Financial Times / Valor Econômico
Estamos descobrindo que é praticamente
impossível agir na escala necessária para conter o aquecimento global
No cerne das tentativas para interromper as mudanças climáticas, há duas ideias: descarbonizar a eletricidade e eletrificar a economia. Então, como isso está indo? Mal, é a resposta.
Se a situação mudará a tempo? Não, na
trajetória atual. Ainda pior, a política, sempre difícil, tornou-se ainda mais
complicada: as pessoas simplesmente não querem pagar pelo preço de
descarbonizar a economia.
Um fato desanimador: em 2023, a produção de eletricidade gerada por combustíveis fósseis foi a maior na história. A participação da eletricidade produzida dessa maneira em relação ao total, na verdade, caiu, de 67%, em 2015 (data do célebre Acordo de Paris sobre o clima), para 61%, em 2023. Nesses oito anos, contudo, a produção total de eletricidade no mundo saltou 23%. Como resultado, embora a geração de fontes não fósseis (incluindo a nuclear) tenha aumentado impressionantes 44%, a de combustíveis fósseis cresceu 12%. Infelizmente, a atmosfera reage às emissões, não às boas intenções: estamos correndo para a frente, mas indo para trás.
A explicação para esse aumento explosivo na
geração de eletricidade é o desejo de pessoas e empresas em países emergentes e
em desenvolvimento de gozar dos estilos de vida dos países de alta renda, de
uso intensivo de energia. Como estes últimos não têm intenção de abrir mão
desse estilo de vida, como podem reclamar dos outros? Sim, existe um movimento,
politicamente irrelevante, de “decrescimento”. No entanto, interromper o
crescimento, mesmo que fosse politicamente aceitável (o que não é!), não eliminaria
a demanda por eletricidade. Isso exigiria reverter o crescimento dos últimos
150 anos, em vez de apenas interrompê-lo.
A única solução é uma descarbonização mais
rápida e, portanto, um maior investimento em eletricidade gerada por fontes
renováveis e nucleares - na verdade, por qualquer fonte que não queime
combustíveis fósseis. Precisamos admitir, entretanto, que até agora, apesar de
muito discurso, as emissões não vêm diminuindo e, dessa forma, tanto os
estoques de gases causadores do efeito estufa na atmosfera quanto as
temperaturas mundiais vêm aumentando.
Uma resposta a isso muito mais perigosa (por
ser mais potente politicamente) que a dos defensores do decrescimento vem de
seu movimento oposto - o dos nacionalistas e defensores do livre mercado. Essa
resposta é: “Quem se importa? Deixem a economia dos combustíveis fósseis se
desenvolver”.
Há um importante contraponto a esse ponto de
vista em um artigo recente de pesquisadores do Instituto Potsdam de Pesquisas
sobre o Impacto Climático (PIK, na sigla em alemão). O documento constata que
“a economia mundial está comprometida a [ter] uma redução de renda de 19%” até
2050, dentro de uma faixa provável de queda entre 11% e 29%, dadas as
incertezas, em relação ao que teria ocorrido sem as mudanças climáticas. A
palavra “comprometida” aqui descreve apenas o impacto das emissões passadas e
cenários futuros “socioeconomicamente plausíveis”, ou “se os negócios
continuarem como sempre”.
É provável que daqui a 100 anos, as pessoas
lembrarão de nossa era como a que legamos, de forma consciente, um clima
desestabilizado. O mercado não corrigirá essa falha de mercado. Fragmentação
política e populismo tornam inconcebível que surja a coragem para corrigi-la
O estudo também assevera que os custos para
suavizar isso, limitando o aumento da temperatura a 2°C são apenas um sexto dos
custos que seriam provocados pelas prováveis mudanças climáticas. Acrescenta
que as maiores perdas serão sofridas pelos países mais pobres em “latitudes
mais baixas” (o Sul Global de hoje), que não são responsáveis pela armadilha na
qual se encontram.
