O Globo
Maduro foi especialmente malicioso com seus
companheiros de esquerda Lula e Gustavo Petro
A política está tão aloprada que o
protoditador da Venezuela, Nicolás Maduro, saiu em defesa de Jair Bolsonaro e
Donald Trump depois que o presidente brasileiro disse ter se assustado com o
“banho de sangue” previsto, em caso de derrota no domingo, por seu antigo
aliado.
Ao afirmar que as eleições no Brasil, nos
Estados Unidos e na Colômbia não são auditáveis, ao contrário das venezuelanas,
Maduro foi especialmente malicioso com seus companheiros de esquerda Lula e
Gustavo Petro. Colocou-os ao lado do protótipo do direitista raivoso, Donald
Trump.
Tratou especialmente Lula com requintes de maldade, logo ele, que já disse absurdos como “na Venezuela tem democracia até demais”, como se fossem todos do mesmo naipe. Para se defender do comentário de Lula, tocou num ponto nevrálgico, a lisura do sistema brasileiro de votação eletrônica, mesma tecla que Bolsonaro acionou e que deu motivo, em última instância, à tentativa de golpe bolsonarista.
Um tipo como Maduro dando-lhe razão não podia
ser melhor para Bolsonaro, que nem precisou sair em sua defesa, pois a fala já
é suficiente para avalizar a tese amalucada. Se até um líder esquerdista como
Maduro acha isso, está provada. Esse imbróglio no centro nervoso da esquerda da
América do Sul só acontece porque, nesse campo, bastou ser contra os Estados
Unidos para ter abrigo, por mais absurda que seja a situação.
Foi assim que o presidente da Rússia,
Vladimir Putin, se tornou o melhor aliado dos esquerdistas. Justamente por essa
“qualidade”, que anula todos os absurdos que tenha cometido, como a invasão da
Ucrânia. O afã de proteger seu amigo Maduro, que herdou de seu amigo Chávez, já
fez Lula se meter em situações ridículas, como argumentar que na Venezuela há
muitas eleições. Ou afirmar que os venezuelanos podem escolher “o presidente
que quiserem”, como se não soubesse que os principais opositores de Maduro foram
presos ou impedidos de concorrer.
Eleito no Brasil como defensor da democracia
na eleição contra Bolsonaro, cujo governo desde o início deu sinais de que
caminhava para uma autocracia, tendência confirmada na tentativa de golpe logo
depois da eleição que perdeu em 2022, Lula deveria ter ditado o caminho
democrático para a região que o Brasil lidera, sem ser condescendente com seus
amigos de Nicarágua, Cuba e Venezuela.
Maduro vê a possibilidade de perder a eleição
no próximo domingo e apela para tudo. A propaganda do adversário Edmundo
González Urrutia está banida das principais cidades do país, que só têm lugar
para cartazes de Maduro. Até para os eleitores que vivem no exterior — e são
milhões —, ele está criando empecilhos, cobrando taxas de centenas de dólares
para registrá-los, obrigando-os a provar que estão em situação legal nos países
onde vivem. Mas a maioria é ilegal, saiu fugida da Venezuela. São votos certos
para a oposição.
Será difícil controlar a eleição, mas ele
tenta. Tem todos os mecanismos do Estado a seu favor, controla o tribunal
eleitoral. Se a eleição for apertada, ele ganha. Só não ganha se for impossível
deturpar o resultado. As pesquisas dão uma larga vantagem para a oposição,
larga talvez demais para ser alterada pela fraude. Aí Maduro sairá com algum
tipo de retaliação e com ameaças.
O governo brasileiro está em situação
difícil, pois a crítica de Maduro inviabilizou a ida de técnicos do TSE para
acompanhar a eleição. Se o assessor de Assuntos Internacionais da Presidência,
o ex-chanceler Celso Amorim, não desistir também de ir, qualquer crítica à
eleição será de um enviado especial de Lula. Maduro não queria que o Brasil
demonstrasse desconfiança sobre a eleição. Mais um sinal de que alguma coisa
pode haver.
Ditador é ditador em qualquer campo ideológico.
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