O Globo
O presidente preocupa-se com o bem-estar das
classes populares. Melhor apresentar uma política econômica consistente para
reduzir as incertezas e conquistar a confiança do setor privado
O consumo das famílias exibe bom desempenho.
E não é de hoje. Nota-se uma volta à normalidade depois da forte contração em
2015, na grande recessão, e das enormes oscilações em 2020 e 2021. A taxa média
de crescimento real desde 2022 é de 0,9% trimestral (descontado o padrão
sazonal).
Ainda não foi atingido um patamar de consumo compatível com a tendência anterior à pandemia. Mas essa convergência não deverá tardar, mesmo em um cenário de juros altos por mais tempo do que se imaginava, como resposta ao aumento do risco inflacionário.
O que a política monetária faz é suavizar o
ciclo de consumo, e não o reverter, inclusive porque a inflação alta prejudica
o consumidor. As poucas inflexões na trajetória de alta do consumo estiveram
associadas a graves crises.
Vejamos o quadro atual dos principais motores
do consumo.
No mercado de crédito, a redução da
inadimplência vem abrindo espaço para a aceleração do crédito para a pessoa
física (PF), depois de um 2023 mais modesto. Enquanto isso, o aumento da
bancarização permite maior acesso das pessoas ao crédito.
Assim, o estoque recorde de crédito livre da
PF em 17,9% do PIB pode refletir, em boa medida, a maior base de clientes das
instituições financeiras, e nem tanto eventuais excessos no endividamento de
cada indivíduo.
O comportamento do emprego tende a se manter
favorável. O ciclo de juros pouco afeta essa dinâmica. Provavelmente, o elevado
custo de demissão faz as empresas serem mais conservadoras nas decisões de
desligamento, bem como de contratação, tornando o ciclo do emprego mais suave.
É verdade que as reformas trabalhistas de
2017 proveram maior flexibilidade ao mercado de trabalho e menor insegurança
jurídica, o que vem incrementando a oferta de vagas de trabalho. Mas não há
sinais de excessos nas contratações a serem corrigidos, especialmente com o
crescimento econômico mais disseminado entre setores da economia e regiões do
país.
Outra variável importante é o rendimento do
trabalho. Este sim tende a ter variações mais modestas com a reafirmação do
compromisso do Banco Central com a inflação na meta. E é bom que assim seja,
pois preocupa o rendimento nominal estar subindo 9% na variação anual, ante
meta de inflação de 3% e ganhos modestos de produtividade do trabalho.
Ajustes salariais mais robustos podem em
parte decorrer da desconfiança dos empregadores quanto ao cenário de inflação,
apostando haver um espaço para repassar a pressão de custos da folha aos preços
finais.
Com os principais motores do consumo em
recuperação, seria exagero afirmar que sua elevação é artificialmente
sustentada pelas transferências de renda do governo — gastos com Previdência e
Seguridade Social e com o Auxílio Brasil / Bolsa Família. Por outro lado, é
inegável sua relevância. Se em 2004, 18% da massa total de rendimentos das
famílias vinha das transferências, em 2023 atingiu-se 25%.
Reformas são necessárias para conter esse
crescimento, por conta do maior peso nas contas públicas e do impacto na
dinâmica de longo prazo da economia. Haveria ganhos para o potencial de
crescimento do país se as políticas sociais não destoassem tanto da experiência
de países emergentes. Temos políticas mais generosas — e que falham na
focalização nos mais pobres — que desincentivam a poupança dos indivíduos na
idade ativa.
Quando somada ao peso do setor público, a
baixa poupança doméstica significa menos recursos disponíveis para o
investimento produtivo e maior custo do dinheiro.
Ao mesmo tempo, reformas são necessárias para
aumentar a produtividade do trabalho. Além dos baixos salários, a taxa de
ocupação daqueles com menor estudo exibe, ao longo dos anos, preocupante
tendência de queda. Limita-se, assim, o desenvolvimento do mercado consumidor.
Sem reformas amplas, não será possível um
grande salto no consumo das famílias e de forma sustentada no longo prazo. Mas
esses temas não estão na agenda do atual governo.
Importante que não se frustre também o quadro
mais benigno de curto-médio prazo. As perspectivas para o consumo são
favoráveis, mas o risco de decepção mora ao lado, por conta de erros na
política econômica.
O presidente preocupa-se com o bem-estar das
classes populares. Melhor apresentar uma política econômica consistente para
reduzir as incertezas e conquistar a confiança do setor privado.
Lendo e aprendendo.
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