The Economist / O Estado de S. Paulo
Maioria de ultradireita no Parlamento testará Constituição concebida para dar estabilidade ao país
Uma nova era dramática começou na França no
domingo, quando o partido de direita radical de Marine Le Pen assumiu uma
liderança maciça na votação do primeiro turno para a Assembleia Nacional. Seu
Reagrupamento Nacional (RN) nunca esteve tão perto de governar o país. O
partido garantiu 33,1% dos votos, segundo dados oficiais.
Antes do segundo turno, no próximo domingo,
isso o coloca no caminho para conquistar de 230 a 280 assentos na Assembleia
Nacional, que tem 577 lugares, ante aos atuais 88, e se tornar facilmente o
maior grupo no Parlamento. Um resultado na ponta superior dessa faixa colocaria
o RN perto de uma maioria geral de 289.
A eleição foi marcada pelo maior comparecimento no primeiro turno desde 1997. Os candidatos do RN ficaram em primeiro lugar em centenas de distritos eleitorais em todo o país: em seus antigos centros geográficos, como o chamado cinturão da ferrugem (industrial) no nordeste do país e no sul da França, bem como em lugares historicamente com pouco apoio, como a Bretanha. Em seu próprio distrito eleitoral em torno de Hénin Beaumont, na região de mineração do norte, Le Pen foi eleita no primeiro turno.
Ela parece estar pronta para colher os
benefícios de seu projeto de uma década para eliminar excessos de seu partido,
fazer com que seus deputados pareçam apresentáveis e convencer os eleitores de
que não se trata apenas de protestos barulhentos, mas de poder.
O RN, descendente da Frente Nacional
cofundada pelo pai de Le Pen e ex-membro da Waffen-SS nazista, ainda se baseia
fortemente na política de identidade, com sua promessa de acabar com o direito
automático à cidadania francesa para aqueles nascidos de pais estrangeiros em
solo francês. Ele mistura isso com promessas populares de reduzir o IVA
(Imposto sobre Valor Agregado) sobre as contas de energia de 20% para 5,5%,
diminuir a idade de aposentadoria e trazer de volta um imposto sobre a riqueza.
Após sucessivos governos de direita, esquerda e centro, os eleitores, sempre
decepcionados com seus governantes, agora parecem dispostos a apostar em um
grande partido que nunca governou.
SEGUNDA FORÇA. A aliança de quatro partidos
de esquerda, a Nova Frente Popular (NFP), também teve uma boa noite, ficando em
segundo lugar nacionalmente com 28% dos votos.
A aliança, composta pela França Insubmissa,
de Jean-Luc Mélenchon, socialistas, verdes e comunistas, qualificou-se para o
segundo turno em muitos distritos eleitorais nas grandes cidades e nos
subúrbios multiculturais, onde seu apoio a um Estado palestino independente é
popular. O NFP pode conquistar de 125 a 165 cadeiras, o que o tornaria o
segundo maior bloco parlamentar.
Em contrapartida, a votação foi uma
humilhação esmagadora para a aliança centrista do presidente Emmanuel Macron,
Renascença. Muitos de seus próprios deputados e aliados mais próximos,
pressentindo uma eliminação iminente, ficaram horrorizados com sua decisão
inesperada, em 9 de junho, de convocar uma eleição imediata. O tiro saiu pela
culatra, de forma espetacular. O Renascença obteve um número desanimador de 20%
dos votos nacionais. Agora, esperase que perca mais da metade de seus 250
assentos; as projeções sugerem que poderá manter apenas de 70 a 100 assentos.
Um deputado chamou o fato de “catástrofe total”.
O que ficou claro com a votação do primeiro
turno é que o projeto centrista de Macron e a autoridade política do presidente
sairão gravemente prejudicados dessas eleições. Mesmo nos casos em que os
candidatos de Macron conseguiram passar para o segundo turno, garantindo 12,5%
dos eleitores registrados, eles enfrentarão duelos difíceis e, em alguns casos,
disputas de três vias, nas quais serão pressionados a renunciar para bloquear o
RN.
Em alguns distritos eleitorais, isso poderia
significar convocar os eleitores centristas a apoiar o NFP, uma aliança que
promete trazer de volta o imposto sobre a fortuna, aumentar o salário mínimo em
14%, introduzir um imposto sobre os “superlucros”, aumentar o imposto sobre
heranças e eliminar o imposto sobre a renda de investimentos. Uma autoridade do
partido de Macron disse que decidirá eleitorado por eleitorado, dependendo do
candidato da NFP. Os candidatos qualificados têm até hoje para confirmar se permanecerão
na disputa.
Desvio de votos do centro para os extremos representa um paradoxo para o presidente
PARADOXO. O desvio de votos do centro para os
extremos representa um paradoxo doloroso para o presidente. Estreante nas
eleições, com 39 anos, Macron foi eleito pela primeira vez em 2017 em uma onda
de otimismo pró-europeu, energia jovem e um senso de renovação política. Na
noite da eleição daquele ano, ele prometeu que “faria tudo” para garantir que
“não houvesse mais motivos para votar nos extremos”. No entanto, apesar de um
sólido histórico de criação de empregos e sucesso empresarial na França, o solitário
Macron nunca conseguiu persuadir os eleitores de que está próximo deles ou que
os entende.
Além disso, o próprio sucesso de seu
movimento centrista, que tomou emprestado talentos da esquerda e da direita
moderadas, acabou enfraquecendo as alternativas razoáveis ao centro.
No entanto, o que ainda não está claro é se
Le Pen conseguirá garantir a maioria. As pesquisas sugerem que isso está ao
alcance, mas não é uma certeza. Jordan Bardella, seu candidato de 28 anos ao
cargo de primeiro-ministro, insiste que não aceitará o cargo a menos que
comande essa maioria no Parlamento. Sem ela, se Macron lhe pedisse para tentar
formar um governo, ele poderia ser derrubado por uma moção de desconfiança logo
no primeiro obstáculo. A França passaria então por uma busca por um primeiro-ministro
capaz de formar um governo estável, o que poderia levar a um período que se
assemelha à instabilidade crônica da Quarta República do país, em 1946-1958.
Se a aliança liderada pelo RN conseguir
conquistar a maioria, o país estará caminhando de uma forma de “coabitação”
desconfortável entre o presidente e o governo, em que cada um deles tem uma
visão diametralmente oposta sobre quase tudo, desde a política fiscal até a
Europa, a Ucrânia e a Otan.
A Constituição da Quinta República, concebida por Charles de Gaulle em 1958 exatamente para levar a tão necessária estabilidade, será duramente testada. Em 28 de junho, a diferença de taxas entre os títulos soberanos de dez anos franceses e alemães atingiu seu maior nível desde 2012. A França parece estar caminhando a toda velocidade, em um estado de raiva e apreensão, para o desconhecido político.
Até conservadores e neoliberais estão preocupados com o crescimento da extrema direita. Os radicais de Direita já mostraram suas garras no Brasil, onde os bolsonaristas falavam em Democracia e Liberdade, e tentaram várias maneiras golpistas (explosão de bombas, ataques ao STF e Congresso, etc.) pra evitar que Lula assumisse e governasse depois de ter vencido democraticamente a eleição presidencial. Quase o mesmo foi feito pelo CRIMINOSO Trump nos EUA, ameaçando décadas de democracia naquele país.
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