sexta-feira, 26 de julho de 2024

Hélio Schwartsman - Maduro entregará o osso?

Folha de S. Paulo

Governantes da Venezuela têm muito a perder em caso de derrota eleitoral, o que pode levá-los a medidas extremas

Receio que Nicolás Maduro e seus lugares-tenentes já tenham queimado a linha da normalidade democrática. Não me parece muito realista o cenário em que, no caso de derrota no pleito presidencial do próximo domingo (28)entreguem o poder e se preparem para disputar a próxima eleição, como recomendou Lula. Pelas pesquisas de institutos independentes, o candidato da oposição unificada, Edmundo González, tem sólida vantagem sobre Maduro, o que é compatível com a escala da ruína econômica que o governo promoveu.

O chavismo do qual Maduro é herdeiro começou sob a égide da democracia em 1999, mas foi paulatinamente se convertendo num regime autoritário. Pelo menos desde 2017, quando suprimiu os poderes do Legislativo eleito, pode ser chamado de ditadura. Nesse período, houve graves violações a direitos humanos, pelas quais os atuais governantes teriam de responder em caso de troca de comando. Isso significa que eles têm poucos incentivos para seguir o script das democracias e muitos para tentar burlá-lo e permanecer no poder.

Meu palpite, portanto, é que Maduro fará o que estiver a seu alcance para não entregar o osso. As respostas mais óbvias seriam invalidar o pleito ou recorrer à fraude eleitoral. Esta última seria apenas a continuação dos casuísmos contra a oposição que o regime já perpetrou. Mas pode não ser tão simples, sobretudo se a vantagem numérica de González for muito grande. Outra possibilidade é fingir que aceita um resultado desfavorável, mas fabricar uma crise que inviabilize a transferência de poder. Tempo não faltará. A posse do próximo presidente está prevista só para janeiro de 2025.

O que torna a democracia o menos ruim dos sistemas políticos à nossa disposição é que ela permite ao eleitorado remover pacificamente governantes com os quais não esteja satisfeito. É esse mecanismo que talvez já não funcione mais na Venezuela, o que seria trágico.

 

Um comentário: