quarta-feira, 24 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Lula tem de ampliar cobrança a Maduro

O Globo

Reação ao ditador foi tardia, mas correta. Brasil precisa, porém, ser mais veemente ao exigir respeito às urnas

Demorou, mas o presidente Luiz Inácio Lula da Silva enfim reagiu publicamente ao regime ditatorial de Nicolás Maduro na Venezuela. “Fiquei assustado com as declarações de Maduro de que, se perder as eleições, haverá um banho de sangue. Quem perde as eleições toma banho de votos, não de sangue. O Maduro tem que aprender. Quando você ganha, você fica. Quando você perde, você vai embora. Vai embora e se prepara para disputar outra eleição”, afirmou Lula.

Era esse o tom que ele deveria ter adotado desde a volta ao Palácio do Planalto. Ainda que tardia, a mudança de postura é bem-vinda. Mas é crucial que seja aprofundada. Diante das tentativas de barrar a participação de eleitores da oposição no pleito presidencial de domingo, prisões arbitrárias, viradas de mesa de última hora ou indícios de fraudes, o assessor de Assuntos Internacionais da Presidência, Celso Amorim, enviado a Caracas, não poderá se calar. A defesa intransigente da democracia pelo representante de Lula é o que merecem os venezuelanos — e o que exigem os brasileiros.

Na Venezuela, os chavistas dominam as instituições — das Forças Armadas à Justiça, inclusive a Eleitoral. Perseguem e prendem oposicionistas, intimidam a imprensa. Para tentar legitimar o regime, organizam eleições periódicas, mas, quando sentem o risco de derrota, desqualificam candidatos, colocam centenas de opositores atrás das grades, incentivam o absenteísmo em redutos adversários, distribuem benesses aos próprios partidários ou simplesmente recorrem a fraudes e mudança de regras. Desta vez, Maduro, em busca da confirmação de seu terceiro mandato, deu um passo a mais, apelando à ameaça de guerra civil em caso de uma derrota acachapante, mais difícil de mascarar.

A possibilidade de um banho de votos é real, porque a oposição finalmente se uniu. Depois de ser afastada da corrida presidencial por decisão arbitrária, María Corina Machado, principal voz do antichavismo, tem sido eficaz em atrair apoio popular a seu substituto, Edmundo González, um diplomata aposentado estranho ao mundo da política. Em outubro, governo e oposição se encontraram em Barbados e firmaram um acordo para haver eleições competitivas neste ano. De lá para cá, Maduro voltou a perseguir opositores, e os Estados Unidos reimpuseram parte de sanções que haviam suspendido. No início do mês, o presidente americano, Joe Biden, exigiu de Maduro mais uma vez a realização de eleições livres. Representantes europeus têm feito coro. A postura brasileira, porém, até agora vinha sendo tímida. É preciso que Lula insista na nova atitude que adotou nesta semana. “Se o Maduro quiser contribuir para resolver a volta das pessoas que saíram da Venezuela, estabelecer um estado de crescimento econômico, ele tem que respeitar o processo democrático”, declarou.

Quando Maduro assumiu, a Venezuela era uma das maiores economias da América do Sul. O PIB era de US$ 372 bilhões, hoje não passa de US$ 102 bilhões. Um quarto da população emigrou. Quem ficou por lá enfrenta fome e miséria. Excluindo países que passaram por conflitos armados ou desastres naturais, não há paralelo no mundo. A prevalecer o que sugerem as pesquisas eleitorais, o tempo de Maduro no poder está perto do fim. Está nas mãos do governo brasileiro manter a postura firme e denunciar qualquer tentativa de calar a vontade popular.

Não faz sentido sigilo de cem anos sobre documento de ministro

O Globo

Na campanha eleitoral, Lula prometeu acabar com a prática. Mas seu governo continua a adotá-la

É contraditório que o governo Luiz Inácio Lula da Silva mantenha sigilo de cem anos sobre documentos oficiais, prática tão criticada pelo próprio Lula durante a gestão Jair Bolsonaro. A negativa mais recente diz respeito a dados fornecidos ao Planalto pelo ministro de Minas e Energia, Alexandre Silveira, para avaliar conflitos de interesse no cargo. O pedido negado foi feito por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) pelo portal UOL.

