quinta-feira, 25 de julho de 2024

O que a mídia pensa | Editoriais / Opiniões

Segurança e meio ambiente são desafios olímpicos

O Globo

Olimpíada de Paris quer afastar o espectro dos atentados e deixar como legado o Sena despoluído

Com 10.500 atletas de 204 países (e a equipe de refugiados), a Olimpíada de Paris, que começa oficialmente amanhã, terá na segurança e no meio ambiente seus maiores desafios. Segurança porque, pela primeira vez, a cerimônia de abertura será realizada fora de um estádio, às margens do Rio Sena, demandando ações mais complexas, além da tarefa óbvia de proteger o público. Meio ambiente porque apenas duas construções foram erguidas do zero — o novo centro aquático e a Vila Olímpica, que ficarão como legado na região deteriorada de Saint-Denis.

De resto, num esforço de sustentabilidade, toda a Olimpíada será realizada em instalações já existentes ou temporárias. Em iniciativa ousada, os organizadores decidiram levar as provas de triatlo e maratona aquática para as águas do próprio Sena, onde o banho estava proibido havia um século.

A cerimônia de abertura, que deverá reunir cerca de 500 mil pessoas, traz preocupações pertinentes numa cidade que ainda guarda cicatrizes recentes de atentados terroristas. Não se pode dizer que Paris não tenha se preparado. O ministro do Interior, Gérald Darmanin, informou que mais de 3.500 credenciados foram barrados por representarem ameaça à segurança. Suspeitos de planejar atos violentos têm sido presos nos últimos dias. Como é praxe nesses megaeventos, as forças de segurança francesas receberam reforços de outros países que já patrulham a cidade. É verdade que a França preparou um plano B para a festa de abertura no Trocadéro ou no Stade de France, mas o próprio presidente Emmanuel Macron disse que usará o plano A.

Para levar a cabo a missão de despoluir o Sena — um dos principais compromissos da cidade com o Comitê Olímpico Internacional —, foi investido € 1,4 bilhão (cerca de R$ 8,5 bilhões). Uma estrutura subterrânea com 34 metros de profundidade e 50 metros de largura foi construída para armazenar, depois enviar às estações de tratamento as águas que extravasam para o rio em tempos de chuva. Além disso, mais de 20 mil residências foram conectadas às redes de esgoto.

Os organizadores garantem que a qualidade da água do rio melhorou, mas tudo dependerá do tempo, uma vez que chuvas fortes podem aumentar a sujeira. Para desespero dos organizadores, há previsão de chuva para o período dos Jogos. Com o objetivo de convencer os céticos, a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, e o presidente do Comitê Organizador, Tony Estanguet, chegaram a mergulhar no Sena. Macron prometeu o mesmo, mas até ontem não cumprira a promessa.

Ainda que nos próximos dias as condições de balneabilidade não permitam as provas ou forcem seu adiamento, é louvável o esforço de Paris para despoluir um de seus patrimônios. Esforço que o Rio, sede dos Jogos de 2016, deixou escorrer pelos dedos. Embora a Olimpíada carioca tenha deixado legados importantes, como a revitalização da Zona Portuária, a Linha 4 do metrô (Ipanema-Barra) e os BRTs, a anunciada despoluição da Baía de Guanabara e das lagoas da Barra foi o principal fiasco olímpico. Na França, a limpeza do Sena é encarada como um dos principais legados. Prevê-se que, em 2025, já será possível nadar em trechos do rio.

A despeito das apostas de risco da Olimpíada de Paris, espera-se que tudo saia como planejado, para o bem do esporte, do espírito olímpico e de bilhões de espectadores no mundo inteiro.

