Valor Econômico
Em pouco mais de um mês, a eleição nos
Estados Unidos virou de ponta à cabeça várias vezes. O debate presidencial de
27 de junho, seguido pelo atentado a Donald Trump em 13 de julho, a desistência
de Joe Biden no dia 21 e o subsequente endosso do seu partido à vice Kamala
Harris levaram a diversas mudanças nas perspectivas de vitória para
republicanos e democratas.
Faltando cem dias para os americanos irem às urnas, não apenas a política, mas também a economia, os costumes, a geopolítica, a geografia e o dinheiro assumem papel determinante para definir quem será o 47º presidente da nação mais poderosa do mundo.
Até alguns dias atrás, o embate se limitava a
um duplo recall, evento raro de um presidente e seu antecessor se digladiarem
para saber quem conquistaria um segundo mandato. Nesse caso, caberia ao cidadão
pesar as gestões de cada um e, em se tratando de dois políticos com idade
avançada, decidir qual teria melhores condições físicas e mentais de liderar o
país por mais quatro anos.
Com a substituição de Joe Biden por Kamala
Harris a eleição se torna muito mais complexa. Sai de cena a senilidade do
atual mandatário, fragilidade reconhecida pelos próprios democratas e explorada
eleitoralmente pelos trumpistas, e entram em campo as características feminina
e de diversidade racial de Harris.
Com relação ao primeiro desses atributos, a
perspectiva de se tornar a primeira mulher a ocupar a presidência americana
pode estimular eleitoras que, com Biden no páreo, se sentiam desmotivadas a
votar. Além disso, com uma mulher ocupando um polo da disputa, ganha novo
impulso um dos temas que mais polarizam a sociedade americana: a questão do
aborto.
Já a chance de uma filha de uma indiana com
um jamaicano negro vir a ocupar a Casa Branca mexe com o eleitorado de um país
multiétnico e racista como os Estados Unidos: ao mesmo tempo em que mobiliza as
bases, também atiça a rejeição de seus oponentes.
Na economia, a substituição da chapa do
Partido Democrata na cédula eleitoral também exigirá um ajuste da estratégia de
Trump na campanha. Tendo Biden como adversário, o ex-presidente republicano
havia elegido a alta nos preços e as elevadas taxas de juros para comparar as
condições de vida atuais dos americanos com a situação vigente quando deixou a
presidência, em 2020.
Para o americano comum, o quilo do bife hoje
está 35% acima da média do governo Trump, e abastecer o carro atualmente custa
60% a mais do que quatro anos atrás. A campanha republicana também não se
cansava de repetir como a gestão de Biden havia sido responsável por elevar uma
das mais importantes despesas no ciclo de vida do cidadão americano: em função
da política de combate à inflação, as hipotecas para a compra de casa própria
subiram de 3% para 7% ao ano, com forte impacto no orçamento das pessoas.
Donald Trump direcionará para Kamala Harris
todos os ataques perpetrados contra Joe Biden na esfera econômica, até mesmo
pelo fato de ela ser a sua vice. Mas as possibilidades de toda a culpa e
responsabilização grudarem na nova candidata democrata não são dadas como
certas.
Aliás, é no território que os temas
econômicos se conectam com a política. Como se sabe, a eleição americana é
decidida pelos votos em cada um dos cinquenta Estados, que têm pesos diferentes
em função do número de eleitores. Nos últimos anos, o mapa dos Estados Unidos
está dividido entre o azul dos democratas concentrado no Nordeste e na Costa
Oeste, enquanto o vermelho dos republicanos domina o centro e o sul do país.
Na disputa pelos 538 votos dos delegados,
Trump leva vantagem, mas os chamados swing States dão esperança a Kamala
Harris. A sudoeste, a batalha se dá no Arizona, Novo México, Colorado e Nevada.
No norte, Pensilvânia, Michigan e Wisconsin foram territórios democratas
conquistados em 2016 por Trump e retomados por Biden quatro anos depois. A
leste, Carolina do Norte, Geórgia e Flórida vêm sendo decididos por margens de
menos de cinco pontos percentuais nos últimos pleitos.
Essa geografia orienta o discurso de Trump de
“fazer a América grande novamente”. O ex-presidente reforça as baterias contra
a imigração e o combate à criminalidade, pontos de fragilidade de Kamala
Harris, dado que coube a ela coordenar propostas para essa área na
administração de Joe Biden, e muito sensíveis para os Estados do Sul, que
recebem os principais afluxos de imigrantes, principalmente latinos.
Já as propostas de Trump de sobretaxar
importações chinesas, desregulamentar a atividade econômica, reduzir impostos
para empresas e incentivar a produção de óleo e gás falam diretamente para o
eleitorado do cinturão enferrujado do Nordeste do país, berço da indústria
pesada americana, cujas fábricas migraram para o México e a China nas últimas
décadas.
A substituição de Biden por Harris também deu
um gás para as doações de bilionários americanos. Numa eleição tão difícil,
além de conquistar indecisos é preciso motivar eleitores democratas desanimados
a irem votar em 5 de novembro.
Pois é.
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