quinta-feira, 4 de julho de 2024

Merval Pereira - Independência incomoda PT

O Globo

Petistas alegam que as agências reguladoras retiram dos ministérios e secretarias os poderes de gestão

Não é de hoje que o PT não gosta de autarquias autônomas como o Banco Central. Ao herdar o governo dos tucanos, não se deu bem com os dirigentes de agências reguladoras nomeados pelo governo anterior. A ideia de órgãos reguladores autônomos é consequência da privatização de estatais implementada pelos governos tucanos que criaram o Plano Real, hoje festejado como o ponto de partida do que poderia ter sido uma gestão modernizadora do Estado brasileiro, inconclusa até hoje.

Ter agências independentes dos governos foi a base da defesa dos cidadãos diante de um novo cenário que se abria com o Estado abrindo mão de administrar setores como a telefonia para passar essa tarefa ao setor privado, mas sob a supervisão de órgãos governamentais independentes. Terem comandos com mandatos desvinculados do governo é a premissa básica para o funcionamento desses órgãos, e a autonomia do Banco Central (BC) foi um desses avanços alcançados só recentemente, no governo Bolsonaro.

Desde o início, os governos petistas não se acostumaram a essa independência, alegando que as agências reguladoras retiravam dos ministérios e secretarias os poderes de gestão, limitando suas ações. Foram comuns as pressões do então ministro da Fazenda, Antonio Palocci, para nomear diretores desses organismos, e vários dirigentes pediram para sair antes mesmo do término de seus mandatos devido a essas pressões. Hoje, as agências reguladoras nos governos petistas sofrem forte influência política, o que debilita suas funções independentes.

Os ataques do presidente Lula ao presidente do BC, Roberto Campos Neto, fazem parte desse comportamento petista de considerar que a gestão independente não pode ser tão independente assim. Quando se lembra que o primeiro presidente do BC, ainda não independente, foi Henrique Meirelles, surpreendentemente indicado na época, é preciso ressaltar que Lula passou o governo todo estimulando as críticas do vice-presidente José Alencar aos juros altos do BC e chegou a armar para tirar Meirelles do banco, convidando o economista petista Luiz Gonzaga Belluzzo para seu lugar.

A mudança só não aconteceu porque o Brasil ganhou o grau de investimento das agências internacionais de risco, começando pela Standard & Poor’s (S&P) e Fitch em 2008 e Moody’s em 2009. Tudo se acabaria em 2015, com o cancelamento do aval das agências em meio à crise econômica desencadeada no governo Dilma.

Nas críticas que faz ao presidente do BC, o presidente Lula inclui comentários que retiram antecipadamente de seu escolhido para substituir Roberto Campos Neto a autonomia necessária. Embora, na prática, o fato de o novo presidente do BC ter mandato fixo retire do governo boa parte de seu poder de pressão. Quando Lula diz que vai escolher um presidente que conheça “o Brasil real”, e que trabalhe para o crescimento do país, está tutelando seu escolhido, até agora, mais provavelmente, Gabriel Galípolo, indicado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para a diretoria do banco.

Se não quiser ser mais um Alexandre Tombini, criticado por ter sido um fiel seguidor da política econômica governista, o sucessor de Roberto Campos Neto terá um espaço maior, pois naquela ocasião o Banco Central ainda não era independente, nem tinha mandato fixo. Mas, do jeito que o presidente Lula trata a presidência do BC, como se fosse um apêndice do governo, o próximo presidente já entrará sob suspeita de ser submisso ao Palácio do Planalto.

Ao sair de férias inesperadamente, depois de ter viajado para a Europa para participar de seminários em Lisboa e Genebra, o presidente do BC indicou Galípolo para substituí-lo, numa jogada política em meio a uma crise cambial. O dólar chegou a R$ 5,70 devido às críticas de Lula e começou a cair quando o presidente reafirmou seu compromisso com o equilíbrio fiscal. Nada indica, porém, que essa guerra cambial retórica chegou ao fim, e Galípolo estará à frente do BC nas próximas semanas, quando estará em jogo a possibilidade de aumento dos juros se o mercado cambial continuar pressionando a inflação.

 

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