Renegociação da concessão de estradas precisa evitar o populismo tarifário

O Globo

É necessário encontrar modelo que equilibre os interesses dos usuários, do governo e das concessionárias

Desde a primeira concessão de rodovia federal, a Presidente Dutra, que liga Rio a São Paulo, em 1995, o poder público ainda não conseguiu estabelecer regras estáveis para manter a iniciativa privada no negócio. Agora, o Ministério dos Transportes prepara-se para renegociar metade dos contratos, com 14 concessionárias, responsáveis pela administração de 27 trechos de estradas. É uma oportunidade para chegar a um modelo que atenda ao mesmo tempo aos interesses do usuário, com melhorias nas estradas, do governo federal, que pode economizar ou destinar mais recursos a outras despesas, e dos concessionários, que precisam de retorno financeiro em troca dos investimentos. As variáveis dessa equação têm de ser bem definidas.

Já existe experiência suficiente no Brasil para que os acordos de concessão beneficiem todos os envolvidos. A lição mais recente vem do período anterior de governos do PT, quando foi privilegiada nas licitações a oferta de tarifas baixas de pedágio. O populismo tarifário, saudado à época como conquista, inviabilizou vários contratos.

O roteiro da nova rodada de renegociações começa com a decisão da concessionária de manter o contrato. Confirmado o interesse, os termos são discutidos e encaminhados à área de conciliação do Tribunal de Contas da União (TCU). Depois, o governo oferece a rodovia em leilão, nos mesmo termos aprovados pelo TCU, para que não haja questionamento sobre favorecimento à atual operadora. A secretária de Transporte Rodoviário, Viviane Esse, destaca que o projeto ofertado em leilão não dependerá de litígio, pois todas as pendências já terão sido resolvidas. Está previsto que o concessionário ofereça tarifa de pedágio menor que a de outros leilões em andamento.

Para evitar repetir erros já cometidos, prevê-se uma espécie de degrau tarifário, permitindo aumentos de tarifas à medida que sejam entregues as obras iniciadas quando o acordo for assinado. Por constarem de contratos antigos, essas obras já contam com projeto e licenciamento aprovados.

É importante que a nova rodada de renegociações dê certo. Não apenas porque há estradas inseguras à espera de melhorias, mas também porque há mais de 20 novos trechos com licitação em andamento e outros 40 a ser leiloados até o final do ano, representando investimentos de R$ 80 bilhões, segundo o assessor especial para Programa de Parcerias de Investimentos, da Casa Civil, Alexandre Carneiro.

No final do ano passado, uma pesquisa da Confederação Nacional dos Transportes (CNT) constatou que os 26 mil quilômetros de rodovias administradas em regime de concessão se deterioravam, incluindo algumas rodovias estaduais. De 2022 para 2023, os 5% de trechos considerados “ruins” ou “péssimos” se mantiveram estáveis, mas os “regulares” passaram de 25,8% a 31,5%, enquanto os “ótimos” caíram de 27,6% a 21,8%. De acordo com a CNT, os índices negativos se devem às rodovias federais. Agora, com a repactuação de contratos, há a expectativa de que trafegar nessas estradas deixe de ser uma aposta na sorte.

Dólar deve dar trégua, mas alimentos pressionam IPCA

Valor Econômico

Com o IPCA cheio de maio e junho bem comportado, abaixo das previsões, ainda não há motivos para que o BC mude os sinais da política monetária

A desvalorização do real diante do dólar tende a se atenuar e a ameaça de uma inflação influenciada pela alta de preços importados sobre o IPCA não deve ser um risco relevante, diminuindo as chances de que a política monetária, já apertada, tenha de ser ainda mais dura no curto prazo. O Comitê de Política Monetária, em sua próxima reunião, no início da semana que vem, não deverá mover os juros, ainda que os preços de alimentos e energia possam emitir um sinal de alerta.

O índice de commodities do Banco Central indica pressões razoáveis a caminho. Apenas em junho, produtos agrícolas aumentaram 6,29% e, no ano, 17,1%. Commodities metálicas, como alumínio, zinco, ferro e cobre, subiram 30% em seis meses e 23,2% no trimestre encerrado em junho. Petróleo e energia avançaram 17,9% no ano e 6% em junho. O peso conjunto destes aumentos se concentrará nos bens industriais, cuja evolução até agora se situa abaixo da meta de inflação, e nos alimentos, que tem empurrado o IPCA para cima nas últimas medições.