Como medida de transparência, ministros têm de apresentar uma Declaração de Conflito de Interesses. Além de dados patrimoniais, fiscais e pessoais, ela informa se parentes até terceiro grau exercem atividades que podem ser incompatíveis com a função. A Comissão Mista de Reavaliação de Informações alegou que “o documento está integralmente protegido por sigilo fiscal”. O Ministério de Minas e Energia argumentou que a LAI “classifica automaticamente informações de caráter pessoal com status restrito”. A Casa Civil informou que “se trata do estrito cumprimento das normas legais vigentes, e não de imposição de sigilo”.

Entende-se que o documento em questão possa conter informações sensíveis, mas o zelo pela transparência exige separar o que deve ser sigiloso e liberar o que é de interesse público. Uma das mudanças feitas na LAI no ano passado trata justamente de documentos sob sigilo de cem anos que contêm informações íntimas. É fundamental mesmo preservar o que é de caráter exclusivamente privado. Mas, nesses casos, os dados pessoais devem ser ocultados, e o restante liberado.

Impor sigilo de cem anos sobre o que quer que seja sempre desperta desconfiança. Lula sabe disso. Em debate com Bolsonaro na disputa pela Presidência, ele afirmou: “Farei um decreto para acabar com seu sigilo de cem anos para saber o que esse homem esconde por cem anos”. Um dos documentos trancados na gestão anterior era o cartão de vacinação de Bolsonaro, cujo sigilo foi suspenso em 2023. O documento é alvo de investigação policial por suspeita de fraude. O decreto de Lula realmente saiu, mas a prática se manteve.

Lula não pode nem alegar que o caso de Silveira seja excepcional. O governo mantém sob sigilo também as visitas à primeira-dama, Janja Lula da Silva; gastos com o uso do helicóptero presidencial e com alimentação no Palácio da Alvorada; além de visitas dos filhos do presidente ao Palácio do Planalto. Imagens de câmeras de segurança durante a invasão do 8 de Janeiro também foram consideradas segredo, mas acabaram liberadas pelo Supremo.

O sigilo sobre documentos da administração pública só deveria ser decretado em situações necessárias, mediante justificativas razoáveis. Infelizmente não é o que vem acontecendo. Dependendo da conveniência, governos sempre poderão alegar razões pessoais ou de intimidade para carimbar dados como sigilosos, desrespeitando o direito à informação. É preciso preservar o espírito de transparência da LAI. A sociedade tem direito de saber o que se passa na administração pública. Como disse o próprio Lula, o que se tenta esconder por cem anos?

Proposta de super-reguladores expõe as falhas da supervisão

Valor Econômico

Proposta de adotar modelo “twin peaks”, mesmo sendo boa, é complexa e precisaria ser implantada gradualmente no BC e na CVM

Nas vésperas do recesso do Senado, o governo desferiu um golpe duplo nas pretensões do Banco Central (BC). Em um primeiro movimento, o governo apresentou, na quarta-feira, sua posição a favor da autonomia do BC, como defendida na Proposta de Emenda Constitucional (PEC) 65/2023, mas rejeitou sua intenção de se transformar em empresa pública, defendendo a configuração de uma autarquia. No mesmo dia, o Ministério da Fazenda informou que estuda mudanças no modelo de regulação e supervisão dos mercados financeiros, de capitais e segurador, o que implicaria alterações nas atribuições do BC, da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), da Superintendência de Seguros Privados (Susep) e provavelmente da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc).

Sem acordo em relação à PEC, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) adiou sua votação para depois do recesso. A demora do governo em apresentar sua posição foi motivo de queixa do senador Plínio Valério (PSDB-AM), relator da PEC, que começou a tramitar em novembro. A personalidade jurídica do BC, que gostaria de se transformar em empresa pública, é o principal problema para o governo.

Em meio a isso, a Fazenda tirou da gaveta o projeto de mudar o desenho da regulação e da supervisão do sistema financeiro, com a intenção de colocá-lo em prática no próximo ano. A proposta acabou sendo antecipada com o debate sobre a autonomia. Baseada no modelo “twin peaks”, adotado no fim do século passado no Reino Unido e na Austrália, a intenção é redefinir as funções de regulação e supervisão entre o BC e a CVM, que se tornariam super-reguladores com focos diferentes.

Enquanto o BC ficaria responsável pela regulação e pela supervisão prudencial do mercado financeiro, de capitais e de seguros, além de cuidar da política monetária, a CVM seria responsável pela supervisão de condutas e proteção ao consumidor nesses mercados. O modelo não mudaria a autonomia operacional do BC, já estabelecida em lei. A Susep seria incorporada ao BC. A Previc poderia entrar no redesenho.

Hoje BC, CVM e Susep atuam no mercado financeiro, de capitais e de seguros, respectivamente, e na supervisão de condutas e da proteção dos consumidores nesses mercados. Para especialistas, isso cria sobreposições de funções e impede uma atuação mais firme dos órgãos na supervisão sistêmica e no monitoramento de condutas irregulares.

Para especialistas, a proposta de criar os super-reguladores é positiva. O ex-presidente do BC Arminio Fraga disse ao Valor (18/7) que o modelo “twin peaks” é “padrão ouro de arquitetura” do sistema regulatório e de fiscalização do mercado, trazendo foco a essas atividades. Para ele, com o surgimento de instituições financeiras em vários formatos, de conglomerados a fundos, a mudança contribui para a saúde sistêmica, de um lado, e para a proteção dos investidores e integridade do mercado, de outro.

Outro ex-presidente do BC, Gustavo Loyola, também apoia o projeto, confiando na melhora da fiscalização do mercado de crédito como um todo, incluindo os títulos de crédito privado, que estão nas carteiras de fundos mútuos, fundos de pensão e seguradoras, cuja qualidade fica atualmente um pouco fora do radar.

Arminio Fraga defende, porém, uma discussão cuidadosa, e um ponto para o qual sugere atenção especial é o dos orçamentos do BC e da CVM, que, para ele, devem ficar dentro do federal. Até porque as atividades do BC e da CVM nem sempre dão resultado positivo. Basta ver a volatilidade das operações de “swap cambial” do BC, absorvidas pelo Tesouro quando dão prejuízo.

Todos concordam que a proposta, mesmo sendo boa, é complexa e precisaria ser implantada gradualmente, até porque há diferença de cultura entre as autarquias. Mesmo que a ideia demore para ser implantada ou fique pelo caminho, dado o debate técnico e político e a esperada oposição dos servidores públicos, os alertas que levantou não podem ser esquecidos. Um deles é que qualquer que seja o sistema de fiscalização e supervisão vigente, precisa de pessoal e recursos. Chama a atenção o caso da CVM, que, em relatório de 2023, registrou que seu orçamento obrigatório foi de R$ 267 milhões naquele ano e o discricionário, de R$ 30 milhões, mas arrecadou só com a taxa de fiscalização R$ 970 milhões, sem contar outras fontes como multas. Tem carência de pessoal e depende de convênios com associações de mercado para dar conta de suas tarefas.

Outra questão é a importância de uma visão abrangente da supervisão e da fiscalização. Como disse Loyola, muito do crédito é atualmente levantado no mercado de capitais, cerca de 30%, e fica de fora da supervisão do BC, prejudicando uma análise sistêmica das carteiras. Nos Estados Unidos, o percentual é de 70%, e a tendência é o Brasil caminhar nessa direção. Dados do BC registram que o estoque de títulos privados emitidos chegava a R$ 1,06 trilhão em maio, entre debêntures e notas comerciais, e o de títulos securitizados somava mais R$ 779 bilhões.

