O Globo
A conta do governador fechou, mas havia outra
Em maio, durante uma entrevista, os
repórteres Paula Soprana e Matheus Teixeira perguntaram ao governador do Rio Grande do
Sul, Eduardo Leite:
— Estudos já apontavam a possibilidade de
aumento significativo nas chuvas no RS. O governo do estado se preparou mal
para lidar com as enchentes?
Ele respondeu:
— Bom, você tem esses estudos, eles de alguma forma alertam, mas o governo também vive outras pautas e agendas. (...) A agenda que se impunha ao estado era aquela especialmente vinculada ao restabelecimento da capacidade fiscal do estado para poder trabalhar nas pautas básicas de prestação de serviços à sociedade gaúcha.
Tinha sua lógica. Um ano antes, durante outra
enchente, Leite aborreceu-se no ar quando o repórter André Trigueiro cobrou-lhe
as falhas do sistema de prevenção. Se os estudos não alertam, a enchente o
fazia.
Passou menos de um mês da aula de gestão de
Leite, e outra repórter, Priscila Mengue, revela que a Prefeitura de Porto
Alegre estima seu prejuízo com a enchente deste ano em até R$ 8 bilhões. Noves
fora 175 mortos, meio milhão de desabrigados, outras prefeituras e centenas de
milhares de casas alagadas. Só em Porto Alegre foram 95 mil. Ficando no caso da
capital, o custo com os reparos no sistema de bombeamento que deveria ter
funcionado foi estimado em R$ 400 milhões (5% do prejuízo para os cofres do município).
Tudo é uma questão de “pautas e agendas”. As
do governador e de muitos prefeitos estavam erradas. Foi espantoso ouvi-lo dar
uma aula de gestão quando o estrago já estava feito, como se Eduardo Leite
fosse capaz de fazer de novo. (Dias depois ele pediu o adiamento da eleição,
entende-se.)
O paraíso fiscal de Leite não é exclusivo nem
recente. No século XIX, a escravidão e o contrabando de africanos eram
defendidos na ponta do lápis. Acabando o contrabando, quebraria a lavoura. Em
1850, ele se tornou ilegal (graças às canhoneiras inglesas), e ninguém quebrou,
nem os grandes traficantes, pois eles foram para outros negócios. Trinta anos
depois, dizia-se que a Abolição quebraria os fazendeiros. Abalou alguns, porque
muitos já haviam corrido para a taxa Selic da época. A ponta do lápis foi uma bola
de ferro presa ao pé da economia brasileira. Nessa bola de ferro havia outra
conta, que os çábios do Império não faziam.
Na ponta do lápis, em 1940 Winston Churchill
teria negociado uma paz com a Alemanha, e em
1962 John Kennedy não diria que um americano pisaria na Lua antes do fim da
década. Neil Armstrong foi lá e voltou em 1969. Seu governo também não
investiria em startups daquilo que se chamava de cérebros eletrônicos.
Churchill desprezou a conta da ponta do lápis para uma situação do presente,
Kennedy para o futuro.
Em tudo o que se relaciona com o meio ambiente, a conta do lápis engana, e o que aconteceu no Rio Grande do Sul é muito mais que um aviso. É a exposição do compromisso com o atraso. Ao responder à pergunta de maio, Eduardo Leite falava em nome do que presume ser uma ciência econômica, mas era uma exibição de um compromisso com o atraso, que não é só dele, muito menos coisa nova.
Não é só desequilíbrio! O governador do RS constantemente desprezou as legislações e recomendações ambientais, mesmo com seguidas catástrofes no RS no ano passado.
ResponderExcluirPois é.
ResponderExcluirLeite enfraqueceu a Fepam, fragilizou o Código Ambiental, privatizou a Fundação Zoobotânica e o Zoológico, liberou agrotóxicos proibidos nos países de origem, etc. Ou seja, nunca levou a sério a necessidade de preservação ambiental. Não é o único culpado/responsável, mas é um dos maiores, certamente.
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