O IPCA em junho, na taxa acumulada em 12 meses, evoluiu para 4,23%. Os analistas privados, no boletim Focus do Banco Central, voltaram a elevar as projeções para o ano, de 4,05% e subindo. Nos próximos meses, o IPCA deve se aproximar do teto da meta, porque a inflação de julho e agosto de 2023 foi baixa, e a média trimestral do IPCA agora é superior à de 2023 - a média trimestral até junho foi de 1,05% e a de junho do ano anterior, 0,76%.

A boa notícia é que a inflação de serviços, a mais resistente à queda, vem cedendo. Em 12 meses até junho, foi de 4,49%, ainda assim, incompatível com a meta de inflação. Os serviços, porém, são muito menos afetados pela variação do dólar do que os bens industriais, que, por seu lado, apresentam variação muito comportada até agora. Até maio, o índice de preços ao produtor variou 0,17% em 12 meses, ou seja, perto de zero.

O desempenho da economia no segundo trimestre foi animador, com estimativas em alta. O Ibre/FGV, por exemplo, revisou sua projeção de 0,5% para 0,7% para o período, com alta para a indústria de transformação e serviços. O Monitor do PIB, da mesma instituição, apontou a continuidade de boa performance em maio, o que torna possível um crescimento da economia acima dos 2,1% estimados pelo Focus. Os impulsos vêm tanto do consumo das famílias, com o aumento do emprego e da massa salarial, como dos investimentos, que apresentam expansão mesmo com a taxa de juros ainda em nível muito alto.

O Banco Central acredita que a interrupção da redução dos juros, com a manutenção da taxa Selic em 10,5%, é capaz de levar a inflação para perto da meta em 2025 (3,1%), uma aposta não bancada pelo mercado, que antevê 3,9%, com os juros deslizando gradualmente para 9,5% ao fim de 2025. Mas há espaço para várias surpresas - o avanço de 14,7% no dólar ante o real no ano foi uma delas. As críticas do presidente Lula à política monetária do Banco Central, e os sinais emitidos pelo presidente de que a política fiscal continuaria expansionista e em desacordo com a meta do novo regime fiscal potencializaram o movimento de alta global da moeda americana.

No que depende da inflação importada, ou seja, da variação do dólar, é possível prever que novas altas expressivas não deverão ocorrer a curto prazo - e muito menos quedas abruptas. A previsão de espaço para a valorização do real, corrente no início do ano, ficou no passado. A troca do presidente Joe Biden provavelmente pela vice Kamala Harris na eleição americana, tornando os democratas mais competitivos, conteve um pouco o avanço da moeda americana. A decisão do governo brasileiro de bloquear e contingenciar R$ 15 bilhões no orçamento mostrou disposição de agir para cumprir a meta fiscal, um sinal que, mesmo sob desconfiança, suaviza as expectativas de que a piora das contas era inexorável.

A economia ganhou bom ritmo e, apesar dos juros altos, o crescimento deverá ultrapassar com folga 2%, o que coloca obstáculos para que a inflação decline mais rapidamente para 3%. Os estímulos fiscais e parafiscais, assim como o reajuste do salário mínimo acima da inflação, adicionam dinamismo para as atividades e crédito que os juros altos, por si só, não são suficientes para conter. De qualquer forma, o IPCA deverá ficar dentro do intervalo de tolerância da meta, caso o BC resolva manter a Selic onde está.

Não há motivos no momento para elevá-la, caso o intervalo de tempo para que o BC atinja a meta seja maior, como a autoridade monetária vem fazendo e como se tornará praxe a partir do ano que vem, com a entrada em vigor da meta contínua - que obrigará uma ação enérgica caso o IPCA fique acima da meta por seis meses consecutivos. Na mais recente reunião do Copom, houve debate sobre se o balanço de riscos havia se tornado assimétrico, inclinado favoravelmente a mais inflação, mas o comitê resolveu manter os riscos equilibrados. Com o IPCA cheio de maio e junho bem comportado, abaixo das previsões, ainda não há motivos para que o BC mude os sinais da política monetária.