Governo faz aposta de risco com Orçamento

Folha de S. Paulo

Ao mirar limite inferior, Fazenda mantém dúvida sobre cumprimento de meta fiscal; deve-se focar em mudanças estruturais

O governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) assumiu um risco bastante elevado ao propor o congelamento de R$ 15 bilhões de despesas do Orçamento, mirando assim o limite inferior da meta fiscal de déficit zero neste ano.

A opção pelo piso da margem de tolerância da regra do arcabouço, que consta no relatório de avaliação de receitas e despesas do terceiro bimestre, garante o cumprimento da meta mesmo que as contas do governo encerrem 2024 com rombo de R$ 28,8 bilhões.

A escolha, porém, mantém a dúvida sobre se o governo proporá o afrouxamento da meta fiscal, o que pode ter impactos negativos no câmbio e na inflação, obrigando o Banco Central a manter os juros elevados por mais tempo.

Em junho, o TCU (Tribunal de Contas da União) emitiu alerta de que tomar o piso como referência para adotar ou não o contingenciamento de gastos pode elevar o risco de estouro da meta e afetar a credibilidade das regras fiscais.

O alerta foi ignorado, a despeito de o secretário de Orçamento Federal, Clayton Montes, ter dito que o governo persegue o centro da meta do arcabouço —declaração não respaldada pelo secretário do Tesouro, Rogério Ceron.

A estratégia contida no relatório do terceiro bimestre renova a aposta do ministro Fernando Haddad (Fazenda) de aumento da arrecadação para fechar as contas. Mas não deixa margem de manobra para acomodar eventual frustração das medidas já adotadas.

O desempenho fraco da arrecadação com a negociação para contribuintes derrotados pelo voto de desempate nos julgamentos do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), a principal medida de aumento de receitas para 2024, reforça as dúvidas.

Ela será o pêndulo a jogar a favor ou contra num cenário em que a aceleração das despesas obrigatórias com os pagamentos do INSS e do Benefício de Prestação Continuada (BPC) não dá trégua.

O foco de Haddad no ajuste fiscal pelo lado da alta dos impostos deu sinais concretos de que bateu no teto com a rejeição da medida provisória que restringiu o uso de crédito do PIS/Cofins.

O ministro enfrenta a resistência do presidente Lula em discutir a fundo cortes, incluindo a revisão do salário mínimo como indexador de benefícios do INSS e assistenciais, algo que chegou a ser aventado há algum tempo.

Por ora, o anúncio de redução de R$ 25,9 bilhões em despesas obrigatórias em 2025, por meio de um pente-fino em gastos sociais, e o congelamento de R$ 15 bilhões deram tempo à Fazenda. Mas já passa da hora de mudar o foco e enfrentar cortes que levem o governo a entregar mais com menos.

Lula encara sua omissão

Folha de S. Paulo

Petista enfim critica Maduro, que prevê uso da força bruta caso perca a eleição

Foi necessário que Nicolás Maduro ameaçasse promover um "banho de sangue" caso seja derrotado na eleição de domingo (28), para Luiz Inácio Lula da Silva (PT) criticar a ditadura venezuelana.

"Quem perde as eleições toma um banho de votos, não de sangue. Maduro tem de aprender: quando você ganha, você fica. Quando você perde, vai embora e se prepara para disputar outra eleição", afirmou o brasileiro na segunda (22).

Para quem insiste em qualificar como democracia o regime autoritário construído por Hugo Chávez e cimentado por Maduro nos últimos 20 anos, a fala representa um avanço. Mas retórica não basta.

Na condição de chefe de Estado da maior democracia latino-americana, Lula precisa superar sua omissão histórica diante do recrudescimento do chavismo.

Caso Maduro venha a perder, será necessário unir forças com vizinhos da região para forçá-lo a respeitar o resultado das urnas e, caso seja vitorioso, não impedir contestações da lisura da eleição.

Já que, num país onde todas as instituições do Estado respondem ao caudilho, inclusive o Conselho Nacional Eleitoral, acumulam-se evidências de interferências no pleito, como prisões políticas e coações para esvaziar a candidatura da oposição, unificada em torno de Edmundo González.

