Correio Braziliense
Arquivada pela Justiça do Rio, MP pode
reabrir a investigação sobre o envolvimento do clã Bolsonaro no escândalo da
Assembléia Legislativa fluminense
O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Alexandre de Moraes, ao derrubar o sigilo do inquérito sobre a chamada Abin
paralela — que investiga atuação do deputado federal Alexandre Ramagem (PL-RJ),
delegado federal, quando à frente dos serviços de inteligência no governo
passado —, aperta o cerco contra o ex-presidente Jair Bolsonaro, que é um dos
arrolados.
Nas gravações de uma reunião entre ambos, da qual participaram o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, e duas advogadas, fica evidente a intenção de abafar o escândalo das “rachadinhas” na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj), no qual estava envolvido o senador Flávio Bolsonaro (PL-RJ), deputado estadual à época do escândalo. Heleno chega a chamar a atenção de que a conversa não poderia ter vazamentos.
Segundo a Polícia Federal (PF), o objetivo da
reunião — gravada por Ramagem, supostamente com conhecimento de Bolsonaro —
seria anular as provas do escândalo das “rachadinhas”, com o argumento de que o
caso era uma “árvore envenenada” por ser uma operação ilegal na Receita Federal
— tese de defesa das advogadas do senador. Foi o que acabou acontecendo: em
2022, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ) aceitou o pedido do
Ministério Público (MP-RJ) e rejeitou a denúncia de peculato, organização criminosa
e lavagem de dinheiro contra o parlamentar.
Desde 2020, o filho mais velho do
ex-presidente era acusado de recolher parte do salário de funcionários públicos
em benefício próprio, no seu antigo gabinete na Alerj, onde foi deputado
estadual de 2003 a 2019. O policial militar aposentado Fabrício Queiroz, então
chefe de gabinete de Flávio, foi apontado como operador do esquema. Após ser
preso, reconheceu a existência da prática. Mais 15 ex-assessores foram
denunciados.
Em 2018, um relatório do Conselho de Controle
de Atividades Financeiras (Coaf) já havia apontado uma movimentação atípica de
R$ 1,2 milhão na conta do ex-assessor Fabrício Queiroz, entre janeiro de 2016 e
janeiro de 2017, com depósitos e saques em dinheiro vivo, em datas próximas do
pagamento de servidores da Alerj. As quebras dos sigilos fiscais de Queiroz e
de Márcia Aguiar, sua mulher, mostraram, ainda, que a então primeira-dama
Michelle Bolsonaro recebera depósitos de ambos, que totalizavam R$ 89 mil, entre
2011 e 2016.
À época, Bolsonaro disse que o valor era a
devolução de um empréstimo de R$ 40 mil concedido por ele a Queiroz. Os dados
bancários não comprovam o recebimento desse empréstimo. Bolsonaro já era
presidente e Flávio exercia o mandato senador, com direito a foro privilegiado
no STF, quando, após recursos, houve o entendimento do TJ-RJ de que, por ter
emendado os mandatos de deputado estadual e de senador, Flávio manteria o foro
privilegiado no tribunal estadual.
Reabertura de caso
O caso saiu das mãos do juiz da 27ª Vara
Criminal do Rio de Janeiro para a jurisdição do Órgão Especial do TJ-RJ,
composto por 25 desembargadores, antes de ser arquivado. À época, Flávio
classificou a investigação como ilegal. No começo do seu governo, a
popularidade de Bolsonaro havia caído e sua base no Congresso era muito frágil.
O escândalo das “rachadinhas” gerou muita tensão, porque a oposição tentava
articular um pedido de impeachment. Paranoico, Bolsonaro avaliava que seu vice,
o general Hamilton Mourão, hoje senador gaúcho pelo Republicanos, desejava seu
lugar.
A gravação obtida pela PF mostra que a
reunião durou 1h08, em 25 de agosto de 2020. No encontro, Ramagem propôs abrir
procedimentos administrativos contra os auditores-fiscais que investigaram
Flávio para anular as provas, e Bolsonaro concordou. A estratégia foi
bem-sucedida. O arquivamento do inquérito das “rachadinhas” não impede o
Ministério Público de reabrir o caso, o que pode ser o desdobramento do
inquérito da Abin paralela. As novas provas seriam independentes daquelas que
foram declaradas ilícitas.
Ramagem disse à imprensa que gravou a reunião
porque havia a desconfiança de que surgiria uma proposta “não-republicana” do
então governador Wilson Witzel, que também era visto como conspirador por
Bolsonaro. A proposta não se confirmou. Entretanto, o ex-presidente afirma que
o ex-governador fluminense teria prometido ajuda para blindar Flávio na
investigação das “rachadinhas” em troca de uma vaga no Supremo.
Bolsonaro diz na gravação: “O ano passado
(2019), no meio do ano, encontrei com o (Wilson) Witzel, não tive notícia
[inaudível] bem pequenininho o problema. Ele falou, resolve o caso do Flávio.
‘Me dá uma vaga no Supremo. (…) Sede de poder'”. Acrescentou: “Então, você sabe
o que vale você ter um ministro irmão teu no Supremo”. Após a revelação de
Bolsonaro, as advogadas se surpreendem e o ex-presidente explica que a vaga
seria para o desembargador Flávio Itabaiana, responsável por julgar a suspeita
de rachadinha.
Rachaduras expostas.
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