Polarização cria falso juízo sobre evangélicos

Folha de S. Paulo

Datafolha mostra que estereótipo extremista do bolsonarismo atribuído a frequentadores de igrejas está longe da realidade

Nossos cérebros funcionam por meio de operações mentais de categorização e generalização. Se é isso que nos permite navegar por um mundo incerto, buscando regularidades, também está aí a origem de nossos preconceitos.

Acrescente-se uma dose de polarização política e temos a receita para formar o estereótipo do evangélico bolsonarista que apoia as bandeiras extremistas do ex-presidente, quando não as define.

Pesquisa Datafolha realizada no final de junho com 613 eleitores paulistanos que se declaram evangélicos mostra que esse quadro está longe da realidade.

Um exemplo é o homeschooling, pauta do bolsonarismo supostamente escolhida para contentar o público evangélico. Pela sondagem, 77% dos entrevistados são contrários à educação domiciliar.

Fenômeno análogo se repete em outros tópicos. A maioria (66%) é contra a posse de armas para autodefesa; favorável ao acolhimento de gays e pessoas trans nas igrejas (86%); e três de cada quatro fiéis acham que a escola deve abordar a educação sexual.

Os evangélicos paulistanos se aproximam do ideário bolsonarista na questão da união homossexual (57% são contra) e do aborto (só 21% apoiam ampliação das hipóteses legais que o permitem).

Sobre este último tema, contudo, há sutilezas. Apesar da rejeição à interrupção voluntária da gravidez, a maioria (53%) é contrária a processar penalmente e encarcerar mulheres que abortam.

Tal tendência foi verificada recentemente na forte rejeição popular, por evangélicos ou não, ao insensato projeto de lei que agrava penas para quem aborta —inclusive mulheres e meninas que foram vítimas de estupro.

A pesquisa mostra ainda que os evangélicos se pautam por motivações bastante terrenas.
Contrariando o estereótipo ascético, 55% atribuem importância máxima à religião para a busca ou manutenção de uma parceria amorosa; 58% dizem o mesmo sobre amizades; e 71% em relação a planos profissionais e vida financeira.

Se a salvação eterna prometida aos fiéis é um assunto para os religiosos, interações sociais significativas e ajuda em momentos de dificuldade são produtos que os templos de fato entregam. Quase 50% dos fiéis dizem já ter sido atendidos por algum projeto social de sua igreja.

Não é possível modificar o mecanismo mental humano que favorece o surgimento de estereótipos e preconceitos. Mas, cientes de que padecemos dessa vulnerabilidade, é factível duvidar dos juízos definitivos a que chegamos sem o respaldo em dados. A realidade é quase sempre mais complexa do que sugerem nossas intuições.

Arapongagem bolsonarista

Folha de S. Paulo

Investigação da PF revela como ex-presidente usou o Estado para seus fins

São escandalosos os indícios colhidos pela Polícia Federal durante a Operação Última Milha, cujo objetivo consiste em investigar a existência de uma "Abin paralela" criada por Jair Bolsonaro (PL).

De acordo com as apurações, parte da Agência Brasileira de Inteligência se transformou em espécie de guarda pretoriana, voltada não às demandas do Estado nacional, e sim aos interesses particulares do ex-presidente e de sua família.

Pelo que se sabe, a estrutura espúria manteve operações de 2019 a 2022, período em que a agência ficou sob comando de Alexandre Ramagem, hoje pré-candidato do PL à Prefeitura do Rio de Janeiro.

Tal qual os serviços secretos das ditaduras, o núcleo clandestino de Bolsonaro teria espionado políticos em cargos relevantes, integrantes do Supremo Tribunal Federal, representantes da sociedade civil e membros da imprensa.

Os esforços do ex-presidente, no entanto, foram além da simples arapongagem —o que já não seria pouca coisa. Um áudio obtido pela PF mostra que Bolsonaro mobilizou setores do Estado para tentar blindar seu filho Flávio no chamado caso das rachadinhas.