Somente o regime —no comando dos aparatos militar, policial e das milícias— detém os meios para promover um "banho de sangue".

Na verdade, a selvageria de Caracas é antiga e notória. Ao menos 125 pessoas foram mortas pelo Estado desde a onda de protestos de 2017. Em 2022, a ONU divulgou relatório com 122 casos de tortura e de violência sexual. O país está sob investigação do Tribunal Penal Internacional desde 2021.

Temendo o pior, e talvez projetando a repercussão sobre seu governo da violência de uma ditadura que apoia, Lula decidiu enviar à Venezuela seu assessor para assuntos internacionais, Celso Amorim, para acompanhar o pleito.

Conhecido por se eximir de condenar o regime, o sucesso de Amorim depende também de o Brasil de fato reconhecer o indiscutível caráter autoritário de Maduro.

O ‘susto’ de Lula

O Estado de S. Paulo

Quatro longos dias depois de Maduro ameaçar os venezuelanos com um ‘banho de sangue’ caso não seja reeleito, Lula resolve se dizer ‘assustado’, gesto que é óbvio fruto de cálculo político

O presidente Lula da Silva levou quatro longos dias para se dizer “assustado” com a advertência do ditador Nicolás Maduro de que haverá um “banho de sangue” na Venezuela se ele não for reeleito na votação prevista para este domingo. Nesse intervalo, enquanto todos os que prezam a democracia já haviam se assustado de fato com o violento repto chavista, Lula, ao contrário, tinha se limitado a dizer que “eles (os venezuelanos) que elejam o presidente que eles quiserem” – como se se tratasse de uma eleição como qualquer outra e como se o companheiro Maduro não tivesse feito uma ameaça explícita de promover uma guerra civil caso perca no voto. Na mesma linha, Celso Amorim, o chanceler brasileiro de facto, havia tratado a ameaça de Maduro como “um arroubo sem consequências”.

Sabe-se lá o que aconteceu nesses quatro dias para que Lula subitamente acordasse “assustado” com a perspectiva real de que Maduro se agarre ao poder na marra. É muito difícil acreditar que só agora o demiurgo petista, que sempre festejou a “democracia” chavista, tenha se dado conta de que a Venezuela é uma feroz ditadura e que ditaduras, especialmente as ferozes, não costumam cair pacificamente pelo voto. É lícito supor, portanto, que a mudança de discurso de Lula talvez tenha mais a ver com um cálculo segundo o qual um eventual desfecho violento na Venezuela pode acabar sendo debitado politicamente de sua conta. Recorde-se que mais de 100 pessoas morreram na brutal repressão do regime aos multitudinários protestos de opositores em 2017, no que talvez seja um amargo aperitivo do que pode acontecer agora.

A despeito do novo discurso do presidente, não mudou um milímetro a convicção de Lula de que o processo eleitoral venezuelano é realmente justo e livre, a despeito da perseguição a opositores, da censura, da subserviência do Judiciário ao chavismo e das ameaças aos eleitores que ousam não votar em Maduro. Nas palavras de Celso Amorim, a votação de domingo “será uma ocasião de demonstrar que a democracia está consolidada” na Venezuela.

É esse crente fervoroso da “democracia” venezuelana que será o “observador” de Lula nas eleições daquele país, o que na prática significa que ele foi designado para avalizar a lisura de uma votação que ocorre sob o signo da truculência estatal. Será curioso ver Amorim confirmar a justiça de uma eventual vitória de Maduro, desfecho que hoje todas as pesquisas de intenção de voto dizem ser virtualmente impossível – salvo se houver fraude.

O “susto” de Lula, portanto, recende a farsa. Desde antes da ascensão definitiva de Maduro ao poder, em abril de 2013, após a morte de Hugo Chávez, o petista sempre apoiou o regime de Caracas. A despeito da progressiva degradação da democracia na Venezuela, o lulismo sempre cerrou fileiras com o chavismo em nome de um alinhamento ideológico antiamericano infantil e retrógrado.