Não é preciso acreditar em análises tão
específicas como essas. Mas é preciso acreditar na física, não particularmente
complicada, do aquecimento mundial e na maluquice de conduzir experimentos
irreversíveis de longo prazo no único planeta habitável que temos. Além disso,
agora está claro que as previsões passadas sobre o aquecimento mundial provaram
estar corretas em grande medida. Persistir no ceticismo, é imoral e estúpido.
Mesmo um fanático do livre mercado não pode negar que externalidades ambientais
são uma forma de falha de mercado. O clima é a maior externalidade de todas.
Também cria o maior problema possível de ação coletiva, um problema que afeta
não apenas toda a humanidade, mas que também tem enormes consequências
distributivas intergeracionais e dentro da própria geração.
Até recentemente, eu ainda esperava que
pudéssemos ter sorte: as forças do mercado (somadas ao investimento maciço da
China) poderiam conduzir o mundo rumo às fontes renováveis com a rapidez
suficiente. Isso não parece mais plausível, porque o ritmo da mudança rumo às
fontes renováveis precisa ser incrivelmente acelerado (sem contar os muitos
outros investimentos necessários). Em seu livro “The price is wrong: Why
capitalism won’t save the planet”, Brett Christophers argumenta que o fato de o
preço da eletricidade gerada pelas fontes renováveis estar em queda não torna
essas fontes um investimento atraente para os investidores: o que importa são
os lucros, não os custos marginais. Caso Christophers esteja certo, será
necessária alguma combinação de altos impostos sobre a emissão de carbono, de
subsídios de longo prazo e de mudanças na estrutura dos mercados de
eletricidade.
Isso não é tudo. Como Nicholas Stern e Joseph
Stiglitz argumentam no artigo “Climate Change and Growth”, um dos problemas
mais importantes nesse front é que os mercados de capital não conseguem dar um
preço para o futuro de forma apropriada. Portanto, os retornos que os
investidores de hoje buscam implicam que o bem-estar dos seres humanos futuros
é quase irrelevante. Isso só faz sentido quando se pode presumir que o futuro
estará bem. Mas e se as decisões sendo tomadas pelos investidores garantirem
que não estará? Então, as instituições - os governos, evidentemente - precisam
influenciar, ou mesmo derrubar, essas decisões. Isso dá muita força ao
argumento de que se deve influenciar (ou determinar) os custos de capital. Isso
é particularmente importante para países emergentes e em desenvolvimento, onde
os custos de capital são punitivos. Um importante artigo recente do centro de
estudos Bruegel, “The Economic Case for Climate Finance at Scale”, apresenta um
argumento convincente a favor de financiar um processo acelerado para que esses
países deixem de depender do carvão.
Daqui a 100 anos, as pessoas provavelmente lembrarão de nossa era como aquela em que legamos, de forma consciente, um clima desestabilizado. O mercado não corrigirá essa falha de mercado mundial. E a fragmentação política de hoje e o populismo nacional tornam quase inconcebível que venha a surgir a coragem necessária para corrigi-la. Falamos muito. Mas descobrimos que é praticamente impossível agir na escala necessária. Essa é uma falha trágica. (Tradução de Sabino Ahumada)
Geração ( de energia ) nuclear deve atingir novo recorde até 2025
ResponderExcluir" Até 2025, a geração global de energia nuclear deve ultrapassar seu último recorde de 2021 e, junto com fontes renováveis como solar, eólica e hidroelétrica reduzir a participação dos combustíveis fósseis no mix de fornecimento de eletricidade, aponta relatório da Agência Internacional de Energia (IEA, em inglês) publicado nesta quarta (24/1).
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Entre 2024 e 2026, a agência projeta uma capacidade adicional de 29 GW de energia nuclear entrando em operação em todo o mundo, sendo mais da metade na China e na Índia. Já a geração deve ter um crescimento de cerca de 3% ao ano, em média, até 2026, se aproximando de 3 mil TWh.
Com novas usinas iniciando operações comerciais em várias regiões, além da recuperação nuclear francesa e das reativações esperadas no Japão, a IEA espera que a geração global seja quase 10% maior em 2026 em comparação com 2023. "
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( epbr.com.br )