Valor Econômico
O ministro da Fazenda, Fernando Haddad,
chegou ao Palácio do Planalto às 8h30 desta quarta-feira e só saiu mais de 12
horas depois, quando terminou a reunião da junta orçamentária com o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva. Esteve ao lado de Lula nos eventos do Palácio ao
longo do dia, mas foi a conversa que tiveram antes da primeira agenda
presidencial, às 10h, que parece ter sido decisiva.
Haddad vinha recebendo cenários os mais
catastróficos. Se o governo agisse agora, ainda daria tempo de retomada até
2026. Se continuasse nessa toada, devolveria o chapéu para a extrema direita. O
ministro chegou com um arsenal de dados para mostrar o impacto do falatório
sobre o dólar, inflação e juro. Desta vez, funcionou. Convergia com os muitos
recados de grandes banqueiros e empresários que, por meio de ministros, fizeram
chegar, nos últimos dias, suas preocupações ao presidente.
Ao meio-dia e meia, no breve discurso de
lançamento do plano safra da agricultura familiar, Haddad era a imagem do
entusiasmo. Até um “querida Janja” soltou. Lula foi breve e ponderado. Governo
não joga dinheiro fora e tem responsabilidade fiscal. Ponto. Não foi só o gogó,
porém, que derrubou o dólar. O palavrão ao longo do dia foi contigenciamento.
Na reunião que entrou pela noite, acertaram-se os ponteiros do compromisso
fiscal redivivo, com o corte dos R$ 25 bilhões em despesas e o contigenciamento
do Orçamento.
Tão importante quanto conhecer as razões
pelas quais o presidente reagiu é entender o que o levou à aloprada das últimas
semanas. Não era nessa toada que vinha, tanto que seu ministro da Fazenda
ganhou credibilidade para tourear as pressões e as dúvidas sobre a
sustentabilidade fiscal. A mesma que estava por um fio até a reação desta
quarta.
No início de junho, Lula recebeu pesquisas
indicando que ele estaria despencando nas redes e que, para reverter esse
declínio, seria preciso foco num tema, juros e bancos, e num personagem,
Roberto Campos Neto. Chegam ao palácio as pesquisas as mais diversas, sem que o
governo as tenha encomendado. Como esta trouxe o que queria ouvir, Lula
comprou. O pavio, encurtado pelo flerte do presidente do Banco Central com a
política, queimou dias a fio.
Quando Lula chegou à casa de Haddad na noite da última sexta-feira o aguardavam cinco economistas: Luiz Gonzaga Belluzzo, Luciano Coutinho, Guido Mantega, Gabriel Galípolo e Eduardo Moreira. A reunião vinha sendo planejada há muito tempo para tentar dar um norte à política industrial do governo. Lula resistia. Acabou por aceitar, mas, pela conjuntura, o encontro acabou tomando outro rumo.
Em uníssono, tentaram convencê-lo a se
preservar. A bola, disseram, deveria ficar com o anfitrião. O presidente estava
indignado e indisposto a se dobrar a um mercado que agora investe contra o real
mas assistiu inerte à queima de R$ 300 bilhões na tentativa de reeleição de seu
antecessor. Os economistas saíram de lá com a expectativa de terem sido capazes
de conter Lula. Ao conversar por telefone com um amigo no sábado, Haddad
confortou-o: “A poeira vai baixar”. Estavam todos enganados. O presidente dobrou
a meta nas entrevistas que deu às rádios baianas na segunda e terça.
O recuo desta quarta sinaliza que Lula, ainda
que tardiamente, resolveu dar ouvidos aos comensais da sexta. De um deles,
ouviu: “É uma questão de poder real. A Presidência tem poder formal, é o
mercado que tem poder real”. E não foi o BC independente quem o inventou.
Belluzzo, um dos presentes ao jantar, costuma citar Keynes (“As regras
autodestrutivas da finança são capazes de apagar o sol e as estrelas porque não
pagam dividendos”) e o discurso de Franklin Roosevelt, em 1936, na Convenção
Democrata.
Neste discurso, Roosevelt descreveu o que
considerava o desvirtuamento, pela finança, do país imaginado por seus
fundadores: “Novos impérios foram construídos a partir do controle das forças
materiais. Mediante o uso das novas corporações, dos bancos e da riqueza
financeira, da nova maquinaria da indústria e do capital (...)Era natural e
talvez humano que os príncipes privilegiados dessa nova dinastia econômica,
sedentos por poder, tentem alcançar o controle do próprio governo. Eles criaram
um novo despotismo e o embrulharam nos vestidos de sanções legais. Em seu
serviço, novos mercenários procuraram arregimentar o povo, seu trabalho e sua
propriedade”.
Naquele mesmo ano emergiu uma aliança de
socialistas e comunistas para resistir ao avanço do fascismo na França. A
Frente Popular introduziu férias de duas semanas e jornada de 40 horas. Em
artigo nesta quarta-feira no “The Guardian”, Thomas Pikkety defendeu o programa
da Nova Frente Popular remetendo-se àquela que a originou. Propôs recuperação
do poder de compra dos trabalhadores (fermento da extrema direita), taxação da
riqueza e reforma da governança corporativa e disse que os partidários de
Emmanuel Macron não podiam considerá-las farinha do mesmo saco do programa da
Reunião Nacional de Jordan Bardella.
Aceitar o poder do mercado, neste momento, é
uma maneira de evitar que a extrema direita volte a galope ao poder no Brasil,
a exemplo da ameaça que paira sobre os Estados Unidos, França e alhures. A
notícia de que o presidente americano, Joe Biden, já aceita discutir sua
substituição, e a perspectiva de uma aliança de Macron com a esquerda para o
segundo turno deste domingo sinalizam uma possível reação. Ao aceitar que o
mercado tem um poder contra o qual não tem instrumentos para concorrer, Lula,
paradoxalmente, mantém o Brasil no jogo da resistência ao avanço da extrema
direita.
Baita artigo!
ResponderExcluirQualquer um que discorde desse governo a colunista classifica como "extrema direita".... Pior que criança birrenta....
ResponderExcluirExtrema direita são todos os Bolsonaro, Zambelli, e outros defensores da tortura e favoráveis a golpe militar quando perdem uma eleição democrática! Excelente artigo, mesmo!
ResponderExcluirLula acertando o passso,muito bom!
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