quinta-feira, 4 de julho de 2024

Maria Cristina Fernandes - O dia em que Lula cedeu ao poder real do mercado

Valor Econômico

O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, chegou ao Palácio do Planalto às 8h30 desta quarta-feira e só saiu mais de 12 horas depois, quando terminou a reunião da junta orçamentária com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Esteve ao lado de Lula nos eventos do Palácio ao longo do dia, mas foi a conversa que tiveram antes da primeira agenda presidencial, às 10h, que parece ter sido decisiva.

Haddad vinha recebendo cenários os mais catastróficos. Se o governo agisse agora, ainda daria tempo de retomada até 2026. Se continuasse nessa toada, devolveria o chapéu para a extrema direita. O ministro chegou com um arsenal de dados para mostrar o impacto do falatório sobre o dólar, inflação e juro. Desta vez, funcionou. Convergia com os muitos recados de grandes banqueiros e empresários que, por meio de ministros, fizeram chegar, nos últimos dias, suas preocupações ao presidente.

Ao meio-dia e meia, no breve discurso de lançamento do plano safra da agricultura familiar, Haddad era a imagem do entusiasmo. Até um “querida Janja” soltou. Lula foi breve e ponderado. Governo não joga dinheiro fora e tem responsabilidade fiscal. Ponto. Não foi só o gogó, porém, que derrubou o dólar. O palavrão ao longo do dia foi contigenciamento. Na reunião que entrou pela noite, acertaram-se os ponteiros do compromisso fiscal redivivo, com o corte dos R$ 25 bilhões em despesas e o contigenciamento do Orçamento.

Tão importante quanto conhecer as razões pelas quais o presidente reagiu é entender o que o levou à aloprada das últimas semanas. Não era nessa toada que vinha, tanto que seu ministro da Fazenda ganhou credibilidade para tourear as pressões e as dúvidas sobre a sustentabilidade fiscal. A mesma que estava por um fio até a reação desta quarta.

No início de junho, Lula recebeu pesquisas indicando que ele estaria despencando nas redes e que, para reverter esse declínio, seria preciso foco num tema, juros e bancos, e num personagem, Roberto Campos Neto. Chegam ao palácio as pesquisas as mais diversas, sem que o governo as tenha encomendado. Como esta trouxe o que queria ouvir, Lula comprou. O pavio, encurtado pelo flerte do presidente do Banco Central com a política, queimou dias a fio.

Quando Lula chegou à casa de Haddad na noite da última sexta-feira o aguardavam cinco economistas: Luiz Gonzaga Belluzzo, Luciano Coutinho, Guido Mantega, Gabriel Galípolo e Eduardo Moreira. A reunião vinha sendo planejada há muito tempo para tentar dar um norte à política industrial do governo. Lula resistia. Acabou por aceitar, mas, pela conjuntura, o encontro acabou tomando outro rumo.

Em uníssono, tentaram convencê-lo a se preservar. A bola, disseram, deveria ficar com o anfitrião. O presidente estava indignado e indisposto a se dobrar a um mercado que agora investe contra o real mas assistiu inerte à queima de R$ 300 bilhões na tentativa de reeleição de seu antecessor. Os economistas saíram de lá com a expectativa de terem sido capazes de conter Lula. Ao conversar por telefone com um amigo no sábado, Haddad confortou-o: “A poeira vai baixar”. Estavam todos enganados. O presidente dobrou a meta nas entrevistas que deu às rádios baianas na segunda e terça.

O recuo desta quarta sinaliza que Lula, ainda que tardiamente, resolveu dar ouvidos aos comensais da sexta. De um deles, ouviu: “É uma questão de poder real. A Presidência tem poder formal, é o mercado que tem poder real”. E não foi o BC independente quem o inventou. Belluzzo, um dos presentes ao jantar, costuma citar Keynes (“As regras autodestrutivas da finança são capazes de apagar o sol e as estrelas porque não pagam dividendos”) e o discurso de Franklin Roosevelt, em 1936, na Convenção Democrata.

Neste discurso, Roosevelt descreveu o que considerava o desvirtuamento, pela finança, do país imaginado por seus fundadores: “Novos impérios foram construídos a partir do controle das forças materiais. Mediante o uso das novas corporações, dos bancos e da riqueza financeira, da nova maquinaria da indústria e do capital (...)Era natural e talvez humano que os príncipes privilegiados dessa nova dinastia econômica, sedentos por poder, tentem alcançar o controle do próprio governo. Eles criaram um novo despotismo e o embrulharam nos vestidos de sanções legais. Em seu serviço, novos mercenários procuraram arregimentar o povo, seu trabalho e sua propriedade”.

Naquele mesmo ano emergiu uma aliança de socialistas e comunistas para resistir ao avanço do fascismo na França. A Frente Popular introduziu férias de duas semanas e jornada de 40 horas. Em artigo nesta quarta-feira no “The Guardian”, Thomas Pikkety defendeu o programa da Nova Frente Popular remetendo-se àquela que a originou. Propôs recuperação do poder de compra dos trabalhadores (fermento da extrema direita), taxação da riqueza e reforma da governança corporativa e disse que os partidários de Emmanuel Macron não podiam considerá-las farinha do mesmo saco do programa da Reunião Nacional de Jordan Bardella.

Aceitar o poder do mercado, neste momento, é uma maneira de evitar que a extrema direita volte a galope ao poder no Brasil, a exemplo da ameaça que paira sobre os Estados Unidos, França e alhures. A notícia de que o presidente americano, Joe Biden, já aceita discutir sua substituição, e a perspectiva de uma aliança de Macron com a esquerda para o segundo turno deste domingo sinalizam uma possível reação. Ao aceitar que o mercado tem um poder contra o qual não tem instrumentos para concorrer, Lula, paradoxalmente, mantém o Brasil no jogo da resistência ao avanço da extrema direita.

 

4 comentários:

  1. Anônimo4/7/24 10:36

    Qualquer um que discorde desse governo a colunista classifica como "extrema direita".... Pior que criança birrenta....

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  2. Anônimo4/7/24 16:04

    Extrema direita são todos os Bolsonaro, Zambelli, e outros defensores da tortura e favoráveis a golpe militar quando perdem uma eleição democrática! Excelente artigo, mesmo!

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  3. Lula acertando o passso,muito bom!

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