quarta-feira, 24 de julho de 2024

Martin Wolf - Imigração é essencial e impossível

Financial Times / Valor Econômico

Se a imigração em massa permanecer inaceitável, mas se tornar essencial, a única solução provável são os contratos temporários

Nas democracias ricas, a imigração está alimentando ferrenhas reações hostis. Não é de surpreender. Embora alguns poucos insistam que todos têm o direito de compartilhar a liberdade e prosperidade desses países, muitos de seus concidadãos veem os que tentam entrar em suas fronteiras mais como invasores. De forma similar, o ponto de vista favorável de economistas sobre o lado econômico da questão ignora o fato de que os imigrantes são pessoas cujos descendentes podem passar a morar nesses países de forma permanente. A imigração, portanto, se trata de uma questão de identidade nacional.

Nas recentes eleições europeias, as atitudes em relação aos imigrantes foram fundamentais para arregimentar apoio para os partidos nacionalistas. Nos Estados Unidos, a feroz campanha de Donald Trump contra as pessoas que cruzam a fronteira sul do país tem sido uma grande fonte de seu poder de atração. “Os criminosos do mundo estão vindo para cá, para uma cidade perto de você - e estão sendo enviados pelos governos deles”, disse Trump em seu discurso na convenção do Partido Republicano. Tanto nos EUA quanto no Reino Unido, pesquisas mostram como a imigração é uma questão que se sobressai e cria divisões: Trump sabe muito bem o que está fazendo e por quê.

No entanto, Lant Pritchett, um dos principais pensadores mundiais sobre desenvolvimento econômico, em um artigo sobre “a aceitabilidade política da mobilidade laboral por tempo limitado”, argumenta que as mudanças demográficas podem forçar uma abertura na chamada “janela de Overton” sobre o que é possível discutir quanto à imigração. Os países de alta renda podem precisar abandonar a visão binária atual das opções - ou excluir a migração ou que ela se torne um caminho para a cidadania - em nome do próprio interesse e no dos países em desenvolvimento.

Se os países quiserem sustentar o pacto de bem-estar intergeracional e não puderem aumentar a idade de aposentadoria para, digamos, os 75 anos, os imigrantes, tanto qualificados quanto relativamente não qualificados, serão necessários

Comecemos o interesse destes últimos. A diferença nos salários médios entre países ricos e pobres é assombrosa. Em 2021, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), o poder de compra da renda média mensal na Etiópia equivalia a 5% do observado na Alemanha. Mesmo o da Índia equivalia a apenas 15%.

Essas diferenças criam tanto a maior oportunidade de arbitragem do planeta quanto enormes potenciais ganhos de bem-estar. Pritchett argumenta que se 1,1 bilhão de pessoas fossem autorizadas a se deslocar e seu ganho salarial médio fosse de US$ 15 mil anuais em termos de poder de compra, o ganho total seria de US$ 16,5 trilhões. Isso, acrescenta Pritchett, seria mais de 100 vezes maior do que os benefícios para os países em desenvolvimento referentes a toda a assistência internacional ao desenvolvimento.

Ainda assim, embora essas diferenças salariais criem um enorme incentivo econômico para os pobres se mudarem a países ricos, mesmo que temporariamente, os que conseguem fazê-lo são relativamente poucos: os controles são muito rígidos e os custos e riscos, simplesmente muito grandes.

Isso, porém, poderia mudar, argumenta ele.

Em primeiro lugar, a combinação entre o envelhecimento médio da população e a menor fertilidade histórica gerará aumentos tão grandes na proporção de idosos em relação às pessoas em idade economicamente ativa que o sistema de apoio aos idosos se tornará insustentável sem imigração. Na Espanha, por exemplo, essa proporção deverá cair de 2,45 em 2020 para 1 em 2050.

Em segundo, muitos trabalhos essenciais não exigem alta capacitação, mas os trabalhadores precisam estar presentes. Os serviços de cuidado a idosos são um exemplo.

Em terceiro, as pessoas em países ricos começarão a perceber que há outra opção - trabalho temporário com contrato, sem reunificação familiar ou possibilidade de cidadania.

Em quarto, serão criadas, então, empresas para organizar a migração de pessoas com contratos temporários, seja entrando ou saindo de países ricos. As empresas desse mercado assumirão a responsabilidade por cumprir os termos exigidos.

Por fim, nada disso requer mudanças fundamentais nas atitudes em relação aos imigrantes em países ricos. No entanto, provavelmente exigiria a criação de identidades digitais seguras para as várias categorias de residentes legítimos. As penalidades para empregar pessoas que não possuem essas identidades seriam muito altas. As empresas que violem suas obrigações legais na migração de trabalhadores temporários, e inclusive os trabalhadores, também devem estar sujeitos a altas penalidades.

Uma objeção é que isso criaria duas classes de seres humanos: pessoas de primeira classe com direito a viver em países de alta renda e pessoas de segunda classe que teriam, no melhor cenário, apenas residência temporária nesses países, com o propósito de trabalhar lá. O esquema proposto, contudo, não impediria os países de também permitirem a entrada permanente de pessoas. Ainda mais importante, a proposta ofereceria a essa segunda classe bem mais oportunidades, que possivelmente até mudariam a vida das pessoas.

De acordo com Pritchett, em sua rodada de pesquisas de 2009-2010, a Gallup perguntou às pessoas ao redor do mundo se gostariam de se mudar temporariamente para trabalhar em outro país. Cerca de 1,1 bilhão responderam “sim”, incluindo 41% da população com 15 a 24 anos e 28% daqueles com 25 a 44 anos. O melhor indisponível não deveria ser inimigo do bom disponível.

Nada disso é imaginável agora. É bem provável, entretanto, que isso mude. Afinal, as pessoas que estarão trabalhando em 2050 já nasceram quase todas. Mesmo se as pessoas começassem a trabalhar aos 15 anos, o que para os dias de hoje seria, de fato, cedo demais, ninguém que não esteja vivo agora estará disponível para trabalhar antes de 2040, sem imigração. Se os países quiserem sustentar o pacto de bem-estar intergeracional e não puderem aumentar a idade efetiva de aposentadoria para, digamos, os 75 anos, os imigrantes, tanto qualificados quanto relativamente não qualificados, serão necessários. Se os países não quiserem abrir um caminho para a cidadania plena para um grande número de pessoas, serão conduzidos à opção de contratos temporários. Isso será particularmente irresistível para países com índices de fertilidade próximos a 1 filho por mulher, como existem vários hoje em dia.

Se a imigração em massa permanecer inaceitável, mas se tornar essencial, então algo mais aceitável precisará ser encontrado. A única solução provável são os contratos temporários. Poucos defenderão essa opção. Mas ela seria melhor do que as alternativas. A hora dela vai chegar. (Tradução de Sabino Ahumada)

 

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