Maduro tem se mantido no poder há mais de uma década a um custo altíssimo para o povo venezuelano. Além da miséria a que foram relegados pelo regime chavista, os venezuelanos que não conseguiram se desvencilhar das patas do ditador ainda sofrem com o cerceamento de suas liberdades individuais e de seus direitos políticos. Temendo ser derrotado, Maduro cassou, uma a uma, todas as candidaturas da oposição que lhe pareceram ameaças reais a seu poder.

Na Venezuela, são escassos e corajosos os veículos de imprensa que ainda ousam levar à sociedade os fatos tais como eles são, não como Maduro quer que sejam apresentados à audiência. Não raro essa coragem cívica é retribuída com a violência da temida Milícia Bolivariana, guarda paraestatal que opera sob as ordens de Maduro e que goza de liberdade praticamente ilimitada para fazer o que bem entender com aqueles que se opõem ao regime.

É sob essas condições que Lula crê que haverá eleições limpas na Venezuela? É isso o que o autodeclarado campeão da democracia no Brasil entende por democracia?

Sob o domínio do medo

O Estado de S. Paulo

Ao cerrar fileiras em torno de Kamala, democratas reenergizaram disputa. Mas a eleição ainda será sobre quem é menos impopular, pautada mais pelo pavor do que pela esperança

Eleições nos EUA são melodramáticas e sabia-se que esta seria ainda mais. Mas mesmo as maiores expectativas estão sendo superadas. Em uma semana o republicano Donald Trump quase foi assassinado, viu um processo judicial ser dispensado por uma corte federal, apontou seu vice-presidente e virtual sucessor à liderança do movimento MAGA (“Faça a América Grande de Novo”) e foi formalmente nomeado na convenção republicana, enquanto, do outro lado, o presidente Joe Biden se recolheu com covid, abandonou a disputa e endossou a candidatura de sua vice, Kamala Harris, que foi virtualmente nomeada por aclamação pelas lideranças democratas. É uma disputa totalmente nova – ou quase.

Em princípio, as chances dos democratas para a presidência e o Congresso, após terem sido arruinadas pela desastrosa participação de Joe Biden no debate contra Trump, foram revitalizadas. A questão da idade se evaporou – e até se voltou contra Trump. Harris, com 59 anos, se valeu de sua experiência como promotora em debates no Senado e a utilizará para confrontar Trump, que responde a ações criminais, foi condenado em uma delas e só não foi nas demais graças a inúmeras chicanas de seus advogados. Ela certamente pode se sair melhor que Biden. Mas também pode se sair pior. Há pelo menos três classes de vulnerabilidades que serão exploradas pelos adversários.

Uma é a sua personalidade. Seus maneirismos, risadas extemporâneas e frases de efeito convolutas abastecerão a usina de memes e vídeos virais. Em segundo lugar, seu registro político está mais à esquerda que o de Biden. Harris é uma típica progressista da Califórnia, o que a desfavorece nos Estados “pêndulo”. Mas o primeiro aspecto tende a ser superestimado pelos republicanos, e o segundo pode ser revertido. Harris ainda é relativamente desconhecida, e pode reconstruir uma imagem mais ao centro, a começar pela escolha de seu vice.

A terceira vulnerabilidade pode não se mostrar decisiva – dificilmente há um elemento “decisivo” neste pleito turbulento –, mas é praticamente irremediável. Após a renúncia de Biden, os democratas podiam escolher entre uma competição aberta e a coroação da vice-presidente. As duas opções tinham seus ônus e bônus. O risco no primeiro caso era precipitar o partido no caos e na guerra fratricida. Ao invés disso, a opção foi por uma demonstração de velocidade e unidade. Mas a manobra tem custos sobre a legitimidade.

