quinta-feira, 13 de junho de 2024

Vinicius Torres Freire - Governo Lula 3, primeira parte: fim

Folha de S. Paulo

Tumulto com Haddad, déficit, juros, dólar, Congresso etc. tem origem antiga

A confusão em que se meteu o governo de Luiz Inácio Lula da Silva parece agora apenas uma crise centrada na desconfiança na capacidade de Fernando Haddad levar adiante um plano crível qualquer de conter a degradação das contas públicas.

Mas esse é apenas o resultado crítico de um acúmulo de equívocos que começam no governo de transição. É possível consertar estragos, mas Lula já perdeu apoio e tempo políticos para fazer governo bem melhor.

Primeiro, Lula optou por desconsiderar parte seu slogan: "União e Reconstrução". A "união" possível seria pouca, dado o conflito raivoso no país. Ainda assim, Lula poderia manter aquele pequeno centro que o ajudou a vencer a eleição e obter algum apoio adicional, além do pessoal que aderiu à "frentinha ampla".

Para que fosse assim, teria de fazer um governo menos petista, em ideias, quadros e ações. Isto é, que firmasse ou criasse articulações sociais e políticas, com a ampliação desse centro, o que demandaria também programa econômico mais convencional. Mas o presidente acabou por perder o apoio da elite desse centro e, dizem pesquisas, também o de seus eleitores.

Por que Lula deveria ser responsável por tal projeto de "união"? Quem mais poderia fazê-lo?

Segundo, Lula 3 não entendeu que lidava com o Congresso mais direitista da história, em números e ideias, o mais distante do presidente, Congresso sem um centro, como houvera até 2014.

Terceiro, não aproveitou o otimismo inicial até de "o mercado", que derrubava taxas de juros por volta da eleição. O aumento da miséria depois de uma década de estagnação exigia mais gasto, sim. No mais, se fosse contido na despesa, poderia ver juros em queda e mais investimento privado, compensando a mão de vaca do governo. Depois, poderia partir para um programa redistributivo paulatino.

Ao contrário, logo elevou a despesa em centenas de bilhões, provocou altas de juros com ações e palavras, criou gastos permanentes e um teto móvel de despesa com dias contados, dada a estrutura do Orçamento.

Para que não sobreviesse crise precoce, teria de fazer sucessivas rodadas de aumentos de impostos (jabutis de Haddad), o que é desgastante em termos políticos e econômicos, ainda mais porque o país vive conflito distributivo grave faz mais de década e a oposição é liberal-extremista (com seu bolso e em ideias, por assim dizer).

Quarto, o governo não tinha plano de reforma profunda em ambiente, educação, saúde e segurança (talvez nem acredite muito nisso). Poderia fazê-lo em aliança com o centrismo ilustrado (esquerda e centro civilizados têm ideias próximas nessas áreas).

Não houve rumo, grande esperança nova. Mais grave, não havia plano bom e organizado de aumento de carga tributária, inevitável desde 2015.

A MP do PIS/Cofins foi só gota d’água. Juntou a elite econômica em oposição, da extremista àquela que se acomoda a governos. Perdia já apoios de elite razoável lá pelo primeiro terço do ano.

Dificilmente conseguiria satisfazer o semiparlamentarimo negocista do Congresso que quer mandar no Orçamento, sem responsabilidade de governo. Dados os erros, as elites do atraso, ou apenas antipetistas, na economia e na política, se deram as mãos. A "polarização" e o estrago da década de crise não possibilitariam tão cedo o contraponto de uma alta da popularidade de Lula.

Assim, Lula 3 não estava preparado para enfrentar ainda o azar da reviravolta dos juros americanos.

Isolou-se, social e politicamente, perdeu a boa vontade inicial, prendeu-se em uma armadilha de déficit e juros altos, não tinha planos para as mazelas permanentes do país.

Dá para remediar. A crise de agora tem um pouco de exagero, pânico e oportunismo. Mas as expectativas foram rebaixadas.

 

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