Feita por Ramagem, a gravação capta uma reunião realizada em agosto de 2020 e da qual participaram ele, o ex-presidente, o general Augusto Heleno (então ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional) e duas advogadas de Flávio, senador pelo PL-RJ.

Na conversa, Bolsonaro se prontificou a conversar com os chefes da Receita e do Serpro (empresa estatal que detém os dados do Fisco), com a finalidade de encontrar meios de anular as investigações sobre suposto desvio de salário de funcionários da Assembleia Legislativa do Rio à época em que Flávio era deputado estadual.

Dito e feito. Como reportagens desta Folha revelaram, servidores da Receita atuaram em prol desse fim nada republicano e o próprio secretário do órgão foi à casa de Flávio cuidar do assunto.

Para além das eventuais consequências penais que a Justiça possa determinar, o episódio evidencia, mais uma vez, que Bolsonaro jamais compreendeu a importância do palácio em que morou.

A Sabesp no caminho certo

O Estado de S. Paulo

Mantidas sob controle estatal, empresas de saneamento não tiveram condições de acelerar a universalização de seus serviços. A privatização, se bem feita, como no caso da Sabesp, é a solução

O governo do Estado de São Paulo concluiu o processo de privatização da Sabesp, vendendo 32% das ações da empresa, das 50,3% que detinha, por um total de R$ 14,8 bilhões. Foi a maior oferta de ações da história do setor do saneamento. Trata-se de um marco simbólico e alentador diante dos desafios da infraestrutura nacional, em especial do saneamento.

Nas duas últimas décadas, a média anual de investimentos em infraestrutura foi de 2%. O resultado é um baixo estoque de capital, cerca de 35% do PIB, quando uma estrutura modernizada, ou seja, que garanta acesso universal aos serviços, exigiria algo em torno de 60%. Segundo estimativas da consultoria Inter.B, especializada no setor, o País precisaria investir nas próximas duas décadas entre 3,6% e 4% do PIB ao ano para atingir esta meta. Mas no último triênio a taxa de investimentos foi ainda menor que a média histórica, 1,83%.

O Brasil é um dos países mais desiguais do mundo, e nada expõe mais essa desigualdade que o acesso ao saneamento básico: quase 100 milhões de brasileiros não têm rede de esgoto e mais 35 milhões não têm água tratada. Tal tragédia humanitária não é uma consequência natural da realidade socioeconômica do Brasil – o saneamento no País está bem abaixo da média de outros países de renda média-alta e mesmo de renda média.

Diferentemente de outros setores – como energia, telecomunicações e, em alguma medida, transportes – que foram transformados por reformas que abriram os mercados nos anos 90, o saneamento permaneceu por mais de duas décadas sob o monopólio estatal, à mercê da captura clientelista. O Marco do Saneamento de 2020 foi o passo mais importante para reverter esse quadro, definindo metas para a universalização, obrigando a licitação para a escolha de prestadores, garantindo mais segurança jurídica à privatização das companhias estaduais e conferindo à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) o papel de padronizar a regulação e a fiscalização dos serviços.

Desde então, os investimentos no setor cresceram 20%. Ainda assim, será preciso acelerar, e muito, para atingir a meta de universalização em 2033. Segundo a Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon), mantido o ritmo dos últimos cinco anos, a meta só seria alcançada em 2089.

Hoje, nenhuma empresa estatal tem condições de cumprir a meta do Marco. Mesmo quando não há captura por interesses privados. Primeiro, porque essas empresas não têm capital, e as restrições fiscais não permitem aos governos ampliar investimentos. Depois, porque, estando submetidas ao direito público, tampouco têm a flexibilidade necessária para captar recursos e fazer parcerias em bases competitivas.

A Sabesp é uma das empresas mais eficientes do setor e São Paulo tem uma cobertura bem acima da média nacional. Esse resultado foi possível porque nos últimos anos a empresa abriu seu capital, ingressou no mercado e estabeleceu parcerias público-privadas. Ainda assim, precisará de mais capital financeiro e humano para atingir a meta.

