O Globo
Joesley e Wesley podem cantar de novo, e ficaremos sabendo que, no fundo, nada mudou: o país continua sendo saqueado
Faz bastante tempo, e muitos de vocês nem
eram nascidos, havia duas irmãs muito famosas. Eram as irmãs Batista, Dircinha
e Linda, cantoras. Havia uma outra chamada Odete, mas que não entrava na
história.
As irmãs Batista da minha infância eram
rainhas do rádio. Pode não parecer nada hoje, mas o título importava na época
em que o rádio era a única diversão. As irmãs Batista cantavam em filmes de
carnaval. Se me lembro bem, elas puxavam um pouco nos erres. O pai foi
ventríloquo e cantor. Fez tudo para que as filhas seguissem a carreira
artística.
É coisa de velho, eu sei, mas cada vez que falam nos irmãos Batista, o que me vem à lembrança são as irmãs Batista da minha infância. Os irmãos Batista, Joesley e Wesley, não são cantores, embora os nomes sugiram uma dupla de sertanejo universitário. Vendem carne para o mundo e surgiram num grande escândalo no governo Temer. Foi gravada uma conversa com o presidente em que um deles falava de suas visitas e de seus agrados a Eduardo Cunha, para que ele não contasse todas as aventuras do PMDB com os empresários.
A frase de Temer ficou muito conhecida:
— Tem que manter isso aí, viu?
Mantenham isso, quer dizer, continuem
tratando bem o Cunha para evitar escândalo. Mas o escândalo explodiu a partir
daí, e os irmãos Batista fizeram longos depoimentos, delações premiadas, e sua
história rolou por muito tempo na imprensa.
Passados alguns anos, depois de tanta
exposição, os irmãos Batista voltam à cena. O ministro Dias Toffoli perdoou
uma multa de R$ 10,3 bilhões definida no acordo de leniência que fizeram com as
autoridades. A mulher de Toffoli tinha trabalhado como advogada dos Batistas,
mas tudo parece ter sido uma coincidência.
Os Batistas foram ao exterior convidados na
caravana do ministro da Agricultura. Afinal, são exportadores de proteína
animal. Participam de seminários com autoridades, e parece que organizam também
alguns debates sobre grandes temas nacionais.
Os irmãos Batista entraram no ramo da
energia. Compraram várias pequenas produtoras e criaram a Âmbar, que venderia
para a distribuidora Amazonas Energia, uma empresa falida. Teriam enlouquecido?
Vender energia para quem não paga nem pode pagar! O governo resolveu a questão
editando uma Medida Provisória em que pagamos todos a dívida da empresa falida,
e o negócio fica viável para os Batistas. A Amazonas devia mais de R$ 10
bilhões; agora, quem deve somos nós, que pagaremos aos poucos em nossas contas.
No último dia 28, a empresa dos irmãos Batista formalizou um plano de compra da
distribuidora beneficiada pela MP do governo.
Eles visitaram 16 vezes o Ministério de
Minas e Energia, mas o governo continua dizendo que foi tudo uma
coincidência. É o célebre “não é o que você está pensando”, que sempre aparece
quando descobrimos o casal na cama sem roupa.
O governo deveria prestar mais atenção a
esses detalhes, se é que podemos chamar de detalhes os bilhões que, por
coincidência, acabaram favorecendo Joesley e Wesley. Eles podem cantar de novo,
e ficaremos sabendo que, no fundo, nada mudou: o país continua sendo saqueado
como foi no passado recente.
A recusa em aceitar uma nova relação se
manifesta também na insistência em manter no cargo um ministro das Comunicações
acusado pela Polícia
Federal de desvio de verbas públicas. Ele ficará no cargo até
que provem sua culpa. No governo Itamar Franco,
foi inaugurada a prática de o acusado deixar o cargo para provar sua inocência.
Regredimos, portanto.
Neste momento em que os irmãos Batista
aparecem com a corda toda, manobrando bilhões que, por coincidência, lhes são
legados por decisões de um ministro do STF e
por uma Medida Provisória do governo, lembro-me das irmãs Batista.
No meio da década de 1980, elas foram
recolhidas em seu apartamento na Rua Barata Ribeiro, em Copacabana,
por uma ambulância. Estavam paupérrimas, desnutridas, na miséria. Foi um choque
ver o estado das rainhas do rádio, destituídas de todo o esplendor de sua
carreira. Eram apenas artistas populares num país que segue na normalidade,
exceto por alguns eventos extremos, tiroteios intensos, incêndios e devastações
em nossas matas. Pátria amada, Brasil.
O colunista contextualiza as relações dos irmãos Batista no governo Temer. Só faltou fazer o mesmo em relação ao uso do BNDES durante os governos do PT desde 2010.
ResponderExcluirSugiro a leitura :
" Análise: BNDES gastou R$ 1,2 tri com empresas " amigas " , como JBS e BRF "
Uol Economia, 21.03.2017
😏😏😏
"...um país que segue na normalidade, exceto por alguns eventos extremos, tiroteios intensos, incêndios e devastações em nossas matas."
ResponderExcluirE "coincidências".
Parabéns pelo artigo. Excelente.
Ouviram do Ipiranga às margens plácidas...
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