Valor Econômico
Lula não menciona ao PT a perspectiva de o seu partido ter que se dobrar a um ajuste
Um presidente pode esfriar crises ao viajar
ou levá-las a bordo. Luiz Inácio Lula da Silva decolou rumo a Genebra
desincumbido de ambas as tarefas. O impacto de sua ausência, depois da
humilhação causada pela devolução de uma medida provisória, é quase nulo.
Lula associou-se ao gesto desde a véspera,
quando conversou sobre a MP do PIS/Cofins com o senador Rodrigo Pacheco
(PSD-MG). Prosseguiu na toada ao antecipar a devolução da MP ao presidente da
CNI, Ricardo Alban, e ao autorizar seu líder no Senado, Jaques Wagner (PT-BA),
a aplaudir o gesto do presidente da Casa.
Se pretendia deixar claro que a devolução da medida tinha no ministro da Fazenda seu único responsável foi bem sucedido, mas o gesto não aproxima seu governo de uma solução. A MP foi enviada ao Congresso durante viagem de Fernando Haddad ao exterior sem que os ministros dos setores mais atingidos por seus efeitos tivessem tido conhecimento de seu teor.
Foi levada adiante a despeito de resistências
de quem tomou conhecimento prévio de seu teor e das evidências de que a corda
da recuperação de receitas, mais do que esgarçada, já ameaçava ruir a base de
apoio empresarial que a Fazenda conquistara.
Além disso, reafirmou a opção por MP em
detrimento de um projeto de lei com urgência. E, por fim, desprezou o risco de
uma conjuntura sensível transformar em ruído toda sílaba da principal
autoridade econômica do país, como aconteceu no encontro com o presidente do
Santander e operadores do banco.
Nada demoveu o ministro do seu afã de
convencer a nação de que, além de não ser mais possível conviver com benefícios
tributários e creditícios da ordem de 6% do PIB, como apontou o relatório do
TCU sobre as contas do governo, sobram fraudes. Preferiu reafirmar a pedagogia
do poder que o caracteriza (e irrita seus adversários) a recuar.
O insucesso obrigará a Fazenda a buscar
alternativas junto ao Senado e, principalmente, ao STF, para repor a receita.
Conhece-se menos dessas alternativas do que das medidas com as quais o ministro
pretende sinalizar um ajuste de longo prazo e salvar o arcabouço fiscal, como a
submissão da educação, da saúde e dos benefícios sociais e previdenciários aos
seus limites.
Por estarem previstas na Constituição, essas
despesas só mudam com quórum de 3/5 do Congresso. A maior resistência
concentra-se no PT. Por mais convergência ideológica que tenha com medidas do
gênero, o Centrão não vai arcar com o desgaste da adesão se o partido do
presidente não o fizer.
“Ninguém aqui é irresponsável”, é o que se
ouve no entorno do presidente da República sobre a recepção aos estudos da
Fazenda sobre o tema. A percepção de que é a sucessão de Roberto Campos Neto no
Banco Central que amplifica os ruídos não impedirá Lula de examinar as
alternativas.
Para convencer o PT, primeiro Lula terá que
ser convencido. Nos contatos que teve com petistas, ao longo da escalada de
tensões que precederam a devolução da MP, o presidente não mencionou a
perspectiva de o partido ter que se dobrar a um ajuste. Nem mesmo da maneira
como aconteceu na votação do arcabouço fiscal, quando 22 deputados do PT
votaram a favor com uma declaração crítica.
Um petista que tem sido ouvido pelo
presidente não desconhece a pressão fiscal, mas não vê como coadunar as
concessões com aquilo que o presidente pretende. Lula pediu, por exemplo, que
as filas do INSS fossem zeradas e não há como fazê-lo sem gastar mais.
Vê como factível a mudança dos limites
constitucionais de educação e saúde, o que não significa que concorde, mas não
acredita que Lula embarque na desvinculação dos benefícios sociais da política
de reajuste do mínimo. Diz que o governo teria melhores condições de lidar com
o gargalo fiscal se tivesse permitido que a reforma tributária da renda
tramitasse paralelamente à do consumo. Acredita que teria sido possível avançar
numa fazendo concessões à outra.
Numa conversa recente no Palácio do Planalto,
queixou-se da reedição do modo de governar pelo fomento das divergências entre
ministros. Um governo com margem de gordura tão estreita como este não poderia
se dar ao luxo de colocar apoiadores em conflito. Queixou-se da maneira como
uns ocupantes da Esplanada são desautorizados e da tolerância com malfeitos de
outros, vide Juscelino Filho (Comunicações), indiciado pela Polícia Federal. Ao
revelar descrença no apetite do presidente por um segundo mandato, foi contestado.
Taxado por Lula como “pessimista” vê seu gabinete envolto em ufanismo.
Lula, na visão deste petista, estaria menos
propenso a entrar em bola dividida e até mesmo naquelas que lhe chegam
redondas, como a comissão de mortos e desaparecidos, que já teve aval dos
ministérios da Defesa, da Justiça e do comandante do Exército, Tomás Paiva. Só
falta o do presidente.
Teme os efeitos de um ajuste na eleição
municipal mas teme mais ainda a indisposição dos ministros do governo em
defender o governo. Vê o embate do ministro dos Transportes, Renan Filho (MDB),
com o governador do Paraná, Ratinho Jr, como uma exceção. E não veria com maus
olhos a ida de egressos de outros partidos para o Palácio do Planalto. Contesta
a visão de que o governo tem problema de comunicação. O que falta, diz, são
diretrizes. E o presidente, como reage? “Ouve, o que não quer dizer que
escute”.
Sei.
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