segunda-feira, 8 de julho de 2024

Marcus André Melo - Lideranças e partidos

Folha de S. Paulo

Bolsonaro ascendeu rejeitando a velha política, mas se submeteu a ela quando sua agenda malograva

Jordan Bardella condicionou sua entronização como primeiro-ministro à obtenção de uma maioria absoluta por seu partido no Parlamento francês. Ao que Marine Le Pen abrandou afirmando que apenas formaria uma coalizão se pudesse "governar". Lideranças radicais rejeitam coalizões e tem arroubos majoritários. Apresentam-se como líderes majoritários, mesmo quando não o são. E formar coalizões significa barganhar, que é a essência da atividade parlamentar.

A França utiliza distritos uninominais e o número efetivo de partidos políticos é maior (3.7) que no Reino Unido (2.3) ou EUA (2.0) devido à existência de segundo turno. Trata-se de um multipartidarismo mínimo onde ainda há incentivos para uma competição pela mediana de preferências do eleitorado. Isto cria fortes incentivos para Le Pen desradicalizar seu programa. O que vem fazendo. Idem Giorgia Meloni. Tais incentivos são universais: veja-se a trajetória de Keir Starmer, que levou seu rival à esquerda, Jeremy Corbyn, a ser expulso do partido trabalhista.

Mas sim, o multipartidarismo, cuja consequência é um presidente/primeiro-ministro minoritário, constrange a ação de lideranças populistas. Não é à toa que Orbán aumentou o contingente de parlamentares eleitos pelo voto distrital —a Hungria usava um sistema híbrido— para fabricar uma maioria parlamentar.

O multipartidarismo levou Milei a barganhar com a casta política que tanto condenou. Dois dos sobrinhos de Carlos Menem, ex-governador de La Rioja, e presidente em dois mandatos, são peças-chave nas negociações de Milei para aprovar seu pacote radical de mudanças; um deles, Martín Menem, filho do senador Eduardo Menem, é o atual presidente da Câmara dos Deputados. A estrutura institucional acabou prevalecendo sem que o núcleo duro do pacote tenha sido abandonado.

Bolsonaro ascendeu rejeitando a velha política, mas se submeteu a ela quando sua agenda malograva e o impeachment entrou na pauta. O rapprochement com o centrão respondeu a este duplo imperativo de sobrevivência, como analisamos, em "Por que a democracia brasileira não morreu?"

Líderes iliberais à esquerda e à direita historicamente vilipendiaram a atividade parlamentar como farsa burguesa. A fórmula leninista "a república democrática é o melhor involucro possível para o capitalismo" só foi abandonada com relutância na tradição socialista.

Mas há coalizões e coalizões! Na Alemanha (Nepp = 5.5), as coalizões são montadas com base em acordos escritos, programáticos. Entre nós, muitos acordos foram "transações à vista". A nossa extrema fragmentação partidária (Nepp = 16.4 em 2018, 9.9 em 2022) "domestica" presidentes iliberais, mas o custo é alto.

 

Um comentário:

  1. Anônimo8/7/24 09:20

    "Bolsonaro ascendeu rejeitando a velha política" - Lembram da NOVA Política que ele prometia?

    Um dos princípios era somente técnicos competentes comandando os ministérios: Ricardo Salles no MMA, Abraham Weintraub e pastor Milton Ribeiro na Educação, general Pazuello na Saúde...

    Continuidade da NOVA Política: venda de joias recebidas de presente de governos estrangeiros e embolsamento da grana pelo Chefe do Executivo (ou chefe da QUADRILHA bolsonarista), ataque constante às urnas eletrônicas, militarização de todos os setores da vida civil, tentativa de golpe militar quando perder a eleição presidencial.

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