória do Partido pela Liberdade (PVV), de Geert Wilders, nas eleições gerais holandesas em 2023.

Eleições europeias reordenaram o cenário político na França e na Alemanha. Os dois líderes mais poderosos da Europa estão enfraquecidos, em uma situação com potencial para deixar o bloco sem rumo diante de imensos desafios econômicos, de segurança e climáticos

Mais do que tudo isso, abraçar a extrema direita pode sair espetacularmente pela culatra. Por exemplo, o partido Fidesz, do premiê da Hungria, Viktor Orbán, já fez parte do PPE; agora ele é um renegado pró-Putin que despreza o Estado de Direito e os direitos democráticos. E, embora Meloni possa ser palatável para alguns centristas, ninguém parece estar ansioso para trabalhar com o Reagrupamento Nacional, muito menos com o AfD.

Isso deixa a terceira opção: lutar. Macron optou por seguir esse rumo ao convocar uma eleição legislativa antecipada. A decisão é vista como um jogo de alto risco, dada a impopularidade de Macron e o humor hostil do eleitorado. A França poderia acabar elegendo um premiê de extrema direita em julho. Nesse caso, Macron se tornaria, em seus restantes três anos de mandato, o chamado “pato manco”, com pouco poder de influência real.

Sua posição, porém, já estava enfraquecida e sua coalizão, que carece de maioria, corria o risco de perder uma moção de desconfiança. Ao dissolver o parlamento, Macron retomou a iniciativa, criando dois caminhos possíveis para derrotar a extrema direita.

No primeiro, a campanha pode direcionar a atenção à ameaça da extrema direita, o que poderia ajudar Macron a arregimentar uma maioria composta por partidos de esquerda e direita, unidos no desejo de manter o RN. Dada a impopularidade de Macron, isso parece um tanto improvável.

De modo mais plausível, Macron poderia direcionar a extrema direita para o fracasso. Os populistas costumam ter um desempenho melhor quando são forasteiros desafiando partidos estabelecidos do que quando estão no poder. Veja como os conservadores no Reino Unido, após cumprirem a promessa do Brexit, se viram confrontados pela realidade, e como a popularidade do PVV de Wilders já caiu agora que está no governo.

Se o RN ganhar a maioria ou acabar liderando uma coalizão mais ampla de direita, provavelmente enfrentará as duras responsabilidades de governar - entre as quais tomar decisões difíceis sobre questões fiscais e sobre como (ou se) deve cooperar com as instituições da UE. Caso modere suas políticas linha-dura, isso poderia corroer seu poder de atração como uma força contra o establishment; caso as coloque em vigor, poderia mergulhar o país em uma crise. De uma forma ou de outra, isso poderia enfraquecer a popularidade de sua líder, Marine Le Pen, antes de sua provável candidatura presidencial. Melhor um premiê de extrema direita em 2024 do que um presidente de extrema direita em 2027. (Tradução de Sabino Ahumada)

*Philippe Legrain, ex-assessor econômico do presidente da Comissão Europeia, é pesquisador visitante sênior do Instituto Europeu e da London School of Economics. 

 

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