quarta-feira, 17 de julho de 2024

Márcio Garcia - O susto recente do câmbio

Valor Econômico

Malgrado a piora das condições externas, a situação do Brasil é relativamente confortável dentre os mercados emergentes

A escalada do dólar, que se acentuou no mês passado antes de arrefecer um pouco em julho, concentrou boa parte do noticiário econômico. O gráfico mostra o comportamento do real e de várias outras moedas de países emergentes (todas normalizadas em 100 na data inicial). Mostra também a evolução do índice DXY, o dollar index, que mostra a força do dólar contra outras moedas de países avançados. No background, a área sombreada, na escala à direita, é a taxa de juros dos títulos de 10 anos do Tesouro dos EUA.

A percepção de que o Fed iria manter os juros altos por mais tempo do que se previa elevou significativamente as taxas de juros longas nos EUA. Quando isso acontece, há maior transferência de fundos de mercados de risco, entre eles os de moeda de mercados emergentes, para os títulos seguros do Tesouro norte-americano. O gráfico mostra que a maioria das moedas se depreciou frente ao dólar (moveram-se para cima). E o real depreciou-se mais quase todo o tempo.

Mais recentemente, com a queda das taxas de juros longas nos EUA, mercê da percepção de que as perspectivas da inflação por lá estão mais alvissareiras, várias moedas devolveram parte da depreciação acumulada. Mesmo assim, o real foi o que mais se depreciou no período.

Determinar exatamente o que causou movimentos nas taxas de câmbio é sempre difícil, mesmo quando tratamos de períodos passados. O que dirá então tentar estabelecer as causas de movimentos contemporâneos do câmbio. Não obstante, parece haver duas causas principais, uma externa e outra interna. A externa, já mencionada, é a força atratora do dólar quando sobem os juros nos EUA. A interna são as turbulências domésticas, envolvendo as políticas fiscal e monetária, que impactam as perspectivas da inflação e dos juros por aqui.

O passar do tempo vem evidenciando as enormes e previsíveis dificuldades que a equipe econômica vem enfrentando para cumprir as metas fiscais prometidas. A perspectiva de déficits e dívida pública maiores assustou os mercados, fazendo com que investidores externos e internos alterassem suas alocações entre títulos estrangeiros e brasileiros, em detrimento dos últimos. Tal movimento exacerbou a perda de valor do real frente ao dólar.

Além das dificuldades da política fiscal, a política monetária vem preocupando cada vez mais os investidores. É certo que uma política fiscal descontrolada, que leve a dívida pública a crescimento explosivo, inviabiliza a capacidade da política monetária de manter a inflação sob controle. Mas uma política monetária frouxa aceleraria a inflação.

Como se sabe, a sucessão do presidente do BC (e de mais dois diretores) se dará no início de 2025, daqui a menos de seis meses. Em junho, o presidente Lula retomou seus ataques virulentos ao atual presidente do BC. Essa conjunção de fatores levou a temores de que quem vier a ser nomeado para o próximo mandato de presidente do BC possa vir a ser leniente com a inflação, pois não subiria juros caso isso se faça necessário para manter a inflação na meta.

A perspectiva de combinação de política fiscal expansionista com juro baixo, num contexto de pleno emprego como o atual, fatalmente aceleraria a inflação. E não chega a ser surpreendente que tal cenário induza fuga de investimentos do Brasil, acirrando o movimento de depreciação do real.

Alguns fatores técnicos foram também arrolados para tentar explicar a depreciação exacerbada do real. Como os mercados de câmbio no Brasil estão entre os mais líquidos e profundos, quando há um movimento conjunto de venda de moedas emergentes, como se verificou, especuladores que tinham posições compradas em tais moedas tendem a recorrer à venda de reais, como forma de protegerem suas posições. Não há, tanto quanto eu saiba, estimativa da importância quantitativa deste mecanismo.

Durante a subida do dólar, houve quem clamasse por intervenções no mercado de câmbio. Basicamente, são dois os mecanismos de intervenções cambiais que foram usados desde o Plano Real: intervenções cambiais esterilizadas (que não alteram a taxa de juros) e controles de capitais.

Controles de capitais para diminuir depreciação cambial teriam que diminuir a saída de capitais. Os controles de capitais que foram implementados desde o Plano Real, contudo, foram controles de entrada de capitais. Estes são inclusive referendados pelo FMI em algumas situações de excesso de entrada de capitais especulativos. Obviamente, não é caso atual. Seria muito ruim recorrer a controles de saída de capitais, como os que já tivemos no passado. Sendo o Brasil um país de poupança baixa, influxos de capital estrangeiro continuam a ser fundamentais para alavancar o crescimento econômico. Controles de saída de capitais afetariam fortemente a atração de capitais para o Brasil.

Quanto às intervenções esterilizadas, estas tampouco parecem ter sido necessárias, como se comprovou com a apreciação recente. Ao contrário, se o BC tivesse intervindo, poderia ter passado a impressão de que estaria tentando combater a inflação via contenção da taxa de câmbio, para evitar uma elevação dos juros. É justamente o temor de que o BC de 2025 possa ter cerceada sua capacidade de gerir a política monetária que ajuda a pressionar a taxa de câmbio.

Malgrado a piora das condições externas, a situação do Brasil é relativamente confortável dentre os mercados emergentes. Durante procelosa tempestade, em 2002, Lula soube levar o barco a bom porto. Esperamos que não seja diferente desta vez.

Nenhum comentário:

Postar um comentário