Trump pavimentou sua trajetória política como um campeão contra o politicamente correto e o establishment. Harris é uma criatura desse establishment. O Partido Republicano se comporta hoje como uma seita, mas pode alegar que seu candidato foi submetido a primárias e acusar o partido adversário de se vangloriar como um “salvador da democracia” sem ter submetido sua candidata ao escrutínio do eleitorado. Em 2020, Harris não ganhou nenhuma primária em nenhum Estado e foi a primeira a abandonar a disputa. Sua escolha como vice foi declaradamente pautada menos por suas ideias, capital político ou carisma, e mais pelo seu status de “mulher negra”. Agora, ela foi entronizada por caciques democratas, articulistas da mídia e astros de Hollywood.

Mas há um aspecto dessa disputa que não só não é novo, como foi intensificado: trata-se de uma competição por quem é menos impopular, travada pelo medo. Os republicanos seguirão se apresentando como o bastião do american way of life contra a inflação, a esquerda identitária e a imigração. Os democratas, como o baluarte de direitos fundamentais, como o aborto, contra um megalômano com ambições ditatoriais.

O eleitorado está mais habituado às idiossincrasias e barbaridades de Trump, e nos debates e na convenção republicana o ex-presidente fez gestos de moderação. As ideias de Harris são menos conhecidas em nível nacional, e ela terá a opção de se descolar do progressismo democrata mais radical. Mas os ataques pessoais dos dois candidatos após a renúncia de Biden sugerem que a dinâmica da disputa será muito menos sobre quem será capaz de oferecer uma visão de futuro, unidade nacional e esperança aos eleitores, e muito mais sobre quem será capaz de aterrorizá-los sobre a “ameaça existencial” do adversário.

A USP reinventa seu tribunal racial

O Estado de S. Paulo

Presencial ou virtual, a avaliação de quem faz jus às cotas é arbitrária e ilegítima

A Pró-Reitoria de Inclusão e Pertencimento da Universidade de São Paulo (USP) anunciou novas regras para a confirmação da autodeclaração de candidatos postulantes a vagas pelo regime de cotas raciais. A partir de 2025, os candidatos reprovados na análise fotográfica serão convocados para uma entrevista virtual, em que uma comissão composta por professores, alunos, servidores e integrantes da sociedade civil decidirá, com base em critérios fenotípicos como tom da pele, formato do nariz, espessura dos lábios ou configuração do cabelo, se o aluno é ou não “negro”.

Trata-se de uma reação à polêmica despertada pelo bloqueio da inscrição de um aluno pobre na Faculdade de Medicina da USP em uma vaga pelo regime de cotas. Não é um caso isolado. Só neste ano, a USP recebeu 204 recursos de candidatos que tiveram sua autodeclaração racial negada.

É uma lamentável ironia testemunhar a principal universidade do País apelando à pseudociência para resolver a quadratura do círculo e, sob eufemismos como “comissão” ou “banca” de heteroidentificação, negar o status de tribunal racial àquilo que não pode ser classificado senão como um tribunal racial.

Não se trata de ignorar os efeitos deletérios do racismo. Como disse Joaquim Nabuco, “a escravidão permanecerá por muito tempo como a característica nacional do Brasil”. Mais de um século após a Abolição, quase todos os brasileiros reconhecem e lastimam essa chaga. Tampouco se trata de questionar a legalidade, moralidade ou eficácia de ações afirmativas, como as cotas raciais. É um questionamento legítimo, mas o fato é que o Congresso aprovou as cotas e o Supremo Tribunal Federal reconheceu sua constitucionalidade, contrabalançando a vedação da Constituição a qualquer forma de discriminação racial com a sua exigência de igualdade de direitos e busca de harmonia social. Para o bem ou para o mal, a discriminação racial a título de reparação histórica foi acolhida no ordenamento jurídico brasileiro.

Nem por isso os tribunais raciais são legítimos. A Lei de Cotas para as universidades federais (Lei 12.711 de 2012), por exemplo, determina que as vagas serão preenchidas por “autodeclarados pretos, pardos, indígenas e quilombolas”. A regra está em linha com o Estatuto da Igualdade Racial (Lei 12.288 de 2010), que define como “população negra” o “conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas”. Em outras palavras, para todos os efeitos jurídicos, a lei não admite outro critério para definir se um cidadão é negro senão a sua própria subjetividade.

