O Globo
Pode-se dizer que Luiz Inácio Lula da
Silva tem vários defeitos, mas ser um neófito não é um deles. Por isso, muita
gente no mercado e no meio político se perguntou por que tanta insistência nos
ataques ao presidente do Banco
Central, Roberto
Campos Neto, nas últimas duas semanas.
Lula é um veterano em turbulências econômicas
e sabe o efeito que suas declarações podem ter sobre o mercado em períodos de
alta sensibilidade. Mas parece ter dificuldade em entender que o nervosismo que
tomou conta do mercado após suas críticas a Campos Neto e às altas taxas de
juros não é propriamente uma defesa de seu rival, e sim efeito da dúvida sobre
o compromisso do governo de aprofundar o ajuste fiscal para manter as contas
públicas equilibradas.
Afinal, entre um ataque e outro, Lula mesclou as menções ao “viés político” de Roberto Campos Neto com frases dúbias sobre sua real disposição para cortar gastos, num momento em que a equipe econômica reconhece que será preciso tomar alguma atitude para ao menos tentar cumprir a meta de déficit zero em 2024.
“Problema não é que tem que cortar. Problema
é saber se precisa efetivamente cortar ou aumentar a arrecadação”, disse ele em
entrevista ao UOL.
Gestos como a defesa de desoneração de
impostos para produtos como a carne contra a vontade da Fazenda não ajudaram a
aplacar o temor de um descontrole nas contas públicas que leve a um aumento
ainda maior dos juros, no futuro.
O efeito foi uma escalada do dólar, que fechou
o mês de junho valendo R$ 5,58, depois de ter iniciado o mês a R$ 5,12. Com a
crise em curso, Lula se reuniu na casa de Fernando
Haddad com economistas da era Dilma, como Guido Mantega e Luiz Gonzaga
Belluzzo, para discutir o que fazer.
De acordo com o relato dos repórteres Julia
Duailibi e Guilherme Balza, da GloboNews, o
encontro terminou num consenso de que Lula precisava “baixar a temperatura” e
não “cair nas cascas de banana” colocadas por Campos Neto.
O presidente parecia ter concordado, mas, na
manhã de terça-feira, com o dólar a R$ 5,65, disse a uma rádio da Bahia que
havia um “jogo de interesse especulativo” contra o real e que “alguma coisa”
teria de ser feita pelo governo.
A esta altura todo mundo já sabe que Lula
elegeu Campos Neto como inimigo, e não dá nem para dizer que ele está errado
nas críticas que faz. Convescotes com governadores de oposição e entrevistas
rebatendo o presidente da República não são exemplo de isenção. Lula também não
é o único brasileiro que quer juros mais baixos.
Mas também não dá para o presidente dizer que
o problema é político ou ideológico, até porque os diretores indicados por ele
também votaram pela manutenção dos juros em 10,5% ao ano na última reunião do
comitê de política monetária, alegando justamente uma piora nas expectativas
que poderia gerar mais inflação.
O que assustou no rali de Lula foi outra
coisa. “Políticos em geral não estão nem aí para o ajuste fiscal, mas têm medo
do dólar alto”, me resumiu um farialimer apreensivo.
“Essa insistência passa a impressão de que
ele está disposto a explodir não só o dólar, mas também o arcabouço fiscal.”
E o espanto não ficou só na Faria Lima. Muita
gente no próprio governo se perguntou, nos últimos dias, por que o presidente
não parava de falar. E houve até quem desconfiasse se tratar de um movimento
deliberado para favorecer algum agente do mercado.
Guerra contra juros
A explicação, porém, pode ser bem mais
simples. As pesquisas internas do Palácio do Planalto mostram que a maior parte
das pessoas apoia os ataques de Lula aos juros altos e ao presidente do BC —
mais de 60% da população, de acordo com um levantamento recente que chegou à
sua mesa.
Isso torna a “guerra contra os juros”
bastante útil no momento em que Lula está rodando o Brasil para
melhorar sua popularidade e ajudar a minar a força da direita nas eleições
municipais.
Não dá para ignorar, ainda, que Lula assumiu
o terceiro mandato bem mais ressentido com o mercado, que em sua visão
apoiou Jair
Bolsonaro enquanto ele estava preso em Curitiba.
Quem convive com Lula hoje sabe quanto isso conta.
Em sua empolgação retórica, porém, o
presidente esqueceu ou quis esquecer que dólar alto traz mais inflação, e mais
inflação obriga o BC a aumentar mais ainda os juros. Só no final da tarde de
ontem, Haddad e a equipe econômica conseguiram fazê-lo reafirmar o compromisso
com a responsabilidade fiscal — e, dizem nos bastidores, a promessa de mudar de
assunto, pelo menos por um tempo.
A torcida, agora, é que esse tempo dure
bastante. Num cenário tão desafiador, tudo o que o governo não precisa é ter o
próprio presidente espalhando as cascas de banana pelo caminho.
Verdade.
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