O Globo
Nicolás
Maduro não gostou de saber que Luiz Inácio Lula da
Silva se disse assustado com a ameaça de que uma eventual derrota nas eleições
do próximo domingo provocaria um banho de sangue. Pelo jeito, também não achou
bom que Lula tenha aproveitado uma entrevista à imprensa internacional para
afirmar que o banho tem que ser de voto e que o colega precisa aprender a
respeitar o resultado das urnas.
De cima do palanque, Maduro respondeu: “Quem
se assustou, que tome um chá de camomila”. E alfinetou: “Temos o melhor sistema
eleitoral do mundo, são 16 auditorias. No Brasil, não auditam
nenhuma ata”.
A troca de gentilezas pode fazer parecer que houve uma fissura na relação entre Lula e Maduro, como algumas fontes no governo andaram soprando nos bastidores. Os fatos, porém, não autorizam ir tão longe.
Dizer que Maduro tem de respeitar o resultado
das eleições, claro, é bem melhor que dizer “o conceito de democracia é
relativo”, como Lula já fez no passado. Contudo, no mesmo dia em que seu chefe
se disse assustado e preocupado, o assessor especial do Planalto Celso
Amorim declarou ao GLOBO que a democracia na Venezuela “está
consolidada” e que não há razão para as sanções por parte dos Estados Unidos.
“Confiamos que o governo venezuelano tomará
todas as providências para garantir que as coisas corram dessa maneira
[normalmente]”.
Amorim desembarca na Venezuela amanhã, e sua
fala não deixa dúvida de que seu propósito é chancelar o resultado da eleição.
Só que, desde que o processo eleitoral começou, Maduro já deu diversas mostras
de que não levou a sério o compromisso assumido em outubro do ano passado
em Barbados,
diante de vários países, de garantir eleições livres, transparentes, com
resultados aceitos por todos.
Em janeiro, o governo cassou a candidatura da
principal adversária, María Corina Machado, alegando que ela participou de uma
“trama de corrupção”, sem explicar exatamente do que se tratava. Depois,
impediu o registro da substituta, Corina Yoris. Só permitiu a participação do
atual desafiante, Edmundo González Urrutia, depois de muita pressão da
comunidade internacional, incluindo o Brasil.
De acordo com números de ONGs locais, só em
julho o governo Maduro já prendeu 71 opositores, fechou estradas para impedir a
passagem de adversários e, na semana passada, bloqueou o acesso a cinco sites
de notícias. Além disso, mudou as regras para registro eleitoral dos exilados
venezuelanos — 4 milhões, segundo a oposição; 69 mil, para o governo — , que
não conseguem se habilitar para votar.
Em maio, o governo Maduro também cancelou o
convite à União
Europeia a que enviasse representantes para observar o processo
eleitoral. Na prática, o regime escolhe a dedo os estrangeiros que acompanharão
a votação e, ainda assim, seguindo seu próprio roteiro.
O grosso vem de países amigos de Maduro, como
Bolívia, Honduras e Rússia, além de organizações como MST e
Foro de São Paulo. Os quatro representantes da ONU que
estão na Venezuela se comprometeram a não divulgar nenhum documento público
sobre o pleito.
O Carter Center, ligado ao ex-presidente
americano Jimmy Carter, já informou que só verificará situações de violação dos
direitos humanos. Não acompanhará a votação nem a apuração.
Tudo isso mostra que, se tem algo que a
democracia na Venezuela não está, é consolidada. E que a eleição está
contaminada antes mesmo de a votação começar.
A julgar pelas pesquisas, num pleito limpo, a
oposição teria grande chance de vencer. Quase todos os institutos, com exceção
dos alinhados ao governo, mostram que González está bem à frente na preferência
do eleitor, com algo entre 55% e 70% da intenção de voto, a depender do
levantamento, ante no máximo 35% para Maduro.
Por isso a grande preocupação na comunidade
internacional é com o que acontecerá depois da votação. Caso as urnas tragam a
vitória de Maduro no domingo, a oposição dificilmente aceitará. Se porventura
os oposicionistas saírem vencedores, o ditador também já adiantou que não larga
o osso.
Numa primeira leitura, as declarações de Lula
podem sugerir que ele está disposto a pressionar Maduro a deixar o poder caso
perca. Mas também conferem ao brasileiro mais folga para para bancar o ditador
venezuelano contra protestos da oposição derrotada, caso tal circunstância se
imponha.
O que em princípio parece briga pode ser
também uma encenação útil para ambos, Lula e Maduro. Só será possível conferir
qual alternativa é verdadeira depois que forem anunciados os resultados da
eleição de domingo. Até lá, haja chá de camomila.
Sei.
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