terça-feira, 30 de julho de 2024

Christopher Garman - Inflação é ameaça para Lula se Trump vencer

Valor Econômico

Mais inflação nos EUA e menos crescimento lá e na China seria péssimo para pretensões do presidente brasileiro em 2026

Uma série de eventos dramáticos colocou a eleição presidencial dos EUA ainda mais no centro das atenções globais no último mês. Primeiro foi um debate desastroso para o presidente Joe Biden contra Donald Trump; depois, um atentado contra o ex-presidente; e, por último, uma mudança na candidatura democrata que está animando suas bases.

As pesquisas de opinião publicadas depois que a vice-presidente Kamala Harris se tornou a virtual candidata democrata sugerem uma disputa mais apertada. Mas, na realidade, as intenções de voto estão voltando para o patamar de antes do debate, e Trump segue com leve favoritismo. A principal preocupação do eleitor americano continua sendo a economia, devido ao choque inflacionário de 2022 e 2023 que aumentou o custo de vida - e, nesse aspecto, Trump mantém vantagem. Logo, embora muito tenha mudado, os fundamentos da eleição continuam quase iguais.

Cabe refletir sobre o que está em jogo para o Brasil nessa eleição. Já argumentei neste espaço que uma vitória de Trump traria resultados mistos para o país. Mas fica cada vez mais claro que, se Trump vencer, a grande ameaça para o governo de Luiz Inácio Lula da Silva será a inflação nos EUA.

Para se reeleger em 2026, Lula depende cada vez mais de um cenário externo favorável, em que o Federal Reserve (Fed, o banco central dos EUA) reduza suas taxas de juros e a economia global vá bem. O governo brasileiro vive um momento muito delicado. Em dois meses, o dólar subiu de R$ 5,15 para mais de R$ 5,60. A expectativa para a inflação de 2024, medida pela pesquisa semanal Focus do Banco Central, subiu de 3,7% para 4,1% entre maio e o final de julho. Por trás desse movimento, estão incertezas sobre a política fiscal e monetária do governo, que explicam por que o BC parou de cortar a Selic.

O governo está tentando apaziguar essas inquietações. Lula aceitou um corte de R$ 26 bilhões em gastos permanentes no dia 4 de julho, e seu governo contingenciou e empossou R$ 15 bilhões para cumprir a meta fiscal deste ano. Ainda assim, há muito ceticismo sobre a capacidade de cumprir não só a meta deste ano, mas, especialmente, a de 2025. Sem uma agenda mais estrutural de corte de gastos - que o presidente Lula reluta em entregar -, os ativos devem seguir depreciados, limitando a capacidade do BC para reduzir juros.

Nessa situação, o cenário externo vira mais importante. Se o Fed reduzir juros, a liquidez externa aumenta e bancos centrais de países como o nosso ganham mais liberdade. As preocupações fiscais permanecem, mas impactam menos os preços dos ativos. Já que Lula não parece disposto a encampar cortes de gasto mais ambiciosos, seu governo precisa de um cenário externo favorável ao crescimento e a uma queda de juros.

O problema é que uma vitória de Trump deve resultar em mais inflação nos EUA - e, portanto, em juros mais altos e menos crescimento por lá. Para ter uma ideia do que está em jogo, basta ver as propostas que estão saindo de seu campo.

Trump e sua equipe vêm prometendo uma postura mais protecionista no comércio internacional, particularmente em relação à China. A proposta ventilada seria implementar uma tarifa geral de importação de 10%, e de 60% sobre produtos chineses, o que geraria um choque.

Para se reeleger, Lula depende de um cenário externo favorável, em que o Fed corte os juros e a economia global vá bem

O banco UBS estima que a tarifa de 60% reduziria o PIB da China em 2,5%. O Peterson Institute, um renomado think tank de Washington, estima que as tarifas propostas pela equipe de Trump levariam a uma queda de 1,8% no PIB americano e a um aumento de 1% na inflação do país. As duas tarifas dificilmente serão implementadas plenamente - mesmo porque, do ponto de vista jurídico, não é possível estabelecer uma tarifa linear dessa forma. Mas ainda que um eventual governo Trump coloque em prática metade dessas propostas, os efeitos sobre o crescimento econômico e inflação seriam importantes.

As prometidas deportações em massa de imigrantes ilegais devem gerar efeito semelhante, ainda que em menor escala. Embora os democratas devam sofrer por sua política menos dura em relação à imigração ilegal, o influxo de imigrantes teve impacto positivo sobre a economia americana. Os imigrantes passaram de 17% para 19% da força de trabalho do país em quatro anos, ajudando a conter a inflação e impulsionando o crescimento econômico.

Um governo Trump claramente não teria condições logísticas de deportar os 11 milhões de imigrantes ilegais que residem nos EUA, como ele tem prometido. Mas um estudo feito pelo mesmo Peterson Institute mostra que a deportação de apenas 1,3 milhões de pessoas levaria a uma queda de 2,1% no PIB ao longo de três anos e a uma alta de 1,3% na inflação nesse mesmo período.

Não por acaso o dólar se fortaleceu e os títulos do Tesouro dos EUA caíram no último mês. Investidores estão começando a reagir ao cenário de inflação maior que resultaria de uma vitória de Donald Trump. Para o presidente Lula, mais inflação nos EUA e menos crescimento lá e na China seria péssimo para suas pretensões em 2026. O real ficaria mais fraco, os juros mais altos, e o crescimento econômico menor.

Se esse cenário se concretizar em 2025, o timing não poderia ser pior para o presidente brasileiro. Tudo isso sugere que as lideranças petistas e analistas não estão olhando para o que realmente importa. É verdade que, se Trump vencer em novembro, a oposição bolsonarista sairá mais mobilizada (o que deve ter um impacto bastante limitado na eleição de 2026). A relação bilateral deve sofrer. Mas a consequência mais relevante - de longe - seria um cenário de juros mais altos nos EUA, que afetaria a política monetária e crescimento aqui. E esse impacto será particularmente mais severo dadas as incertezas fiscais de 2025.

 

 

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