Mas não é o que acontece na USP e outras instituições que estão instituindo tribunais raciais. Por óbvio, essas bancas e comissões visam a coibir o problema real de eventuais oportunistas (“loiros de olhos azuis”) que buscam se beneficiar de vagas reservadas para negros. Mas a solução é ilegal. Quem define se é preto ou pardo é o cidadão, e deve ser tratado como tal. Se há fraude, o ônus da prova recai sobre quem acusa, e a questão deve ser arbitrada pela instituição legitimada para tanto: o Poder Judiciário.

O esforço para controlar as contas públicas é de todos

Correio Braziliense

Fica claro que o controle das contas públicas é função tanto do Executivo quanto do Legislativo e do Judiciário, assim como de todo o setor privado

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva é reticente ao fazer cortes de despesas pelo que ele considera ser apenas vontade do mercado financeiro, mas demonstra ter ciência da necessidade de se cumprir o arcabouço fiscal e controlar as contas públicas. No mesmo dia em que o Ministério da Fazenda divulgou o Relatório da Avaliação de Receitas e Despesas Primárias do terceiro bimestre deste ano, revelando um deficit primário (excluindo juros da dívida pública) de R$ 28,8 bilhões para este ano, Lula foi categórico ao afirmar que, se o país gastar mais do que arrecada, "vai quebrar".

O valor do rombo é o limite para que o país cumpra o parâmetro legal do deficit zero, que considera tolerância de 0,25 ponto para mais ou para menos. Mesmo estando no limite, Lula fez a ressalva de que não vai atender à expectativa do mercado de um corte orçamentário de mais de R$ 60 bilhões neste momento para equilibrar as contas públicas, alegando que um bloqueio feito agora pode se mostrar desnecessário em pouco tempo.

Lembrando que o governo já bloqueou R$ 15 bilhões e promete um pente-fino sobre gastos com benefícios sociais, restam dois cenários de agora até o fim do ano: receitas extraordinárias e ganho de arrecadação eliminam a necessidade de cortes adicionais ou o contrário. Não havendo receita suficiente, será necessário fazer um corte adicional, com o valor podendo chegar aos R$ 62 bilhões estimados pelo mercado financeiro.

O presidente, ao fazer as afirmações, tocou em um ponto delicado, mas que precisa ser discutido. Lula lembrou que os que pedem bloqueio de investimentos e de obras (com o corte orçamentário) são os mesmos que são desonerados. E ressaltou que, sem a desoneração da folha de pagamento de 17 setores, não haveria necessidade de bloqueio orçamentário. Assim, o presidente lembra que o esforço para conter as contas públicas não está só com o governo, mas também com o Congresso.

Hoje, o Congresso é dono de parte do Orçamento, com as emendas parlamentares ficando com mais de R$ 50 bilhões, enquanto, por decisão dos congressistas, uma medida que deveria ser pontual está sendo perpetuada. Não há dúvida de que os setores econômicos precisam ter uma carga menor de impostos, mas por quais motivos apenas 17 têm esse privilégio que custa, nas contas do governo, quase R$ 20 bilhões?

Fica claro que o controle das contas públicas é função tanto do Executivo quanto do Legislativo e do Judiciário, assim como de todo o setor privado. Nesse ponto, é preciso que o Congresso se vire de frente para o Brasil. O Congresso precisa agir para encontrar formas de compensar desonerações de forma a contribuir não para o presidente Lula, mas, sim, para que o país consiga equilibrar suas contas.

Passou da hora para que o esforço pelo controle das contas públicas seja de todos, assim como cabe ao governo federal ser mais eficiente nos seus gastos, para reduzir desperdícios. É preciso, ainda, que o governo não sofra por ter que fazer gastos. Discursos não resolvem problemas econômicos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário