sábado, 20 de julho de 2024

Carlos Alberto Sardenberg - O risco de complicar

O Globo

O texto básico, já aprovado, é bastante bom. Mas os detalhes podem pôr muito a perder

Há pelo menos duas décadas, a reforma tributária está na pauta política e econômica. Pode-se entender isso como perda de tempo, a versão pessimista. Faz sentido. Os temas se repetiram demasiadamente. Parecia impossível chegar a uma decisão, a um projeto abrangente de reforma. Até surgiram alguns, mas não pegaram embalo. Mas há também uma versão mais esperançosa. Foi o tempo necessário para decantar as propostas e chegar a um entendimento sobre as bases da reforma.

Fiquemos com essa última linha, pois o Congresso Nacional acaba de aprovar uma abrangente reforma dos impostos sobre o consumo. Caminhamos, portanto, para uma mudança por acumulação, não por ruptura. Mesmo porque, depois de tudo aprovado, será implantada ao longo de dez anos. Mais ainda: o texto básico é exatamente do que o Brasil precisa. Simplifica o sistema, facilitando a vida das empresas, torna-o mais eficiente e justo.

A carga tributária no Brasil tem ficado em torno dos 33% do PIB. É alta, sim. Muita gente, especialmente do governo, compara com os países da União Europeia, onde os impostos arrecadados representam 41% do PIB. Mas eles são ricos e há muitos anos constroem o regime do bem-estar, que, lá, funciona. O Brasil deve ser comparado a países emergentes, com que compete por investimentos e negócios. Nesses pares, a carga nem chega perto dos 30%.

 

Nossa reforma não diminuirá os impostos. Todos os governantes sempre alegaram que não podem perder receitas, dados os compromissos estruturais de gastos. Já estará bom se a reforma não aumentar a carga — é o objetivo do texto básico aprovado no Congresso. A ver se não surge uma mão de gato para arranjar mais impostos na votação e aplicação da regulamentação.

O ganho da simplificação é inegável e, ao que parece até aqui, definitivo. Reúne cinco impostos —três federais, um estadual e um municipal — num Imposto de Valor Agregado, não cumulativo, cobrado em duas instâncias. Teremos, com legislação nacional, uma só, a Contribuição sobre Bens e Serviços, cuja arrecadação vai para o governo federal, e o Imposto de Bens e Serviços, para estados e municípios.

Hoje, só para pagar o ICMS, estadual, as empresas lidam com 27 códigos e regras diferentes para os 26 estados e o Distrito Federal. E o ISS, municipal, pago em cada cidade? É possível que, sobre um mesmo negócio, a empresa tenha de pagar cinco vezes, em cinco documentos de arrecadação.

A mudança elimina um enorme obstáculo ao desenvolvimento — o cipoal tributário que consome tempo, dinheiro e energia das empresas aqui instaladas. Traz ganhos de produtividade. Não é pouca coisa. Estudo recente do FMI afirma que uma boa reforma tributária pode aumentar o PIB potencial do Brasil de 0,3 a 0,5 ponto percentual ao ano. Hoje esse potencial está em torno de 2,5%.

Reparem: sem mexer na carga tributária, sem deixar mais recursos nas mãos das empresas, apenas simplificando o sistema, o PIB brasileiro poderia crescer a 3% ao ano. Ainda será menor que a média dos emergentes — em torno de 4% ao ano, segundo o FMI. Mais perto, entretanto, e concorrendo melhor na América Latina.

Eis por que é preciso ficar de olho na regulamentação da reforma em andamento. O texto básico, já aprovado, é bastante bom. Mas os detalhes podem colocar muita coisa a perder. Neste momento, o Congresso debate a legislação secundária que regulamenta a aplicação do novo sistema.

Onde está o risco? Na criação de tantas exceções que deixem o sistema complicado. No geral, ficará assim: há uma alíquota base, talvez de 26,5%, mas alguns setores pagarão menos; outros, mais. Se forem alguns, tudo bem. Se forem muitos, para cima ou para baixo, o regime fica bem mais complicado.

Seria impossível ficar tão complicado quanto o atual sistema, mas se perderia boa parte da virtude da simplificação. E, pois, de PIB real.

 

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