quinta-feira, 25 de julho de 2024

Merval Pereira - Maduro em transe

O Globo

Maduro foi especialmente malicioso com seus companheiros de esquerda Lula e Gustavo Petro

A política está tão aloprada que o protoditador da Venezuela, Nicolás Maduro, saiu em defesa de Jair Bolsonaro e Donald Trump depois que o presidente brasileiro disse ter se assustado com o “banho de sangue” previsto, em caso de derrota no domingo, por seu antigo aliado.

Ao afirmar que as eleições no Brasil, nos Estados Unidos e na Colômbia não são auditáveis, ao contrário das venezuelanas, Maduro foi especialmente malicioso com seus companheiros de esquerda Lula e Gustavo Petro. Colocou-os ao lado do protótipo do direitista raivoso, Donald Trump.

Tratou especialmente Lula com requintes de maldade, logo ele, que já disse absurdos como “na Venezuela tem democracia até demais”, como se fossem todos do mesmo naipe. Para se defender do comentário de Lula, tocou num ponto nevrálgico, a lisura do sistema brasileiro de votação eletrônica, mesma tecla que Bolsonaro acionou e que deu motivo, em última instância, à tentativa de golpe bolsonarista.

Um tipo como Maduro dando-lhe razão não podia ser melhor para Bolsonaro, que nem precisou sair em sua defesa, pois a fala já é suficiente para avalizar a tese amalucada. Se até um líder esquerdista como Maduro acha isso, está provada. Esse imbróglio no centro nervoso da esquerda da América do Sul só acontece porque, nesse campo, bastou ser contra os Estados Unidos para ter abrigo, por mais absurda que seja a situação.

Foi assim que o presidente da Rússia, Vladimir Putin, se tornou o melhor aliado dos esquerdistas. Justamente por essa “qualidade”, que anula todos os absurdos que tenha cometido, como a invasão da Ucrânia. O afã de proteger seu amigo Maduro, que herdou de seu amigo Chávez, já fez Lula se meter em situações ridículas, como argumentar que na Venezuela há muitas eleições. Ou afirmar que os venezuelanos podem escolher “o presidente que quiserem”, como se não soubesse que os principais opositores de Maduro foram presos ou impedidos de concorrer.

Eleito no Brasil como defensor da democracia na eleição contra Bolsonaro, cujo governo desde o início deu sinais de que caminhava para uma autocracia, tendência confirmada na tentativa de golpe logo depois da eleição que perdeu em 2022, Lula deveria ter ditado o caminho democrático para a região que o Brasil lidera, sem ser condescendente com seus amigos de Nicarágua, Cuba e Venezuela.

Maduro vê a possibilidade de perder a eleição no próximo domingo e apela para tudo. A propaganda do adversário Edmundo González Urrutia está banida das principais cidades do país, que só têm lugar para cartazes de Maduro. Até para os eleitores que vivem no exterior — e são milhões —, ele está criando empecilhos, cobrando taxas de centenas de dólares para registrá-los, obrigando-os a provar que estão em situação legal nos países onde vivem. Mas a maioria é ilegal, saiu fugida da Venezuela. São votos certos para a oposição.

Será difícil controlar a eleição, mas ele tenta. Tem todos os mecanismos do Estado a seu favor, controla o tribunal eleitoral. Se a eleição for apertada, ele ganha. Só não ganha se for impossível deturpar o resultado. As pesquisas dão uma larga vantagem para a oposição, larga talvez demais para ser alterada pela fraude. Aí Maduro sairá com algum tipo de retaliação e com ameaças.

O governo brasileiro está em situação difícil, pois a crítica de Maduro inviabilizou a ida de técnicos do TSE para acompanhar a eleição. Se o assessor de Assuntos Internacionais da Presidência, o ex-chanceler Celso Amorim, não desistir também de ir, qualquer crítica à eleição será de um enviado especial de Lula. Maduro não queria que o Brasil demonstrasse desconfiança sobre a eleição. Mais um sinal de que alguma coisa pode haver.

 

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