quarta-feira, 12 de junho de 2024

Roberto Medronho* - Ataque à ciência e aos professores

O Globo

Objetivo de audiência pública na Câmara dos Deputados é inibir os estudos sobre desinformação do NetLab UFRJ

Na última semana, fomos surpreendidos com o requerimento de uma audiência pública na Comissão de Segurança Pública e Combate ao Crime Organizado da Câmara dos Deputados que visa a questionar os resultados de pesquisas conduzidas pelo NetLab, nosso renomado laboratório da Escola de Comunicação (ECO) da UFRJ. O requerimento leva professores à comissão com o objetivo de censurar a ciência no Brasil, criminalizando professores. Portanto esse não é um ataque apenas à UFRJ, mas a toda a comunidade acadêmica brasileira.

O laboratório é alvo de ataques devido à sua agenda de pesquisa, que aborda o problema da desinformação. As pesquisas do NetLab UFRJ, com especial atuação em questões socioambientais e golpes na internet, ganharam destaque nos principais noticiários da mídia brasileira no último mês devido à tragédia no Rio Grande do Sul, afetada por fake news para manipular a opinião pública e por golpes com pedidos de doações falsas — que desviaram ajuda das vítimas para enriquecimento ilícito de estelionatários. Além disso, o NetLab UFRJ tem se destacado ao longo dos anos pela produção de inúmeras pesquisas de valor incalculável para a sociedade, fornecendo evidências com metodologia científica que embasam políticas públicas e auxiliam gestores e autoridades em tomadas de decisões, motivo de grande orgulho para a UFRJ.

O principal questionamento do requerimento é o financiamento do laboratório com recursos públicos e de fundações filantrópicas para a realização de suas pesquisas. Ora, a maior parte da pesquisa gerada no Brasil depende de recursos públicos, e é desejável que assim seja.

Entretanto os recursos públicos para pesquisa são escassos diante das imensas demandas e desafios colocados ao desenvolvimento científico e tecnológico de ponta, especialmente para os que necessitam de processamento de grande volume de dados e exigem altos investimentos. Nesse sentido, aplaudimos todos os pesquisadores, laboratórios e instituições que conseguem complementar seus orçamentos apresentando projetos a fundos públicos e aos disputadíssimos financiamentos privados nacionais e internacionais de fundações filantrópicas, como faz o NetLab UFRJ.

Trata-se de um roteiro já conhecido e usado noutros países por atores antidemocráticos para censurar a ciência por meio de ações no Parlamento. Nesse caso, o objetivo é inibir os estudos sobre desinformação e pressionar os pesquisadores a desistir de seus temas de pesquisa em anos eleitorais. É justamente por conhecermos esse roteiro, que relembra os tempos mais sombrios da História de nosso país, que reafirmamos nosso compromisso com o ensino e a pesquisa independente. Declaramos que não nos deixaremos intimidar por manipulações e ameaças a nossa autonomia universitária, a nossa independência acadêmica e à liberdade de pesquisa, os pilares da universidade pública e uma conquista do Estado Democrático de Direito.

Não admitiremos censura à pesquisa científica, muito menos que criminalizem professores, pesquisadores e a comunidade acadêmica quando resultados de pesquisa desagradam. Nós, da UFRJ, seguiremos em nossa missão social de contribuir para a solução de problemas da nossa sociedade. Assim, conclamamos a população brasileira a permanecer vigilante em defesa da ciência livre, sem censura e com recursos necessários, fundamental para o desenvolvimento econômico, social e político de nosso país e para garantir a soberania nacional.

*Roberto Medronho é reitor da Universidade Federal do Rio de Janeiro

 

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