A privatização não diminui a importância do papel do Estado, que mantém a sua função de regular, fazer bons contratos e fiscalizá-los. O Estado de São Paulo ainda será acionista da empresa e, segundo estimativas conservadoras, se a companhia se valorizar quatro vezes em 20 anos, seu patrimônio aumentará em 60%.

Na vanguarda do atraso, o PT e seus asseclas tentaram de todas as formas barrar a privatização: perderam nas ruas, no Legislativo e no Judiciário. Agora, a crítica é de que a empresa foi vendida a preço de banana. Mas é uma crítica puramente ideológica. O preço de uma estatal nunca será igual ao de uma empresa privada. O mais importante é que a Sabesp será capaz de antecipar a entrega da universalização antes da meta.

O fato incontestável é que o Brasil é carente de infraestrutura, e o Estado não tem condições de satisfazer essa carência. O processo de desestatização da Sabesp mostra que, com boas condições e segurança jurídica, esses recursos podem vir do setor privado.

Vivendo perigosamente

O Estado de S. Paulo

Ao formalizar o contingenciamento de despesas, governo Lula demonstra que não persegue o centro da meta fiscal e sinaliza que sua estratégia é fazer o mínimo para cumprir o objetivo

No início do ano passado, logo após patrocinar um aumento de gastos de R$ 168 bilhões por meio da emenda constitucional da transição, o governo Lula da Silva definiu que a meta fiscal de 2024 seria zero. Era uma tentativa de mostrar que a recomposição do Orçamento pós-Bolsonaro era uma política necessária, mas pontual, e que essa não seria a regra adotada nos anos seguintes. Assim nasceu o arcabouço fiscal.

Diferentemente do rígido teto de gastos, o arcabouço foi desenhado para acomodar eventuais imprevistos que ocorram na administração das contas públicas. Por isso, estabeleceu-se que a meta teria uma banda de flutuação de até 0,25% do Produto Interno Bruto (PIB) para cima e para baixo. A regra permitiu que um déficit de até R$ 28,8 bilhões, para fins de apuração da meta, fosse considerado um resultado positivo.

O dever, no entanto, sempre foi o de perseguir o centro da meta, não seu limite inferior. Mas o governo parece ter decidido viver perigosamente, transformando o piso na meta em si, estratégia que acaba com a margem de segurança caso haja frustração de receitas – o que, por culpa das projeções otimistas do governo, de fato tem ocorrido. É o que se deduz de declarações recentes do presidente Lula da Silva e dos técnicos da Fazenda e do Planejamento.

Na segunda-feira, Lula disse a correspondentes estrangeiros que o governo pretende bloquear gastos “sempre que precisar”, o que parecia uma declaração forte vinda de um presidente para quem toda despesa é um investimento. Mas, no mesmo dia, técnicos da equipe econômica mostraram, na prática, o real significado das palavras do presidente.

À tarde, o governo divulgou o Relatório Bimestral de Avaliação de Receitas e Despesas e atualizou a previsão de déficit do ano. A projeção mais que dobrou na passagem do segundo para o terceiro bimestre, de R$ 14,2 bilhões para R$ 32,6 bilhões – acima, portanto, da meta e de seu limite inferior. O rombo aumentou nas duas pontas, tanto pelo lado das despesas, que superaram as estimativas do governo, quanto pelo lado das receitas, que foram menores do que o esperado.

Mas o contingenciamento – obrigatório quando há frustração na arrecadação – foi de apenas R$ 3,8 bilhões, o mínimo necessário para se enquadrar no intervalo de tolerância sem descumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal. “Qualquer resultado dentro da banda significa sim o cumprimento da meta, ainda que seja no limite da banda”, disse o secretário do Tesouro Nacional, Rogério Ceron.

A questão é que a arrecadação não tem tido um comportamento ruim neste ano. O governo antecipou que suas receitas tiveram alta real – acima da inflação, portanto – de 11,02% em junho ante o mesmo mês de 2023 e de 9,08% no semestre contra os seis primeiros meses do ano passado. Ainda assim, a previsão inicial com a qual o governo trabalhava era R$ 6,4 bilhões maior, o que sugere, no mínimo, um otimismo exagerado.

