O Globo
O debate fiscal é polarizado e o economista
Bráulio Borges aponta que existe caminho do meio no tema que ontem agitou mais
uma vez a economia
O governo não sabe de onde virá o ajuste das suas contas. Essa convicção do mercado é uma das razões da alta do dólar, que ontem bateu em R$ 5,40, um salto no ano de 11,38%. Parte da tensão veio do sinal dado pelo FED de que os juros terão apenas um corte até o fim do ano, mas a parte brasileira da preocupação veio de uma declaração do presidente Lula de que o equilíbrio das contas públicas viria do aumento da arrecadação e da queda dos juros. Coube à ministra Simone Tebet avisar que os gastos obrigatórios do orçamento são insustentáveis. Como resolver?
Deve haver algo no meio entre a turma do
“gasto é vida” e a turma do “melhor governo é nenhum governo”, diz o economista
Bráulio Borges, da FGV Ibre, autor de um estudo recomendado pelo ministro Fernando
Haddad. Ele propõe mudanças no gasto com educação e saúde. Não a
desvinculação pura e simples, mas uma revinculação. Em vez de estarem ligadas à
receita, serem reajustadas por um indicador per capita. O salário mínimo não
deveria reajustar benefícios previdenciários em geral, mas isso não significa
deixar esses benefícios sem correção.
Esse assunto assombra todos os governos.
Despesas vinculadas crescem demais, e correções que parecem justas acabam
elevando algumas despesas, como a previdenciária. Mexer com qualquer desses
temas é pôr a mão em vespeiro. A área econômica do governo está nesse momento
tentando encontrar algum caminho. Bráulio Borges acha que há algo entre os dois
polos.
— Como tudo hoje em dia, o debate está muito
polarizado. O Brasil precisa gerar um superávit primário para que a dívida pare
de subir. Na experiência brasileira recente, o país teve o teto de gastos, de
2016 a 2022, que colocava todo o peso da consolidação fiscal no gasto público e
negligenciava a receita. E tivemos ainda medidas eleitoreiras reduzindo receita
em 2022 que desarranjaram as contas públicas. Com o novo governo, veio o
arcabouço fiscal e a gente passa para a estratégia de só olhar a receita. E isso
está gerando muita resistência do setor privado — disse o pesquisador.
Ele olhou as experiências de 80 países e
concluiu que o ajuste que dá certo é o que não impacta o crescimento e que
combina aumento de carga com redução de despesa. No caso do Brasil, os debates
fiscais sempre voltam aos mínimos constitucionais de saúde e educação. Bráulio
lembra que eles permitiram a estruturação do SUS e a universalização do ensino
fundamental. Não é o caso de acabar com eles, mas de revê-los.
— Ao invés de vincular esses mínimos à
receita, muito volátil, que haja um piso real per capita. No caso da saúde,
valendo para toda a população brasileira, no caso da educação, pegando o
público atendido por essas políticas, que são as crianças e jovens. Acho que
pode ser mais inteligente, dar previsibilidade e conciliar com equilíbrio
fiscal — explica.
Outro nó é o salário mínimo indexando
aposentadorias, pensões, benefício de prestação continuada, abono salarial,
seguro- desemprego e auxílio-doença. Quando sobe o salário mínimo, tudo mais
cresce na mesma proporção.
— O salário mínimo serve para regular o
mercado de trabalho, de pessoas que estão na ativa. É importante ter
valorização. Mas colocar o salário mínimo corrigindo despesas previdenciárias e
assistenciais cria um problema fiscal. O melhor seria uma reindexação dessas
despesas de forma a manter o poder de compra. A ministra Simone Tebet chegou a
falar em criar um indexador paralelo.
Borges contou que a despesa total com o
funcionalismo tem caído em proporção ao PIB. Há 20 anos era 5% do PIB e agora
está em 3,2%. No ano passado, houve um reajuste linear de 9% no salário dos
servidores civis federais, mas o congelamento no governo Bolsonaro foi parte da
queda da folha dos servidores como proporção ao PIB.
— É importante pensar numa reforma
administrativa que melhore a produtividade do funcionalismo, dê mais incentivo
de crescimento ao longo da carreira, mas no mercado financeiro a reforma é
vista como uma panaceia que vai gerar um enorme ganho fiscal. Não vai. O que há
é muita diferença entre a remuneração de servidores dos três poderes, com
vantagens para o Judiciário e o Legislativo.
Não existe mágica, o governo terá que mexer
em despesas. Mas o debate fiscal está precisando ficar menos polarizado. Não se
pode esquecer que o teto caiu por excesso de extrateto num governo que se dizia
liberal e que acabou fazendo populismo fiscal.
Verdade.
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