terça-feira, 2 de julho de 2024

Merval Pereira - A direita se move

O Globo

Eleitorado quer mudar radicalmente a situação, e Macron dificilmente conseguirá reverter esse ambiente

A direita política colheu uma série de vitórias nos últimos dias na França e nos Estados Unidos, que repercutem na direita brasileira. A decisão da Suprema Corte americana de dar a Donald Trump uma imunidade parcial nos processos a que responde favorece-o na corrida presidencial, afastando a possibilidade de vir a ser julgado antes das eleições de novembro.

Além desse efeito prático, a maioria conservadora da Suprema Corte deu argumentos à visão da direita internacional, especialmente aos bolsonaristas, que identificam na decisão a confirmação de que o ocorrido no Brasil pode não ter sido uma tentativa de golpe, mas uma ação presidencial dentro de suas prerrogativas.

Assim como Trump tinha direito de pedir ao secretário de Estado da Georgia que “encontrasse” mais votos para ele em sua região, Bolsonaro também poderia ter “consultado” ministros e assessores sobre reações à vitória de Lula na eleição presidencial.

A visão conservadora da maioria dos juízes da Suprema Corte dos Estados Unidos também chancela a estratégia de controlar a mais alta Corte do país com nomeações a dedo. Além do mais, a provável eleição de Trump nos Estados Unidos levará ao governo um aliado incondicional da direita brasileira, com ligações pessoais com os Bolsonaros.

O mesmo não acontecerá com uma possível vitória da direita francesa, na pessoa de Marine Le Pen. Ela já disse anteriormente que atitudes e linguajar como os de Bolsonaro não são aceitáveis na França. A resposta do eleitorado francês à decisão de Emmanuel Macron de antecipar as eleições está muito clara, a maioria da população reafirmou que quer mudanças, quer isolá-lo no poder.

Ele pode fazer acordo com a esquerda e manter a maioria, mas isso não lhe dará força. Pelas previsões, o centro chefiado por ele praticamente desapareceu, foi engolido pela frente de direita. A chance de ele retomar um governo com qualidade e força é mínima. Ficará isolado no Congresso, sem condições de decidir as questões internas. Terá presença na política externa e na defesa, setores importantes num momento de crise internacional e de guerras que envolvem a Europa, com questões delicadas, como a posição francesa em relação a Putin.

A vitória da direita mostra que o centro que apoiava Macron foi para a direita, e a extrema direita foi para o centro. Essa combinação pode deixá-lo isolado na Presidência e na coabitação, sem poder. Haverá crises permanentes. A manobra que ele tentou para esvaziar a extrema direita foi errada; ao contrário, fortaleceu-a.

É um sinal claro de que o eleitorado quer mudar radicalmente a situação, e Macron dificilmente conseguirá reverter esse ambiente. A direita e a extrema direita têm ganhado terreno no mundo todo, principalmente na Europa. O momento não é bom para o centro democrático. O fato de o partido de Macron ter chegado em terceiro lugar no primeiro turno mostra que os eleitores de centro acompanharam o movimento de Marine Le Pen, que também mudou de atitude, a ponto de não ser vista mais como política de extrema direita por muitos setores da sociedade.

O mesmo perfil de centro-direita é buscado pelos possíveis sucessores de Bolsonaro no Brasil. Todos os governadores vistos — inclusive por Lula — como potenciais candidatos à Presidência se distanciam da agressividade de Bolsonaro, especialmente o de São Paulo, Tarcísio de Freitas. Pagar tributo, no entanto, faz parte do jogo eleitoral, e isso obriga Tarcísio a adotar medidas estapafúrdias como as escolas cívico-militares ou a visão autoritária na segurança pública.

Talvez obrigar não seja o melhor termo para definir a situação. Pode ser que Tarcísio considere que esses exemplos de radicalização sejam mesmo a solução para questões tão fundamentais como segurança pública e educação.

 

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