Ora, se o objetivo era sinalizar que o centro da meta seria efetivamente perseguido, o contingenciamento de despesas teria de ter sido bem maior do que os R$ 3,8 bilhões anunciados. Antecipar o detalhamento sobre como esses bloqueios serão materializados nas despesas discricionárias também poderia ter trazido alguma confiança aos investidores.

Bloquear despesas “sempre que for preciso”, como disse Lula da Silva aos correspondentes estrangeiros, não é o mesmo que congelar o mínimo necessário para garantir o cumprimento da meta. Mas o governo ainda parece jogar com as palavras e ganhar tempo até a divulgação do próximo relatório bimestral em vez de anunciar ações que demonstrem que seu compromisso fiscal é real e factível.

Como mostrou o Broadcast, trata-se de uma estratégia frágil e conveniente de conduzir a política fiscal, e que, por óbvio, não tem passado despercebida. O Tribunal de Contas da União (TCU) já havia feito um alerta sobre o perigo dessa prática em junho, recado que foi reforçado pela Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle do Senado Federal (Conorf). O que está em jogo não é somente o cumprimento da meta deste ano, mas o vigor do arcabouço fiscal e a credibilidade do governo.

É para isso que serve o BNDES

O Estado de S. Paulo

Expansão do Instituto Butantan é o tipo de projeto que merece financiamento público

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) anunciou crédito de R$ 386 milhões para a construção de uma nova planta de biotecnologia do Instituto Butantan, um dos maiores fabricantes mundiais de imunizantes, de acordo com critérios da Organização Mundial da Saúde (OMS). Muitas vezes justamente criticado por oferecer crédito subsidiado a empresas que nem sequer deveriam receber financiamento de um banco público de fomento, o BNDES acerta ao fortalecer a centenária instituição paulista, uma vez que a pandemia de covid-19 escancarou os limites das cadeias globais de produção de imunizantes. Destaque-se ainda que as mudanças climáticas têm provocado surtos cada vez mais frequentes de doenças virais.

O Butantan, bem como a Fiocruz, teve papel fundamental, durante a mais recente pandemia global, na busca por uma vacina que interrompesse a escalada brutal de mortes, enfrentando desafios não só no terreno científico, mas também no campo político – a vacina do Butantan, convém recordar, foi menosprezada pelos negacionistas, incentivados pelo governo de Jair Bolsonaro.

Atualmente, também com apoio do BNDES, o Butantan trabalha no desenvolvimento de um aguardado imunizante contra a dengue, doença viral que viu uma explosão de casos em 2024. Segundo dados do Ministério da Saúde sobre as arboviroses (doenças virais transmitidas por mosquitos, por exemplo), os casos da enfermidade no País já ultrapassam 6 milhões, com 4.744 óbitos confirmados.

Além do surto de dengue, atribuído às mudanças climáticas, o País também assiste ao avanço da febre oropouche, que já ultrapassa 7 mil casos neste ano – o Ministério da Saúde investiga a possibilidade de 3 mortes causadas pela doença. Ou seja, há uma significativa demanda para pesquisa e produção de imunizantes.

Prevista para entrar em operação em janeiro de 2029, a nova unidade do Butantan será construída no complexo que já abriga o instituto. O objetivo é ampliar a capacidade de produção de novos imunizantes e das vacinas contra a influenza, bem como realizar estudos para o desenvolvimento de medicamentos para o tratamento de doenças como câncer, artrite reumatoide, lúpus, esclerose múltipla, psoríase e doença de Crohn.

É digno de nota que o BNDES esteja realizando política de financiamento público que, ao mesmo tempo, fortalece uma instituição fundamental para a sociedade brasileira e, por extensão, combate o obscurantismo ao promover a inovação. Este é o verdadeiro papel de um banco público: financiar segmentos que, embora de importância vital para o país, não são exatamente foco da iniciativa privada. Que o BNDES continue firme nesse caminho, pois o Brasil precisa direcionar seus recursos públicos para objetivos de evidente interesse nacional, como é o caso da ciência e da produção de vacinas e remédios, e não despejar dinheiro em projetos megalomaníacos que só favorecem “campeões nacionais” ou ditadores companheiros.

