Folha de S. Paulo
É de lembrar que nunca se tratou apenas de
devolver valor à moeda
Os brasileiros mais velhos temos nossas
lembranças particulares do dia em que o real começou a circular.
E, antes, de quando tivemos de quebrar a
cabeça para entender o que era uma URV (Unidade Real de Valor) e da atitude
ressabiada diante da nova moeda de muitos de nós que já víramos a inflação
resistir a seis —seis!— planos sucessivos, todos incapazes de baixá-la a níveis
civilizados.
Na segunda-feira (1°), passaram-se 30 anos daquele dia especial. Foram múltiplas as comemorações: textos, programas de TV, seminários, podcasts. Somando-se a tudo o que fora escrito antes, os festejos permitem uma visão substancial daquela empreitada.
Em retrospecto, o êxito do Plano Real foi
possível graças a uma convergência rara de fatores. Entre eles o enlace de um
grupo de economistas com ofício, experiência de vida pública, audácia
intelectual e a difícil disposição de tirar lições dos fracassos anteriores. E,
naturalmente, a liderança do então ministro da Fazenda, Fernando
Henrique Cardoso, capaz de juntar competências, entender suas complicadas
propostas e persuadir o presidente da República, Itamar Franco, os caciques
do PSDB, o
Congresso e o público de que a temeridade podia dar certo.
É de lembrar que nunca se tratou apenas de
devolver valor à moeda. Havia uma ideia de país por trás de tudo; uma ideia
social liberal. Ela aparece já no PAI (Programa de Ação Imediata), anunciado um
mês depois da posse de FHC e um ano antes do lançamento da nova moeda.
De fato, a derrota da hiperinflação era o
terceiro dos cinco objetivos arrolados no documento, antecedido pela
consolidação da democracia e pelo resgate da dívida social com a retomada do
crescimento sustentado. Condição dessas metas capitais, ela aparecia, desde
sempre, indissociável do acerto das contas públicas nas três esferas de
governo.
O êxito da estabilização monetária
desencadeou uma série de reformas, que não se limitaram à esfera econômica nem
eram de corte liberal. Antes, davam corpo a compromissos sociais firmados na
redemocratização.
Graças à moeda firme foi possível desatar os
nós financeiros que impediam a plena implantação do SUS (Sistema
Único de Saúde) como arranjo institucional entre os três níveis de governo. E
já em 1996 tornou possível o Fundef (Fundo de Desenvolvimento do Ensino
Fundamental), uma iniciativa impraticável à época em que o descontrole dos
preços banhava em incerteza as transferências intergovernamentais.
Mais tarde, a nova moeda tornou efetivos
programas de transferência de renda —como o Bolsa Escola e o Auxílio Gás—
modestos antecessores do Bolsa Família.
Um país renascia.
Lembro bem da inflação galopante,galopar é pouco,ela voava.
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