Folha de S. Paulo
Proposta sobre drogas desloca o tema da
esfera criminal para a da saúde
Um realismo progressista teria sido a chave
da folgada vitória do Partido
Trabalhista britânico, pondo fim a 14 anos de domínio dos
conservadores.
É o que argumenta, em artigo para a revista
americana The Atlantic, a escritora e jornalista Anne Applebaum. Segundo
ela, a receita vitoriosa consistiria em menos guerra ideológica, mais sintonia
fina com as preocupações das pessoas comuns e uma linguagem capaz de chegar a
elas.
Realismo, por sinal, é o que não tem faltado ao presidente Lula. Para isso, o empurram o seu conhecido tino político, o desenho de nossas instituições, que favorece a moderação política, bem como o fato de o PT e seus aliados de esquerda estarem longe de ser maioria no Congresso.
Por realismo, o progressismo do governo tem
se concentrado na agenda socioeconômica: arcabouço fiscal, reforma tributária,
de um lado; de outro, valorização do salário mínimo, Bolsa Família —e os novos
programas Desenrola e
Pé-de-Meia—, reconstrução das capacidades do SUS e do Ministério da Educação
depredadas pelo bolsonarismo.
Por outro lado, a administração federal tem
fugido como o diabo da cruz de temas que, sendo caros às esquerdas —além de
imperativos civilizatórios—, se tornaram alvo preferencial da extrema direita:
demarcação de terras indígenas; aborto legal; combate ao preconceito contra
pessoas LGBTQIA+; tratamento digno à população carcerária; regulamentação do
acesso a drogas; políticas de segurança pública respeitosas dos direitos
individuais.
Por isso, os governistas deixaram passar a
lei que reduziu os casos permitidos de saída temporária de presidiários. A
mesma sina esperava o projeto de lei que definia o aborto legal.
Só a reação contundente de personalidades e organizações da sociedade levou o
presidente da Câmara a tirá-lo da pauta de votações.
Essa atitude pode estar mudando. Na edição de
8/7, esta Folha informou que
o governo decidiu agir em relação à PEC (Proposta de Emenda Constitucional)
"das Drogas", que, se aprovada, tornaria crime o porte de
entorpecentes, acabando com a distinção entre usuários e traficantes.
A estratégia concebida no Ministério da
Justiça é de prudente realismo. Trata de construir um argumento
razoável que desloque o tema da esfera criminal para a da saúde, mantenha a
distinção entre quem consome e quem vende maconha, justificando a aplicação de
sanções apenas administrativas aos primeiros, ao tempo em que se compromete com
ações de esclarecimento que diminuam o seu uso. Uma agenda modesta quando
comparada ao que se faz em outros países. Mas realista e progressista na medida
do possível.
Maconha é uma droga pavorosa,mas proibir não resolve nada.
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