Crise climática é urgência política

Correio Braziliense

Qualquer líder ou pretendente político que desconsidere a crise ambiental precisa despertar ao menos um incômodo entre seus eleitores. Como têm feito as temperaturas extremas

O 21 de julho de 2024 entra para a história por ao menos dois acontecimentos: a desistência de Joe Biden em concorrer à reeleição dos Estados Unidos, causando uma reviravolta na disputa pela Casa Branca, e o anúncio de que tivemos o domingo mais quente já registrado na Terra nos últimos 84 anos, deixando ainda mais evidente que a urgência climática é pauta prioritária na agenda global. A sincronia deve seguir: qualquer líder ou pretendente político que desconsidere a crise ambiental precisa despertar ao menos um incômodo entre seus eleitores. Como têm feito as temperaturas extremas.

Segundo o Serviço de Mudanças Climáticas Copernicus (C3S), da União Europeia, no último domingo, a temperatura média global foi de 17,09ºC, superando em 0,01ºC o recorde anterior, em 6 de julho de 2023. Em menos de 24 horas, o limite foi ultrapassado novamente: 17,15ºC, na segunda-feira. Surpreende os estudiosos essa grande  diferença entre os sucessivos aumentos de temperatura nos últimos 13 meses e o cenário anterior de recordes — antes de julho de 2023, a mais alta temperatura média global diária foi de 16,8°C, em 13 de agosto de 2016.

Ao Correio, o geólogo Marco Moraes, autor do livro Planeta Hostil, alerta para o fato de que essa divergência nos termômetros preocupa porque 2016 enfrentou justamente o El Niño mais forte em 50 anos. O de agora é considerado "enfraquecido" desde o início do ano. Para Moraes, a sequência de temperaturas recordes em 2024 é "um sinal praticamente exclusivo do aquecimento global" em curso, e não de efeitos de fenômenos temporários.  

No Brasil, este inverno deve ter 3ºC acima da média, prevê o Climatempo. As mais de mil cidades em condição de seca extrema e severa, o equivalente 20% dos municípios brasileiros, segundo dados do Centro de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden), evidenciam o tamanho do problema que, como pontua, também ao Correio, o biólogo Paulo Jubilut, divulgador científico da Aprova Total, precisa ser enfrentado com implementação de políticas ambientais eficazes, transição para fontes de energias renováveis e conservação de florestas.

Trump, que tirou os EUA do Acordo de Paris quando presidente, tem como uma das principais promessas de campanha aumentar as perfurações de petróleo e gás, consideradas energias poluentes. E ele não é o único líder a desmerecer os sinais da crise climática, apesar de a população parecer estar mais atenta à necessidade de enfrentar a questão. 

Levantamento divulgado em junho pelo Programa de Desenvolvimento das Nações Unidas (Pnud) revela que 80% da população global apoia que seus governos adotem medidas mais rigorosas contra a crise climática. A taxa do Brasil é maior do que a média global: 85%. A dos Estados Unidos, menor: 66%.

Tal como os norte-americanos, os brasileiros estão em ano de eleição. Estar atento a prefeitos sensíveis à urgência ambiental também faz parte de um movimento de engajamento internacional a favor do clima. Temas corriqueiros das campanhas municipais, como a melhora do transporte público e a criação de bairros, precisam conter discussões que contemplem a pauta ambiental — o estímulo à mobilidade alternativa e à preservação de áreas verdes, por exemplo. volume00:00/00:00correiobrazilienseTruvid

Vem do Rio Grande do Sul a prova de outra cobrança que é imprescindível por parte do eleitorado: a apresentação de um plano estruturado de contingência de eventos extremos. Presenciamos cenas em terras gaúchas inimagináveis e que, alerta o Copérnico, poderão ser superadas. O mundo entra, cada vez mais, em um "território desconhecido".

 

 

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